quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Peneirando os escombros

No contexto internacional, doadores de todo tipo apertam o cinto, enquanto os recursos para as fundações começam a minguar e os governos ficam de olho nos centavos gastos. É a crise econômica que certamente afetou o setor social e, à primeira vista, parece trazer efeitos desastrosos.

No entanto, qual será o impacto dessa “retração econômica” ou o “desastre” em diferentes partes do mundo? E o cenário, se vê completamente sombrio? Alguns dos membros do conselho editorial da revista inglesa Alliance apresentam seus prognósticos.

“O que podemos aprender desta crise para prevenir a recorrência dela? Qual é o papel da filantropia e da sociedade civil no controle de excessos do nosso sistema econômico? Olhando para trás, será que a filantropia nos garantirá uma análise forense imparcial do que aconteceu e que o processo “verdade e reconciliação” permita às vítimas julgarem os responsáveis?

Olhando para frente, poderíamos imaginar novos modelos de controle onde a sociedade civil tenha um papel mais importante? Será que a filantropia pode nos ajudar a garantir um sistema preventivo quando os investidores comecem uma nova indulgência que, como a história mostra, certamente acontecerá?”.
David Bonbright, Keystone, Grã-Bretanha

“Eu não posso imaginar qual será o impacto da crise nas fundações em geral, mas posso dar-lhes um exemplo. Em nosso caso (um modesto doador), não pretendo propor ao conselho mudanças nos planos de despesas. A diretoria do nosso comitê de investimento me informou que o patrimônio investido, muito conservadoramente, ainda não foi afetado.

No entanto, gostaria de mencionar dois fatores a serem acompanhados em nossa região. O crescimento da filantropia privada e a formação de novas fundações privadas serão mais lentas. As fundações comunitárias serão as primeiras a sentir o impacto. Por outro lado, a filantropia corporativa poderá receber um forte impulso para reafirmar sua imagem pública e responsabilidades.

Em nossa região, por exemplo, os bancos estão entre os líderes da filantropia corporativa. Uma mensagem: vocês têm feito coisas erradas e agora pensem em fazer algo bom”.
Rayna Gavrilova Trust for Civil Society na Europa Central e do Leste

“Sem dúvida nenhuma teremos que olhar cuidadosamente os fundos “novos” e os intermediários que têm se apoiado nos fundos hedge e nos outros instrumentos que agora estão sob pressão para ver se foram atingidos fortemente ou não. No entanto, esses fundos são minimizados pelos ativos da fundação que estarão, pode-se assumir, razoavelmente bem protegidos. Suspeito que o impacto mais significativo pelos próximos anos poderia ser na área de mudanças de prioridades e dos financiamentos dos maiores doadores.

Se considerarmos o impacto social e econômico da crise financeira nas comunidades menos abastadas dos EUA e Europa em especial, poderia ser difícil para as fundações resistirem comprometendo-se a curto ou longo prazo em tomar outros programas ou expandir os já em funcionamento. Por outro lado isto poderia afetar o financiamento para assuntos mais “marginalizados”: doações internacionais, justiça ambiental etc. Em adição a este cenário considere também o provável declínio das doações individuais, das corporativas e de uma parte significativa da sociedade civil que poderá sofrer severas crises de financiamento.
Andrew Kingman Micaia, Moçambique.

“A filantropia é a criança do capitalismo. Coloque-se no lugar de uma criança que neste momento seu pai sofreu um ataque do coração e não pode trabalhar. O que ela faz? Ela urge para que ele mude sua forma de vida: cortar o excesso de dieta, fazer suaves caminhadas pelo bosque, desfrutar da beleza do planeta e, sobretudo, procurar um novo significado de vida. Ela o apóia na sua nova vida e o critica se tentar retroceder”.
Barry Knights, CENTRIS, Grã-Bretanha.

“O presente e o futuro imediato, sem exagerar, se veem muito ruins. Porém, tenho conversado com instituições financeiras e líderes empresariais, na maioria do Oriente Médio, para identificar alguma tendência positiva. Na região árabe, alguns comentam que a responsabilidade social corporativa terá maior significância. Tendo ainda a vantagem dos excedentes do petróleo, muitas empresas aumentarão significativamente os esforços para identificar mais oportunidades aqui levadas pelas fatias de lucros realizados nesta região.

Eles, portanto, estarão mais propensos agora do que no passado para encaminhar esses lucros para a filantropia na Região Árabe e para as causas populares do público em geral tais como educação, trabalho para jovens e a Palestina”.
Atallah Kuttab Fundações Árabes e Associações de Beneficência.“No final de setembro, enquanto se desvelava a crise financeira global, eu estava visitando as organizações de comunidades de base de Malawi, fundadas pela minha fundação. Vocês poderão imaginar: uma fundação do Norte instruindo com muitos esforços, gerenciamento criterioso uma organização muito bem administrada de diminuta vila, enquanto pessoas e instituições eram acusadas de gerenciar negligentemente tremendas somas de dinheiro com conseqüências desastrosas.

