segunda-feira, 18 de junho de 2007

Algumas questões sobre o voluntariado empresarial

Paulo Haus Martins
Tema do mês de junho da área de Legislação da
Rits

Para minha amiga Laure:"Viver é muito perigoso"*

Introdução - de que trata este texto: seria a lei uma armadilha?

Começo este texto com uma pergunta. Pergunte-se o leitor se está realmente certo de que segue rigorosamente as leis do nosso país. Tem certeza?

Fazer o bem ao próximo, por exemplo, não é obrigatório. Você, leitor, pode não fazer nada nesse sentido, pode até ter vida absolutamente ociosa e não fazer qualquer ação de solidariedade social. Em nosso país, não há o que impeça alguém de viver de rendimentos de herança e até infernizar a vida de seus vizinhos com debates descabidos nas reuniões de condomínio. Enfim, é certo: você tem o direito de ser chato e egoísta, mas também tem o direito de não sê-lo.

Todavia, se é verdade que você estaria agindo dentro da lei ao viver de rendimentos, será que, ao deixar de fazer uma ação solidária, você tem certeza, leitor, de que continuará nas sendas da lei?

Se minha pergunta lhe parece sem sentido, veja, por exemplo, o caso do restaurante que resolveu doar alguns insumos, alimentos. Tratava-se de insumos perecíveis que, quando não utilizados, seriam provavelmente jogados fora, no lixo. Não eram restos de comida dos pratos dos clientes, mas, por exemplo, o legume descascado e não utilizado, a conserva aberta, o estrogonofe que não foi consumido porque ninguém pediu.

A doação seria feita para um grupo de pessoas que promovia caridade utilizando os insumos para oferecer refeições à população de rua. Alguns empregados do restaurante participavam desse grupo. Logo, a única coisa que tinham de fazer era levar os alimentos, ao final do dia, para esse grupo, em vez de jogá-los no lixo.

Entusiasmado com a idéia, um funcionário se ofereceu para levar os alimentos no próprio carro. Era como uma corrente "do bem". Nada mais honroso do que fazer o bem, certo? Honroso, certamente, mas, nesse caso, paradoxalmente arriscado.

A operação que descrevi acima termina como num conto kafkiano. Tudo parecia muito simples, mas os detalhes dessa história, conjugados, faziam com que incidissem dois impostos - dois impostos inexistentes se a empresa simplesmente jogasse os insumos no lixo! Deixar de emitir notas fiscais de transporte, de obter recibos de instituições imunes (ou isentas) e de, portanto, declarar e recolher esses impostos fez com que a empresa também recaísse em dois tipos de delitos tributários que, juntos, aumentavam diametralmente as multas. Sim, multas!

Imagine o enorme constrangimento dos donos do restaurante. Resolveram não jogar os insumos no lixo e, por isso, estavam sendo ameaçados de multa - e a multa era da fiscalização tributária!
Tiveram sorte de não se verem enrodilhados em vistorias da Vigilância Sanitária quando os insumos fossem transformados em refeições e até hoje não têm certeza se deveriam ou não pagar horas extras ao funcionário que levou a mercadoria após o expediente.

O leitor identifica o caso? Será que já não viveu situação similar?

A lei, por vezes, parece ser uma armadilha, parece nos causar insegurança. Quando isso acontece, ocorre um paradoxo, porque, uma coisa é certa, consensual no mundo jurídico: o direito serve para dar segurança jurídica às pessoas. Como, então, a lei poderia causar insegurança?

Não quero espalhar essa insegurança, leitor. Ao contrário. Aprendi e acredito que o bom advogado preocupa-se em dar orientações simples que consigam conceder segurança às atividades a quem o ouve (ou lê). Tudo o que é "imoral" é também ilegal, mas nem tudo que é "moral" tem a garantia da lei. A sina dos advogados que atuam com projetos sociais é tentar fazer com que o que é correto no mundo moral não seja uma armadilha no mundo das leis. Infelizmente, por vezes isso é impossível, assim como é impossível viver sem riscos. Que nós, ao menos, tenhamos o compromisso de diminuí-los e assumir aqueles que aceitamos, de olhos abertos.

Convém, portanto, que saibamos dos riscos jurídicos de nossas atividades e, para tanto, convém que busquemos um advogado que saiba responder às nossas dúvidas.

Não se deve perder tempo em fazer "qualquer pergunta". Para aprender é necessário saber fazer a pergunta certa.

