domingo, 17 de junho de 2007

Os códigos do consumidor



Clotaire Rapaille, autor de "O Código Cultural": "O que existe no Brasil é otimismo, algo que esse país tem em comum com os EUA, dono de uma cultura otimista e positiva

Foto de divulgação

Por Jacílio Saraiva, para o Valor
Publicado pelo Valor Online em 15/06/07

Quando o antropólogo francês Clotaire Rapaille mostrou a um grupo de índios brasileiros a foto de um astronauta na Lua, nenhum deles se importou como aquele homem conseguiu chegar lá - todos só queriam saber de que tribo ele era. O fato, que coroou a primeira visita de Rapaille ao Brasil, no fim da década de 1960, durante uma viagem de estudos com o sertanista Orlando Villas-Bôas, pode ter mudado a sua vida. Anos depois, esse parisiense, também psicanalista, ex-professor da Universidade de Sorbonne e especialista em marketing, decidiu estudar os códigos culturais de diferentes povos. Segundo a sua teoria, os códigos representam o significado inconsciente que aplicamos a qualquer coisa - um carro, um país, uma bebida, uma roupa - de acordo com a cultura em que vivemos.

O que fez Rapaille famoso no mundo inteiro foi como ele usou o estudo dos códigos de alguns produtos para ajudar grandes empresas a ganhar dinheiro. Hoje, mais da metade das corporações Fortune 100 mantêm um contrato com a sua consultoria, a Archetype Discoveries Worldwide, sediada em Nova York. A linha de pensamento de Rapaillge empurrou, por exemplo, a venda de carros da Chrysler nos EUA e permitiu à Nestlé levar o café para os lares japoneses - onde só se tomava chá.

Para garimpar os códigos, o especialista faz uma série de entrevistas com consumidores, chamadas de "sessões de descoberta", um método já patenteado por ele. A idéia é conduzir os participantes a relatar as impressões mais marcantes sobre um determinado produto ou sentimento, principalmente quando ocorridas na infância. Com essas informações na mão, ele sustenta que é capaz de avaliar, por exemplo, se o lançamento de um produto fará ou não sucesso em um determinado nicho de mercado.

Autor de mais de dez livros e do recente "O Código Cultural - Por Que Somos tão Diferentes na Forma de Viver, Comprar e Amar" (Ed.Campus/Elsevier, 240 págs., R$ 53), já traduzido em dez línguas e com três continuações confirmadas, Rapaille esteve no Brasil para o 23º Congresso de Gestão e Feira Internacional de Negócios em Supermercados, realizado em São Paulo. Na ocasião, deu dicas de como se relacionar com clientes e fornecedores de outros países. Em seguida, encontrou seus sócios brasileiros - ele acaba de abrir um braço local da sua consultoria e já fechou um contrato - e falou ao Valor sobre as diferenças de fazer negócios no Brasil, nos EUA e na China, a partir dos códigos.

Valor: O que são os códigos culturais e como eles podem ajudar as empresas a ter mais lucro?
Clotaire Rapaille : Todos adquirimos um sistema de referências à medida que crescemos em determinada cultura. São esses códigos que nos fazem franceses, americanos ou brasileiros. Entender esses códigos pode ser a chave para descobrir como o inconsciente afeta a vida pessoal, nossas decisões e a forma de agir como cidadãos. Para as empresas, há um ganho muito maior de liberdade quando se entende a motivação do comportamento dos consumidores.

Valor: Como o código influencia o consumo?
Rapaille: A maneira que um americano compra uma garrafa de vinho é diferente da usada por um francês - eles têm uma relação completamente diversa com a bebida e são motivados por desejos diferentes. O americano tem mente mais simples. O francês lê o rótulo inteiro, quer saber qual a uva usada, a maneira como o vinho foi engarrafado. O americano não se importa com isso. O código francês para o vinho é "arte". O código americano para a mesma bebida é "simplicidade". Quando um francês compra um queijo, também leva vinho e pães para combinar diferentes gostos à mesa. O americano prefere comprar um bom e grande pedaço de queijo, para comer com Coca-Cola ou café. Não tem intimidade com o paladar, prefere ser eficiente e rápido ao montar um prato.

Valor: O sr. diz que é a emoção que cria as impressões mais profundas no ser humano. Essas impressões mudam de um país para outro?
Rapaille: Os americanos tiveram dias difíceis no Japão. Poucas companhias americanas deram certo lá porque queriam operar no Oriente como se estivessem nos EUA. Os americanos não entendiam o código japonês. Mas os japoneses fizeram o caminho inverso e obtiveram melhores resultados. Foram morar na América para compreender os americanos. Foi o que aconteceu com a Toyota. Ela começou a construir fábricas na América e a produzir os carros conforme o gosto ianque. É essencial compreender a cultura de um país para tentar conquistá-lo comercialmente.

