segunda-feira, 18 de junho de 2007

Novos tempos para os pais

A tradutora Rosita Belinky e o engenheiro Tom Gridi Papp inauguraram a primeira página do blog do filho Gabriel, de 3 meses, quando a mãe completou o segundo mês de gestação

Foto de Julio Bittencourt / Valor

Lina de Albuquerque, para o Valor
Publicado pelo Valor Online em 15/06/07

Lis tem 1 ano e foi fruto da primeira tentativa de concepção depois que os pais, a estudante de enfermagem Aline Canteiro Pasqua e o professor de educação física Fabrício Amaral Mantovani, de 23 e 29 anos, interromperam o método anticoncepcional. Lucas tem 3 anos e nasceu de inseminação artificial realizada após os pais, a economista Adriana Mauro e o administrador de empresas Paulo Chamelet, de 39 e 42, passarem dez anos tentando ter um filho. Apesar das histórias diferentes, ambos integram uma geração de crianças da classe média que deve ao planejamento familiar a sua razão de existir. Eles chegaram a um mundo dominado pela informática, pela necessidade de aprender outros idiomas e pela preocupação de assegurar cada vez mais cedo o futuro financeiro.

Enquanto embala Lis no colo, Aline começa a pensar sobre o que fazer para favorecer a adaptação da filha a uma realidade completamente diferente da de sua infância. A mãe decidiu que Lis terá contato na infância com pelo menos duas línguas além do português: inglês, espanhol e, com o desenvolvimento da economia chinesa, possivelmente mandarim. A menina aprendeu a balbuciar algumas palavras em inglês vendo programas infantis pela TV a cabo e já associa o computador às figuras dos avós paternos. Eles moram em outra cidade e acompanham o desenvolvimento da neta através de comunicação diária feita com a webcam e o uso de programas como o MSN.

Lucas está matriculado desde os 2 anos numa escola bilíngüe e passa boa parte do tempo falando no inglês que já pôde aprender. Em casa, ele anda de um lado para o outro com um laptop de brinquedo que ensina alguns comandos básicos de informática. E, ao completar 1 ano, ganhou da tia um presente que os pais jamais sonhariam receber na infância: um plano de previdência privada.

Mas a preocupação de dar aos filhos um futuro próspero, não só no que diz respeito ao aspecto financeiro, pode requerer uma dose de adaptação maior por parte de pais que cresceram num cenário diverso. A psicóloga Rosa Maria Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Psicologia da Informática da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), lamenta a ausência de pesquisas voltadas para o desenvolvimento das crianças da geração da informática no Brasil. Ao mesmo tempo que observa a facilidade de interação das crianças com os novos meios de comunicação, ela depara com pais perdidos e defasados em relação aos conhecimentos dos filhos.

"O grande desafio dos adultos do presente consiste em aprender a explorar as novas possibilidades de linguagem com os filhos que já nasceram imersos nesse universo de compartilhamento através do computador", alerta Rosa Maria. "A falta de habilidade não deve ser usada como desculpa para aumentar a distância entre as gerações. A família presente na educação das crianças do futuro deve ser participativa em todos os aspectos da existência e a internet ocupa cada vez mais um espaço importante no convívio humano."

A psicóloga observa que as crianças precisam da supervisão constante dos pais porque não têm maturidade emocional para avaliar as conseqüências da sua navegação. "Elas podem ser facilmente manipuladas pela sensação de familiaridade ilusória que o universo virtual possibilita", afirma. E exemplifica: "A internet não criou a pedofilia, mas sem dúvida abriu um espaço facilitador para a sua manifestação. Por isso, é importante que os pais percebam as diferenças entre os tipos de uso que os filhos fazem da ferramenta. Uma coisa é trocar mensagens com os amiguinhos pelo MSN. Outra é navegar em chats de estranhos ou que contenham material pornográfico."

Gabriel tem apenas 3 meses, mas seu primeiro ultra-som já estava on-line antes mesmo de nascer. A tradutora Rosita Belinky e o engenheiro Tom Gridi Papp, de São Paulo, de 35 e 37 anos, inauguraram a primeira página do blog do filho quando ele completou dois meses na barriga da mãe. O tradicional diário do bebê, hoje convertido em blog, continua sendo diariamente atualizado pelo casal, que se conheceu praticando alpinismo. O bebê já é um representante da geração dos "internet boomers" e o seu blog pode algum dia servir para documentar a fase de maior compartilhamento que já existiu na história da humanidade.
"As crianças que nasceram com o mouse na mão têm uma perspectiva de futuro interessante", acredita o consultor Gil Giardelli, especializado em comunicação de massa e internet pelo King's College de Londres e vice-presidente da Andrenax, que reúne oito empresas de tecnologia da informação. "A era da informação passou e deu lugar à era da participação. E quem estava antes na platéia se tornou protagonista do mundo.com."