Dizem que nos Estados Unidos tem homem que não entra em elevador sozinho com uma só mulher. Esse pavor é como uma doença social, cultural, que deve ser evitada para que se tenha uma sociedade com o mínimo senso de justiça e segurança. Não se deve procurar um advogado por qualquer coisa, por qualquer dúvida, especialmente porque no Brasil não temos o mesmos receios dos norte-americanos.

Contudo alguns questionamentos são clássicos, algumas inconsistências são tradicionais. Imagine, por exemplo, aquele que contrata pessoas por via de cooperativas. Digamos que seja uma pessoa muito responsável, embora não seja advogado, e que, somente o faz após averiguar que, na lei, na CLT, expressamente, consta o seguinte:
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego.Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.

Qual não poderá ser sua surpresa ao final de um processo trabalhista quando notar que o caput do parágrafo estava querendo dizer que não interessa o que constar no papel, o contrato deve corresponder a uma realidade. Ou seja, se na realidade for contrato de trabalho, será; se for de cooperativado, será outra coisa. Ouvirá isso no momento em que o juiz lhe aplicar o artigo 9º da CLT.

Pois bem: sabedora desse tipo de questionamento, já tarimbada quanto ao comportamento reticente de empresas em implementar planos de voluntariado empresarial, uma amiga que trabalha no Rio Voluntário pediu-me um texto que falasse sobre certos questionamentos. São questionamentos do tipo "armadilha" da lei. São poucos, vamos a eles.

As perguntas

As perguntas encaminhadas vieram de dúvidas suscitadas na prática de programas de voluntariado empresarial.

Cogitemos um projeto de investimento social privado da empresa. Digamos que uma empresa crie um projeto, talvez dentro das suas próprias dependências, e que convide seus funcionários para atuarem como voluntários fora do horário de expediente. Nesse caso, quais seriam as implicações legais? Haveria desvio de função? Quais seriam as possíveis reivindicações de horas extras no futuro, no caso de algum litígio? Além disto, o termo de adesão ao serviço voluntário, ele não pode ser assinado com a empresa. Logo como fica uma situação desse trabalho voluntário para esse projeto? A empresa não pode incentivar que seus funcionários sejam voluntários em projetos sociais em que ela investe?

Incentivar a ação voluntária dentro ou fora do horário de expediente, por si só, já suscita debates, mas quando entra em discussão duvidas sobre responsabilidade civil sobre as pessoas que estarão realizando a ação, a situação se complica. Afinal a instituição social que recebe o voluntário é responsável pela integridade do funcionário ou será responsável a empresa? Quem é responsável por quem? E como a empresa pode se precaver de possíveis problemas com esta questão?

Em seu ponto de vista, juridicamente, qual seria o papel que a empresa poderia assumir? Qual lhe garantiria menor vulnerabilidade considerando as duas perguntas acima?

A partir do próximo texto, passaremos a responder às perguntas acima.

*de Guimarães Rosa em 'Grande Sertão Veredas'.


4 comentários:

Anônimo disse...

Querida Cláudia, vou acompanhar com muito interesse as respostas.
Mas queria destacar essa frase de seu texto: "Tudo o que é "imoral" é também ilegal".
Será? a gente está vendo tantas coisas nesse nosso país que mostram o contrário ... a Lei está em crise. O que é legal e o que não é ilegal depende para quem ela se aplica. E o que é moral? A Moral também está em crise. Depende de grupos, de ideologias, ...
A Lei do Universo, essa, nunca está em crise e é por ela que nos guiamos quando assumimos nossas responsabilidades e agimos para o bem do outro. Quem não age assim, não sabe o que perde, ;)

Cláudia Amaral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cláudia Amaral disse...

Como vc tem razão, Cathy! ...Mas o texto é do Paulo, não meu! Se eu fosse falar de leis... Deixa prá lá!
Hoje vi uma entrevista com o presidente da OAB, falando da quantidade de leis absurdas que temos (sabia que se vc atropelar alguém e declarar que fez isso com intenção a pena é a metade da que vc teria se dissesse que não tinha inteção? Ai, ai...). Numa única tacada, a Assembléia de São Paulo eliminou mais de 3.500 leis absurdas.
Em tempo: será que a gente ainda deve escrever Assembléia com maiúscula? Bem, a esperança é a última que morre...

Anônimo disse...

ôpa, desculpe a falta de atenção...foi a emoção do desalento...



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