Valor: Muita gente quer dominar mercados como a China. Já descobriu o código chinês?
Rapaille : Muitas empresas vão perder dinheiro se estabelecerem operações na China sem entender o código chinês. Uma das impressões mais fortes entre os chineses é que eles acreditam que o país foi roubado durante as guerras. Agora, querem copiar tudo o que vem de fora, como uma forma de recuperar o que lhes foi tomado. Eles copiaram um modelo da BMW e fizeram um carro muito parecido e bem mais barato. Por isso, não sei se é um bom negócio abrir uma fábrica na China. Um dia, eles poderão dizer: "Vá embora, não precisamos mais de você, já fazemos tudo muito melhor." Eu não investiria lá. Ou melhor, diria para investir a curtíssimo prazo, algo em torno de três meses.

Valor: O sr. já encontrou o código do Brasil?
Rapaille : Ainda não o terminamos e não queremos ir muito rápido. Mas os elementos do código brasileiro são interessantes. Um deles é a integração, a união de pessoas de várias raças que cria uma identidade comum. Em São Paulo, vi pessoas de diferentes cores e origens com orgulho de ser brasileiras. Não estou certo se há esse mesmo sentimento com os argentinos, por exemplo. Acho que eles não sabem o que é ser argentino. Cultivam um passado de riqueza, gastam dinheiro para parecer elegantes e torram muitos pesos com psicanálise - têm uma das melhores escolas de psicanálise do mundo. Acho que há mais psicanalistas na Argentina do que grupos de samba no Brasil! Ao mesmo tempo, apesar do avanço da psicanálise local, eles têm dificuldade de saber quem são: falam como espanhóis e se vestem como europeus.

Valor: Não acha que isso é só um estereótipo?
Rapaille: Pode ser, assim como há um clichê que reduz o brasileiro a alegre. Para mim, o que existe no Brasil é otimismo, algo que esse país tem em comum com os EUA, dono de uma cultura otimista e positiva. Lá, eles cometem um erro e falam: "Ok, erramos, mas vamos consertar." O show sempre deve continuar.

Valor: O sr. é francês e vive em Nova York...
Rapaille: Os franceses são muito pessimistas, estão sempre criticando eles mesmos e o resto do mundo. E não vêem luz no fim do túnel.

Valor: O sr. já tem o código nova-iorquino?
Rapaille: Ainda não. Em setembro, vou quebrar o código da Índia e no próximo ano, o de Dubai. Mas é importante que se diga que Nova York não é os EUA. O americano tem até medo da cidade. Conheço americanos que moram em outras capitais e não têm vontade de pisar na Times Square. Amo Nova York, é a capital do mundo. Você pode passar dias falando português, espanhol ou chinês. Há pessoas de todo o planeta que vão morar lá e dão o melhor de si. Até os franceses mudam quando chegam à cidade: ficam incrivelmente amistosos e educados. Os franceses que moram na França são rudes e arrogantes na maior parte do tempo. Sei disso porque nasci e vivi lá. Já Nova York transforma as pessoas. Há uma fantástica solidariedade, evidenciada no 11 de Setembro, quando todos se uniram para ajudar todo mundo. Eu não moraria em outro local.

Valor: Qual é a diferença entre fazer negócios no Brasil e nos Estados Unidos?
Rapaille: A cultura de negócios americana é baseada no "deal" [trato]. Eles costumam falar: "Let's make a deal" [vamos fazer um trato]. E você constrói um tipo de relacionamento enquanto ele é bom para as duas partes. Quando o negócio acaba, a relação também termina, até uma próxima aliança. Nos Estados Unidos, as pessoas também estão sempre trocando de emprego e isso dificulta manter uma relação mais longa com alguém, mesmo que seja só profissional. Às vezes você consegue: trabalhei vários anos e quebrei 45 códigos para a Procter & Gamble. No Brasil é diferente. A primeira vez que estive aqui, nos anos 1960, fiz algumas amizades e, agora, quando voltei, telefonei para um amigo no Rio e nos falamos como se mais de 40 anos não tivessem nos separado. A relação que temos com nosso primeiro cliente aqui, a Casa &Vídeo [rede varejista com lojas no Rio e Espírito Santo], é como se fôssemos consultores familiares. O dono da empresa vai à minha casa, gostamos um do outro e, por isso, vamos trabalhar juntos. É o jeito brasileiro de fazer negócios.


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