quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Indenizações no saneamento básico

Ariovaldo Pires*
Publicado pelo
Valor Online em 12/09/07

Aspectos jurídicos contidos na regulamentação do setor de saneamento básico e a participação da iniciativa privada em projetos que podem contribuir decisivamente para um maior acesso da população aos serviços de água e esgoto têm sido eclipsados pelo caloroso e atual debate sobre as (más) condições da infra-estrutura brasileira. Está cada dia mais claro que o país não tem condições de atender as demandas por investimentos públicos para modernizar setores como rodovias, energia, portos, aeroportos e ferrovias. Este debate, porém, não se completa se não enfocarmos com a merecida atenção e urgência o problema do saneamento básico.

Dados da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, por exemplo, mostram que aproximadamente 60 milhões de pessoas não têm acesso à coleta de esgotos e outros 15 milhões de brasileiros sobrevivem sem água encanada. Nos últimos anos, inúmeras foram as mudanças incidentes sobre o setor. O fim do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), modelo surgido na década de 1970, a definição de um modelo de concessão de serviços públicos, com a edição da Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos - a Lei nº 8.987, de 1995 - e a consolidação de um marco regulatório, por meio da nova Lei de Saneamento Básico - a Lei nº 11.445, de 2007 - são eventos representativos desta nova realidade.

Apesar dos avanços, alguns tópicos precisam ser melhor compreendidos, tais como as futuras formas e procedimentos para a contratação dos serviços, se por concessão comum ou por parcerias público-privadas (PPPs); a criação e institucionalização de agências reguladoras para o setor; a questão da titularidade dos serviços nas regiões metropolitanas, ainda em análise no Supremo Tribunal Federal (STF); e a forma de contratação, sem licitação, das empresas estatais por meio de convênios e contratos de programas, em conseqüência do término de dezenas de contratos assinados entre os municípios e as companhias estaduais de saneamento básico sob a égide do Planasa, bem como a definição do valor de indenização relativo a investimentos ainda não depreciados, devido pelos municípios às atuais prestadoras de serviço.

O último tópico desta lista representa, neste momento, uma restrição ao desenvolvimento do setor e traduz o impasse vivido pelos municípios com o fim de dezenas de contratos assinados há três décadas. As administrações públicas municipais têm se deparado com as seguintes possibilidades: reaver os serviços de água e esgotamento sanitário e prestá-los diretamente por meio de seus departamentos de água e saneamento ou empresas públicas criadas para tal fim; renovar com a empresa estadual, prestadora atual, por meio da assinatura de convênios e contratos de programa; ou realizar licitação na modalidade de concorrência para a contratação de um novo prestador.

O objetivo principal deste artigo, além de reavivar o interesse dos agentes públicos por um tema de extrema importância para o país, é explicar que a metodologia de cálculo da indenização a ser paga pelo município à antiga prestadora pelo término da concessão não foi modificada e que independe da contratação de um novo concessionário.

As indenizações são restritas às parcelas dos investimentos ainda não amortizados ao fim do contrato

A respeito do cálculo dessa indenização, é preciso esclarecer que a mesma se refere somente aos investimentos realizados e ainda não depreciados. Isto porque, segundo o artigo 325, inciso I, alínea "b" do Decreto nº 3.000, de 1999 (atual regulamento do Imposto de Renda), a depreciação dos bens necessários à prestação dos serviços em uma concessão deve ser realizada dentro do prazo de vigência do contrato de concessão. Portanto, sendo passíveis de serem indenizados somente os investimentos realizados ao fim do contrato de concessão e que, devido ao término desse, não puderam ser amortizados e depreciados.

O dever de indenizar está previsto não somente nos convênios e contratos firmados mas, especificamente, na legislação vigente aplicável ao setor. Porém, esta indenização, como já afirmado, é restrita às parcelas dos investimentos vinculados aos bens necessários à prestação dos serviços (os chamados bens reversíveis), ainda não amortizados ou depreciados ao fim do contrato, e que tenham sido realizados com o objetivo único de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. Desta forma, o valor a ser pago não deverá compreender a totalidade dos investimentos realizados ao longo do prazo de concessão.

Ainda a esse respeito, outra questão que se impõe é: como aplicar essa determinação legal a contratos firmados há mais de 20 anos? O inciso I do parágrafo 3º da nova redação do artigo 42 da Lei nº 8.987, dada pelo artigo 58 da Lei nº 11.445, afirma que, para a realização do cálculo da indenização desses investimentos, devem ser observadas disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço de saneamento ou a ele aplicável, nos 20 anos anteriores ao da publicação da Lei nº 11.445.

Assim, o cálculo das indenizações devidas às antigas prestadoras do serviço deverá considerar as determinações e entendimentos da Lei de Concessões e Permissões, que também prevê o comum acordo entre as partes, não podendo a indenização ser utilizada como elemento de coerção para forçar uma parte a aceitar uma determinada solução em detrimento de outra que, eventualmente, melhor atenderia ao interesse público. Em último caso, se não houver acordo entre as partes, a questão deverá ser levada ao Poder Judiciário, que, após o devido processo judicial suprido pelos necessários laudos periciais, determinará o valor da indenização a ser paga.

A abertura à competição e a regulamentação do setor, uma vez que os municípios têm na prestação do serviço um importante ativo, possibilitará à indústria do saneamento básico condições de atingir metas ambiciosas, como a universalização da oferta dos serviços de água e esgotos tratados em um prazo de 20 a 30 anos. Entretanto, isto só será possível com a oferta maciça de recursos não somente públicos, mas principalmente privados, já que se estima que o Brasil necessitará de cerca de R$ 180 bilhões, neste período, para investir no setor.

*Ariovaldo Pires é advogado da equipe de infra-estrutura e parcerias público-privadas (PPPs) do escritório Albino Advogados Associados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


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