quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Português: Ferramenta indispensável

Publicado pela Revista Isto É em 26/01/08

Apenas 26% dos adultos são plenamente alfabetizados, mas falar e escrever bem é crucial para progredir na vida

O Brasil vive um momento positivo na economia, apesar da crise nos mercados financeiros mundiais. Os investimentos estão em alta, a demanda cresce e o nível de desemprego registrado em 2007, de 9,3%, foi o menor em cinco anos.
Mesmo com os ventos favoráveis, quem não possui qualificação tem mais dificuldade de se colocar no mercado de trabalho e é mais mal remunerado. Só um maior acesso à educação é capaz de mudar esse quadro. E a ferramenta indispensável para tirar proveito dos estudos, causar boa impressão numa entrevista de emprego e abrir as portas do crescimento profissional é a correta utilização da língua.

Esse é um dos maiores problemas do brasileiro. Pesquisas mostram que, no País, apenas 26% das pessoas entre 15 e 64 anos são plenamente alfabetizadas. Isto é, têm domínio total das habilidades de leitura e escrita.

Exames aplicados em estudantes também refletem essa realidade. Os resultados do Pisa (sigla, em inglês, para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), prova que mede a eficiência de leitura em adolescentes de 15 anos em 56 países, divulgados no ano passado, foram muito ruins. O Brasil ficou na 48ª colocação. Numa escala até cinco, mais da metade parou no nível um ou abaixo disso. Ou seja, só conseguem localizar informações explícitas no texto e fazer conexões simples. Pior: o desempenho dos estudantes foi inferior ao da prova aplicada em 2003.

“Nós necessitamos de um esforço nacional para combater nossa incapacidade de lidar com a língua escrita”, diz a lingüista Stella Bortoni, professora da Universidade de Brasília (UnB). “Há uma incongruência entre nossa capacidade econômica e de leitura crítica da informação. É preciso que o aluno saia da escola lendo com produtividade.” Com 30 anos de experiência de sala de aula e 20 assessorando empresas, o professor Sérgio Nogueira, autor do livro O português do dia-a-dia, diz que as pessoas só começam a se preocupar quando essa carência afeta a vida profissional. “Aí correm desesperados atrás de cursos”, afirma ele, consultor das Organizações Globo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de vários escritórios de advocacia.

E não há muitos cursos disponíveis. Com exceção de aulas de português voltadas para concursos, o que existe são companhias preocupadas em investir na qualidade da comunicação de seus funcionários, como a PricewaterhouseCoopers. Há mais de dez anos, a empresa de auditoria contrata os serviços do professor Sérgio Nogueira. “A idéia é consertar vícios de linguagem que as pessoas têm, ensiná-las a ler, interpretar e escrever de maneira adequada no mundo dos negócios”, diz João Cesar Lima, sócio e líder de recursos humanos da Price. Essa preocupação é ainda maior com a nova geração criada com a internet, meio em que a comunicação ocorre de maneira bastante informal.

A popularização do e-mail, aliás, pode ser considerada um divisor de águas. Antes, a correspondência das empresas se dava por carta, que era redigida com calma e revisada por três ou quatro pessoas até chegar ao destinatário. “Hoje, a troca de informação ocorre com muita rapidez e sem intermediários. Por isso, o e-mail expõe o profissional”, diz Nogueira. Se cometer erros de português, ele corre o risco de virar motivo de chacota entre os subordinados ou ser malvisto pelo chefe. E as pessoas parecem ter consciência disso. Quando começou a prestar consultoria, nos anos 80, Nogueira era chamado para dar aulas para secretárias. Na década passada, o público foi ampliado, mas a primeira meia hora era tomada em um processo de convencimento da importância do curso. Hoje, ele não sente nenhuma dificuldade em começar a aula e as turmas estão sempre cheias.

O governo tem alguns projetos para tentar melhorar esse quadro. Lançou em 2004 o Programa Nacional de Bibliotecas, que distribui livros para as escolas, depois o Pró-letramento, que investe na formação continuada de professores, e em fevereiro dá início às Olimpíadas de Português. “Esperamos a adesão de mais de 300 mil alunos”, diz Maria do Pilar, secretária de educação básica do Ministério da Educação. A idéia é inspirada em um projeto da Fundação Itaú Social.

Embora o brasileiro tenha imensa dificuldade em lidar com o idioma escrito, curiosamente, o Museu da Língua Portuguesa, aberto há dois anos em São Paulo, é o mais freqüentado do País, com 580 mil visitantes por ano. “As pessoas se identificam, se vêem representadas no museu”, afirma Antônio Carlos Sartini, superintendente da instituição. Localizado em um dos marcos arquitetônicos da cidade, a Estação da Luz, ele fisga quem o conhece por sua abordagem moderna e interativa. O museu recebe dezenas de estudantes por dia, a maioria de escolas públicas. “Os professores nos dizem que a procura de livros na biblioteca aumenta depois da visita”, diz ele. Até o fim do ano, Portugal também contará com um museu voltado para o português. No futuro, Sartini espera que haja um intercâmbio grande entre as duas instituições.

A língua une Brasil e Portugal, mas a ortografia não. Até o início do século XX, os dois países seguiam uma norma escrita complicada, que buscava a raiz latina ou grega para escrever cada palavra, como “pharmácia” e “estylo”. Em 1911, Portugal fez a primeira reforma simplificando a escrita. De lá para cá, ocorreram outras mudanças que aproximaram as formas de escrever dos países lusófonos, mas elas nunca foram unificadas. Em 1990, foi firmado um acordo padronizando a ortografia nas oito nações em que o português é o idioma oficial – hoje é a única língua que tem duas grafias oficiais. A nova norma já foi ratificada pelo Brasil, por Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, o que permite sua entrada em vigor nesses países. As mudanças são pequenas (leia quadro) e atingem mais a grafia lusitana. Portugal resiste em adotá-la por pressão dos editores de livros que temem perder o mercado africano para o Brasil. “Além disso, há o velho conservadorismo português com ciúme da influência cultural brasileira”, diz Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras.

Alguns focos de insurgência na sociedade civil começam a brotar no velho continente. A Associação Mares Navegados, organização que promove o intercâmbio cultural entre os dois países, passará a usar a nova ortografia em março. Um grupo de ensino importante do país, a Universidade Lusófona, de Lisboa, também planeja adotar a nova ortografia em suas 14 revistas em breve. A língua é viva. Se o governo português não acordar, será atropelado pelos fatos.

ISTOÉ lança gramática
No próximo dia 15, a Editora Três oferece aos leitores de ISTOÉ os dois primeiros fascículos e a capa dura da Novíssima gramática ilustrada, organizada pelo gramático Luiz Antonio Sacconi, professor da Universidade de São Paulo (USP). Com 22 fascículos de 16 páginas e cinco cadernos de testes, a publicação é moderna, atrativa, didática e já está em conformidade com a reforma na ortografia que unificará a escrita dos oito países que adotam o português como idioma oficial. “A língua é dinâmica e saímos na frente ao organizar a gramática conforme o acordo ortográfico”, diz Sacconi.


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