Se houve alguma oportunidade para virar a mesa em nossas discussões sobre responsabilização e exigir das nossas fontes de financiamento a mesma transparência, boa fé e resultados confiáveis que exigimos de nossos parceiros doadores, esse era o momento.

Para essas mesmas fundações, eu lhes lembraria que, na crise presente, a contribuição mais útil é a combinação de duas forças: ter visão de longo prazo e ter flexibilidade no curto prazo. Vejamos estes dois pontos com muito esmero para complementar as iniciativas dos governos que estão compreensivelmente focadas no curtíssimo prazo, mas que também podem demorar a serem implementadas.
Peter Laugharn, Fundação Firelight, Estados Unidos.

“No Quênia (e a situação de nossos vizinhos é a mesma) estamos passando por momentos difíceis. Já temos evidência de redução de fundos e de incertezas de nossas fontes de doações tradicionais. Nas recentes reuniões do conselho, têm ocorrido sérias discussões sobre a possibilidade de apertar certas área para alcançar os mesmos resultados.

Também existe uma redução de remessas do Norte, que um gerente de banco calculou em 30%, por enquanto. Isto tem consequências profundas porque as remessas têm sido as maiores fontes de sobrevivência para muitos no Sul Global. A inflação também tem aumentado nos últimos meses e obviamente aqueles que estão à margem são os mais penalizados.

Algum ponto positivo? Algumas vias da nova filantropia poderão se abrir. Talvez não sejam muito grandes em termos financeiros reais, porém deixam espaço para crescer no futuro. Vejo oportunidades para fazer cortes do lixo desenvolvimentista: dinheiro doado por estrangeiros que simplesmente querem exaurir seus orçamentos sem levar em consideração os efeitos de suas ações. Uma energia muito positiva está sendo gerada, o que nos leva a pensar sobre as oportunidades que precisamos “conhecer” que têm permanecido latentes; isto é; junto com o aprendizado de novas estratégias que, por enquanto, são desafiadoras.
Janet Mawaiyoo, Fundação de Desenvolvimento Comunitário, Quênia.

“Do ponto de vista da perspectiva de filantropia corporativa, penso que veremos programações e orçamentos operacionais notavelmente afetados visto que muitas corporações estão em crise e, em alguns casos, tentando sobreviver. Ouço muitas discussões sobre colaboração entre corporações com áreas comuns de interesse e foco. Acredito que isto é realmente positivo (nos bons tempos e nos ruins também).

Nós sempre esperamos que os nossos doadores colaborem, mas nós mesmos não fazemos o suficiente para isso. Seria muito interessante ver se estes tempos difíceis gerarão criatividade e vontade de trabalhar em conjunto para somar os recursos. Na American Express, temos procurado maneiras de nos associarmos com nossos sócios de negócios e de comércio e administramos uma ou duas modestas iniciativas nos EUA e também estamos explorando novas oportunidades na Europa. Espero fazer mais no próximo ano”.
Georgie Shields. Anteriormente com American Express, Estados Unidos.

“É evidente que a crise financeira terá um impacto profundo no setor sem fins lucrativos e na filantropia da América Latina: maiores riscos para os investimentos em doações, capacidade restringida das ONG para levantar fundos, movimentos mais conservadores na filantropia corporativa etc.

Mas o que mais me preocupa é o impacto político e social que terá esta crise. Como de costume, o tsunami financeiro deixará os pobres em piores condições e os governos com menos capacidade para construir uma governança democrática autônoma dos centros financeiros. O setor de sem fins lucrativos terá que criar redes de segurança para os excluídos. Já vimos este filme muitas vezes em diversas escalas! O que temos aprendido? Como podemos preparar-nos melhor para o que está vindo?
Andrés Thompson Fundação Kellogs, América Latina.

“Preocupam-me duas áreas de impacto em potencial. Em primeiro lugar, o temor de que o quadro futuro faça com que as pessoas se afastem das comunidades procurando “outros culpados”, polarizando-os e tornando-os destrutivos para a sociedade civil. Certamente que a história pode mostrar muitos exemplos deste tipo de embaraço. Podemos encontrar também exemplos onde a incerteza mostra o melhor das pessoas. Será que já aprendemos algo sobre como cultivar a segunda opção e evitar a primeira?

Em segundo lugar, enquanto os impulsos filantrópicos individuais continuam, o que acontecerá com o “negócio de doar”, visto a escalada de incertezas deste momento? Suposições sobre transferências de riqueza em grande escala terão que ser reexaminadas, assim como também sofrerão um realinhamento radical os planos de aposentadoria, seguro saúde e segurança financeira familiar. Também não sabemos como ficarão os mercados de doações, os empreendimentos sociais, o investimento social e outras inovações que surgiram nos bons tempos e que com o declínio curto ou prolongado, essas mudanças reverberaram em práticas de maior longevidade”.
Lucy Bernholz, da Blueprint Research & Design, Estados Unidos.


redeGIFE Online, 05/01/09


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