terça-feira, 13 de novembro de 2007

Programa constrói no Nordeste só 20% das cisternas pretendidas

Carolina Mandl
Publicado pelo
Valor Online em 13/11/07

Miram Cavalcante Ferreira, primeira moradora da Paraíba a receber uma cisterna: cisterna para o filho que vai casar
Foto Carolina Mandl/Valor


Miram Cavalcante Ferreira, moradora de 51 anos da área rural de Soledade (PB), vai casar o filho. Zelosa, quer tornar a vida dele de casado tão confortável quanto aquela que ele tem hoje. Mas no rol de preocupações dela não está a mobília da casa nova, a viagem de lua-de-mel ou a festa. Ela está é atrás de um bem que nunca figura nas tradicionais listas de presentes de casamento: uma cisterna.

O filho de Miram é apenas um dos 4 milhões de moradores do semi-árido brasileiro que ainda vivem sem a garantia de ter água para beber. A mãe não quer que o filho passe pelas mesmo dificuldades que pouco mais de uma década atrás ela passou até ter uma cisterna instalada em sua casa. "A gente usava água em que bicho mijava e acabava pegando doença de toda qualidade", lembra-se. Por isso, a agricultora quer que o programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) construa um reservatório no quintal da casa dele.

O projeto, criado em julho de 2003 pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) e que tem como maior financiador o governo federal, se propõe a construir 1 milhão de cisternas em cinco anos, levando água de beber a cerca de 5 milhões de moradores.

Entretanto, faltando menos de um ano para o fim desse prazo, foram instaladas apenas 220 mil cisternas, que levam água a 1 milhão de habitantes do semi-árido. Ou seja, pouco mais de 20% da meta traçada foi cumprida até agora.

De acordo com as entidades que estão envolvidas no projeto ou já fizeram parte dele, não existe uma explicação única para o descumprimento da meta. Mas todos os agentes são unânimes em afirmar que o P1MC não é a simples construção de cisternas e, por isso, ele está sujeito a percalços.

"O programa ensina as pessoas a conviver com o semi-árido. As cisternas são entregues cheias de conhecimento. Portanto, não pode só ser avaliado só pela construção dos reservatórios. Se fosse assim, era só chamar uma empreiteira que seria mais rápido e até mais barato", afirma Fabio Atanasio, coordenador do escritório de Belém do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que ajudou na elaboração do projeto e chegou a colaborar com ele.

A cada cisterna entregue, a ASA precisa treinar os pedreiros da comunidade para construí-la e ensinar a população a lidar com o reservatório: como armazenar a água, evitar a contaminação e até em que casos usá-la. Até o momento, cerca de 5.600 pedreiros foram capacitados pela ASA. Para tornar o aprendizado mais fácil, até cordéis são usados no processo. "Superdimensionamos a capacidade da sociedade civil", avalia o coordenador do Unicef.

Para a ASA, gestora do projeto, a resposta para o atraso está tanto no próprio modelo de construção das cisternas quanto no apoio do governo federal, que até hoje financiou cerca de 85% dos R$ 289 milhões empregados no P1MC.

Os recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome são desembolsados aos poucos para a ASA, por meio de contratos. Ao término de cada um deles, o período de prestação de contas, auditoria e liberação de mais dinheiro leva, segundo Aldo dos Santos, coordenador da ASA, cerca de dois meses. Ao todo, desde 2003, o P1MC ficou parado por cerca de seis meses.

"A cada vez que se desmobiliza os grupos, leva-se um tempo para organizá-los de novo." Em outubro, venceu um contrato com o governo federal. Desde então, não se constrói mais nenhuma cisterna no semi-árido até o término da fiscalização. Hoje, 5 mil pessoas devem participar de um evento em Feira de Santana (BA) para pedir uma maior continuidade na liberação da verba. "Quando se olha o número é só um quarto do programa cumprido, mas, se comparado a outros projetos, o P1MC está sendo exitoso", diz Santos.

A agricultora Severina Nascimento Gomes, 34 anos, lembra-se dos tempos em que tinha de andar a cada dois dias 30 minutos para chegar a uma cisterna comunitária em Caiçara, distrito de Soledade, cidade do Cariri paraibano a 70 quilômetros de Campina Grande. "A gente chegava lá e não tinha mais uma gota d´água. Agora, todo mundo é milionário", diz Bil, como é conhecida. Hoje, a sua propriedade tem duas cisternas com capacidade para 16 mil litros d´água mais um tanque de pedra, um reservatório que se faz aproveitando as formações rochosas do solo.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que apóia o Um Milhão de Cisternas desde o início, está agora fazendo uma pesquisa de campo para detectar tanto os benefícios sócio-econômicos quanto possíveis falhas do programa. O estudo também ajudará a entidade a definir se continuará financiando o projeto ou não. "A partir disso conseguiremos detectar o que pode ser melhorado. Mas consideramos que o fato de não se atingir a meta inicialmente traçada não seja um demérito", diz Sônia Favaretto, diretora de responsabilidade social da Febraban.

Na avaliação de alguns agentes, a construção de cisternas só será acelerada com o envolvimento dos municípios. "Sozinha, a ASA não tem como construir tudo. Os municípios também deveriam deveriam participar do processo. Não compete à sociedade civil substituir o Estado. O papel dela é exercer a democracia, fiscalizar a atuação dele. Enquanto se discute se o programa deve ou não contar com o apoio das prefeituras, tem gente precisando da água", afirma Atanasio, do Unicef.

O tema, entretanto, ainda é bastante polêmico dentro da ASA. "Concordo que o programa ainda precisa melhorar o relacionamento com as prefeituras, mas a lógica do governo ainda é bastante ligada ao clientelismo", explica o pastor Arnulfo Barbosa, diretor-executivo da Diaconia, entidade religiosa responsável pela construção de cisternas em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Ele relembra um passado nada distante, em que caminhões-pipas e cisternas eram usados como moedas de troca por políticos.

Procurado pela reportagem por três semanas, o Ministério do Desenvolvimento Social não atendeu aos pedidos de entrevista sobre o atraso no P1MC.


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