Um exemplo dessa nova realidade pode ser observado na troca das brincadeiras de carrinhos por jogos eletrônicos de corrida e na substituição das bonecas por personagens digitais criados em sites infantis inspirados no modelo do Second Life. Nesse site em três dimensões, que acaba de chegar ao Brasil, os usuários se tornam residentes e "reencarnam" on-line nos personagens chamados de avatares. Giardelli chama a atenção para o site ClubPenguin.com, que já reúne 3 milhões de crianças de 3 a 8 anos interagindo através dos personagens digitais mirins, os diferentes tipos de pingüins. Já há gente dizendo que o pingüim eletrônico concorre ao posto de babá do futuro.

"O lado positivo é que essas crianças podem trocar experiências com outras de diversos lugares do mundo. O jogo funciona como uma preparação para os futuros cidadãos do mundo. Ajuda as crianças urbanas a deixar de ser metropolitanas para se tornarem cosmopolitanas", diz Giardelli.

Evidentemente, a revolução tecnológica também traz preocupações. O brasileiro tornou-se a população dominante no site de relacionamentos Orkut, a mania nacional, ultrapassou o americano em horas de uso do MSN e lidera algumas categorias de games. Na opinião da pediatra Maria Theresa Abs Cruz, assessora da coordenação do programa de Atenção Básica da Secretaria de Saúde do Rio, não é o computador, mas a falta de limites diante dele, o maior vilão das crianças urbanas. "Uma vez que o computador se tornou uma diversão unânime, os pais agora têm que estabelecer com clareza o tempo de uso", orienta. "Muitos estudos demonstram que as atividades com o computador estimulam o desenvolvimento da inteligência, mas não devem substituir os exercícios físicos." De fato, crianças fascinadas pelo computador correm o risco de se tornar mais sedentárias se os pais não estabelecerem limites.

"Criança nenhuma pode passar um único dia sem se movimentar e gastar energia", sintetiza o pediatra Luiz Cláudio Castro, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM/DF), fundada nos anos 1960, quando a desnutrição era o principal risco de saúde no país. Hoje, apenas 6% da população sofrem de desnutrição. Em compensação, 40% estão acima do peso. Desse grupo, 15% são crianças de maior poder aquisitivo.

"A guerra contra a desnutrição está sendo vencida. Em contrapartida, ficou mais difícil combater o excesso de peso", acrescenta Castro. Já se sabe que a incidência de sobrepeso é maior no Sul e Sudeste e entre pessoas de maior poder aquisitivo. A obesidade infantil aumentou 240% em duas décadas.

O sedentarismo infantil é favorecido pela redução da atividade física provocada pelo excesso de tempo passado diante de computador, TV e videogame. E o sedentarismo leva à obesidade. "Por causa da falta de segurança nas ruas e do comodismo dos pais, prefere-se deixar a criança quietinha na frente do computador", diz Castro. E conclui: "O computador não é um mal em si. Mas o tempo máximo tolerado em frente a todos os aparelhos eletrônicos juntos, incluindo a televisão e o videogame, em geral não deve exceder duas horas".

Marcos Antônio Monte, pediatra da Santa Casa de São Paulo, pondera que, se o tempo de uso for bem dosado, o computador mais ajuda do que atrapalha o desenvolvimento das crianças. É verdade que ele atende no seu consultório algumas crianças que praticamente transferiram a vida para dentro do computador. São, em geral, ansiosas e com dificuldades de relacionamento. Mas tão prejudicial quanto o uso excessivo do computador é, na sua opinião, a criança ter uma "agenda de executivo" e ficar sem tempo para brincar do que bem entender.

Valorizar e aumentar a qualidade do tempo de convivência com o filho pequeno parece ser outra preocupação dos novos pais. Com o apoio do marido, Aline Pasqua planeja só retornar às atividades profissionais depois que a filha completar 2 anos, se não engravidar de novo. A economista Adriana Mauro fez o mesmo e não se arrepende de só ter retomado o trabalho quando Lucas completou 2 anos. "Esperei tanto tempo para conseguir engravidar que decidi curtir um pouco mais o meu filho", conta. Aline tem outra explicação para continuar em casa. "O vínculo com os filhos nessa etapa de desenvolvimento é fundamental. Tenho muita pena da maioria das mães, que retornam ao trabalho depois dos quatro meses de licença-maternidade. Acho tão injusto quanto desumano."

A transmissão dos cuidados com o meio ambiente é outra preocupação manifestada na educação das crianças. O blog de Gabriel Papp conta que ele ganhou de presente um ipê plantado num vasinho no dia em que nasceu. O bebê filho de alpinistas mora numa casa com sistema de aquecimento solar e crescerá com referência ambientais positivas naturalmente incorporadas ao seu cotidiano.


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