domingo, 9 de novembro de 2008

A crise e a sustentabilidade

Na semana passada, uma pergunta comum freqüentou as mesas de debate e os bastidores de três importantes eventos voltados para a sustentabilidade nos negócios: até que ponto a atual crise econômica mundial prejudicará a expansão do conceito de desenvolvimento sustentável nas empresas?

Entre os especialistas, prevaleceu a opinião de que os estragos provocados pela subprime norte-americana, e por conseqüência, o quadro de restrição ao crédito, quebra de bancos, oscilações nas bolsas de valores, disparada do dólar, intervenção de governos e recessão declarada poderão interromper a escalada ascendente do tema na gestão dos negócios.

Difícil prever o que acontecerá nos próximos dez meses. Até mesmo os analistas mais experientes, zelosos de sua reputação e currículo, preferem o conforto das reticências. O fato é que toda crise – esta em especial pela magnitude e alcance – recomendam, como primeira reação, um pé no freio. Investimentos são repensados, lançamentos adiados e projetos de expansão revistos, à luz dos humores voláteis da economia internacional. Naturalmente, o foco tende a recair sobre a gestão mais cuidadosa e conservadora de recursos financeiros. A noção de risco, ou de proteção de ativos, se sobrepõe momentaneamente à de oportunidade.

No curto prazo, portanto, até que as tensões se acomodem, não será surpresa se as empresas suspenderem, por exemplo, novos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços verdes, em mudanças mais radicais de processos e tecnologias ou no lançamento de novas iniciativas ambientais sob a justificável alegação de que o momento exige cautela. As que têm processos de adoção de tecnologias mais limpas ou de substituição de matriz energética deverão seguir adiante, embora em marcha mais lenta. As menos convictas, que adiavam tomadas de decisão sustentáveis, como, por exemplo, a introdução de produtos ambientalmente responsáveis no mercado, vão esperar a poeira baixar, até porque, na outra ponta, os consumidores, que já parecem pouco dispostos a pagar mais por novidades verdes, estarão mais contidos em seus gastos e, por isso, mais sensíveis a preço e condições de pagamento do que a valores socioambientais.

Tudo, no entanto, que representa economia de custos, como as iniciativas de ecoeficiência e uso racional de recursos naturais e insumos, tende a ser valorizado em tempos de crise. Tudo o que implica investimento financeiro ficará em compasso de espera. Os mais otimistas poderão enxergar na eventual diminuição da atividade produtiva uma trégua ao combalido planeta, do qual – já se sabe - se retiram 30% de recursos além do que é capaz de repor, e no qual são lançadas insustentáveis 23 bilhões de toneladas de carbono. A maioria das pessoas, no entanto, estará preocupada demais com os seus receios individuais concretos para pensar em benefícios coletivos tão abstratos. Empregados ficarão preocupados com os seus empregos, empresas desejarão a recuperação rápida da saúde dos mercados e consumidores quererão de volta crédito e poder de compra.

No médio e longo prazo, a crise econômica poderá ser benéfica para a lógica da sustentabilidade. Isso, é claro, se os mercados tiverem a necessária disposição para aprender as lições que ela encerra. A rigor, a própria crise decorre da valorização de um modelo econômico insustentável, baseado no lucro de curtíssimo prazo, produto de especulação financeira agressiva, dinheiro virtual e alto risco compensado por retornos astronômicos; e também da idéia de crescimento rápido de riqueza (?), fortemente concentrador e gerador de desigualdades sociais e desequilíbrio ambiental.

Os Estados Unidos representam historicamente o principal porta-voz desse modelo—nunca é demais lembrar que o governo Bush resiste a assinar o Protocolo de Kioto por não concordar em reduzir suas emissões de carbono para não abrir mãos das benesses do desenvolvimento econômico. A emblemática China, por sua vez, constitui-se em ícone mais recente. O seu crescimento encanta e inebria o mundo capitalista a ponto de pouca gente se perguntar a custo de quê – um enorme passivo socioambiental -- o país se expande a impressionantes 10% anuais.

Governantes e empresários chineses admitem abertamente, sem constrangimento, que querem fazer como fizeram os ingleses: crescer rápido, formar riqueza e, mais tarde, compensar o planeta pelos impactos causados. O problema está justamente na noção do “mais tarde”. Para o planeta, mais tarde pode ser tarde demais, a considerar as conclusões do relatório das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas.

A crise econômica atual advém da escolha de um modelo imediatista, auto-centrado, na maioria das vezes autista, fundamentado no bottom line, na fragilidade das bolhas que estouram ao menor sopro de vento e na idéia da abundância agora independentemente da possível escassez do futuro. Mudá-lo é urgente e necessário. Na crise, surgem também as oportunidades.


Ricardo Voltolini, da Revista Idéia Socioambiental
Publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentavel.com.br.
Envolverde, 05/11/08
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