terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O Alerta de Bradbury

A internet, frustrando previsões alarmistas do início do século, ao invés de reprimir está contribuindo para o crescimento da comunicação gráfica. Exemplo cabal disso é a venda de livros no País, favorecida pelo comércio eletrônico, que supre a ausência de livrarias em numerosos pontos do imenso território nacional. Entre 2000 e 2007, o número de leitores com idade superior a 15 anos evoluiu de 26 milhões para 66,5 milhões, revela o estudo Retratos da Leitura do Brasil, do Instituto Pró-Livro.

São mais de 40 milhões de novos leitores, contribuindo para reverter o incômodo estigma de que o brasileiro não lê. Ainda estamos com baixo índice de leitura per capita, mas avançamos muito em números absolutos, assumindo o oitavo lugar no ranking mundial da produção de livros. Esta evolução é essencial ante a meta de uma sociedade mais preparada, culta e capaz de conduzir melhor seus destinos rumo ao desenvolvimento. Afinal, o livro, assim como jornais, revistas, manuais, apostilas, cadernos e outros impressos, educa, instrui, democratiza oportunidades e ajuda a formar cidadãos mais aptos aos novos desafios da humanidade.

Num horizonte de médio prazo, contudo, paira ameaça, ainda surda e velada, sobre os livros e todos os demais produtos da comunicação gráfica: a eventual falta de papel de imprimir. Há quem diga que esse insumo poderá até mesmo deixar de ser fabricado no Brasil. Visão sombria de um futuro próximo, assustador quanto à dificuldade de produção e acesso às mídias impressas. Algo análogo a Fahrenheit 451 (1953), esta maravilhosa obra do escritor norte-americano Ray Bradbury, transformada em filme por François Truffaut, em 1966. Na ficção, como se sabe, as leis de um Estado opressor determinavam a queima dos livros, cujo conteúdo, obviamente, significava a única oportunidade de consciência e reação da sociedade.

De volta à realidade dos mercados gráfico, papeleiro e livreiro, talvez nem seja preciso o recurso da incineração para privar dos livros a civilização do Século XXI. Vejamos o caso do Brasil, onde houve sensível concentração no processo de consolidação da indústria de papel e celulose. Caminha-se, no País, para uma situação em que haverá apenas duas fornecedoras de papel de imprimir, com maior ênfase à produção de celulose, aparentemente mais rentável.

O Alerta de Bradbury
O Relatório Estatístico 2007/2008 da Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel) confirma uma tendência preocupante. O documento mostra a evolução, qualidade e o dinamismo atual da indústria brasileira do setor. “O País definitivamente conquistou reconhecimento como um dos maiores players mundiais e atingiu a sexta posição no ranking dos maiores produtores globais de celulose, ultrapassando o Japão e se aproximando do patamar dos grandes produtores europeus – Suécia e Finlândia. Foram 12 milhões de toneladas de celulose e nove milhões de toneladas de papel, crescimento de 7,3% e 3,2%, respectivamente, em relação ao montante produzido em 2006”.

Como se observa nessa estatística, o aumento da produção de celulose foi mais do que o dobro em relação ao papel. Em outro trecho, o estudo da Bracelpa confirma: “A meta da indústria brasileira é atingir, em cinco anos, posição de liderança no ranking mundial de produção de celulose”. Que se alcance o objetivo, pois será importante para o País; mas, e quanto ao papel de imprimir? A pergunta é plenamente justificada, pois seria dramática para a indústria gráfica, em especial os segmentos de livros, cadernos, periódicos e impressos comerciais, uma quebra no fornecimento de papel fabricado no Brasil. Seria necessário recorrer em grande escala à importação, com sérios reflexos no preço final dos impressos. Para atenuar essa majoração, que acabaria sendo paga pelo consumidor, desestimulando-se, por exemplo, o hábito de leitura, não restaria outra alternativa senão reivindicar taxa zero para a compra de papel de imprimir no Exterior.

A despeito dos números e dos rumores do mercado, contudo, há uma premissa na qual devemos confiar: indústrias de elevado padrão e sempre zelosas no exercício da responsabilidade social, como as que compõem o setor brasileiro de papel e celulose, certamente têm plena consciência de sua missão no contexto da cadeia produtiva da comunicação gráfica. Assim, espera-se, cuidarão de garantir o abastecimento do precioso insumo do papel, sem o qual nossa sociedade iria aproximar-se muito daqueles tristes, desinformados e cabisbaixos cidadãos descritos na livro de Ray Bradbury.


Fabio Arruda Mortara,
M.A., MSc., empresário, é presidente da Regional São Paulo da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).
HSM On-line, 01/12/08


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