terça-feira, 4 de setembro de 2007

"Estado deve superar dogmas da esquerda"

Cristiano Romero e Raymundo Costa
Publicado pelo
Valor Online em 04/09/07

Eduardo Campos: "Modernizar a gestão e medir resultados não podem ser bandeiras que a esquerda largue na mãos dos outros"
Foto Ruy Baron/Valor

Representante da nova safra de governadores, Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, conta que encontrou os serviços essenciais de seu Estado nas áreas de saúde, educação e segurança pública falidos e dominados por corporações, sindicatos e interesses privados. Segundo Campos, por causa dessa herança, Pernambuco é hoje "campeão negativo" em indicadores de duas dessas áreas (segurança e educação básica) e vice-campeão na outra (saúde).

O governador diz que sua geração não refuta o equilíbrio fiscal obtido pelos governos anteriores nem reivindica elevação dos limites de endividamento para enfrentar a situação. Em lugar disso, ele prega uma revolução na gestão dos serviços públicos, instituindo contratos de gestão na área educacional, a adoção de conceitos de produtividade nos hospitais públicos e a "estatização" e modernização das polícias.

Ao emitir suas opiniões nesta entrevista ao Valor, Campos, de 41 anos, único herdeiro político de Miguel Arraes, faz críticas abertas à esquerda, responsável pelas corporações que dominam o serviço público e que impedem a sua modernização. "Esses dogmas que a esquerda desenvolveu, tipo 'a escola será democrática se a gente eleger o gestor por eleição direta', não vão garantir qualidade no ensino", diz o governador.

Presidente do PSB, Campos também dá indicações de que a aliança que apóia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá mais de um candidato em 2010 e que não acredita que o PT abra mão de candidatura própria em favor do pré-candidato do PSB, Ciro Gomes.

Campos, que recebe hoje o presidente Lula no Porto de Suape para o lançamento das obras de terraplanagem da refinaria Abreu e Lima, informa que o investimento esteve ameaçado, mas que, agora, a Petrobras tomou a liderança, depois de se tornar majoritária no projeto - 60%, face a 40% da venezuelana PDVSA.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: A refinaria de petróleo sai ou não sai?
Eduardo Campos: Está saindo. O Estado fez a doação de um terreno de 630 hectares no Porto de Suape. Já fizemos o licenciamento ambiental. Licitamos as obras de três ações que estão sob nossa responsabilidade, totalizando investimento de R$ 235 milhões em infra-estrutura. A Petrobras fez a licitação da obra de terraplanagem, cuja ordem de serviço será dada hoje, pelo presidente Lula. O cronograma está inteiramente em dia para inaugurarmos a refinaria no segundo semestre de 2010.

Valor: Por que Hugo Chávez está se queixando de lentidão?
Campos: O protocolo do investimento dava 50% do negócio à Petrobras e 50% à PDVSA, e haveria investimentos do mesmo montante no Poço de Orinoco, na Venezuela. Em 2005, chegou-se a lançar a pedra fundamental do investimento no Porto de Suape, mas o negócio não andou. A dificuldade estava na governança de um processo em que duas grandes empresas, com culturas distintas, iam tocar um investimento 50-50. De outubro de 2006, após a reeleição do presidente Lula, até a primeira quinzena de janeiro, construiu-se uma saída: em vez de o investimento ser 50-50, passou a ser 60% da Petrobras e 40% da PDVSA. Já em Orinoco, as participações serão invertidas. A partir dali, a Petrobras acelerou o processo.

Valor: Há informações de que a Petrobras quer tocar a refinaria sozinha.
Campos: Ela está fazendo a refinaria acontecer. Até a conclusão do empreendimento, a PDVSA poderá estar ou não no negócio porque cabe à Petrobras fazer e os venezuelanos integralizarem ou não. O que declaram a Petrobras e o governo brasileiro é que desejam a parceria. Se ela vai se efetivar, só o tempo dirá.

Valor: A nova geração de governadores está sendo derrotada pela violência e pelos baixos indicadores de saúde e educação?
Campos: Essa geração tem um grande desafio, que é aproveitar este momento, em que o Brasil reconquista os fundamentos para poder crescer, para voltar a pensar o país dentro de um grande projeto nacional de desenvolvimento. Para isso, é preciso que o poder público garanta o ambiente de empreender. Os Estados chegaram a um equilíbrio tênue em suas contas, mas agora o desafio é fazer as coisas funcionarem. Não adianta ter só equilíbrio nas contas. É preciso ter equilíbrio nos serviços.

Valor: Como se alcança esse equilíbrio?
Campos: Só se faz isso com gestão, melhorando a qualidade do gasto; enfrentando distorções geradas pelo corporativismo, pela falta de controle e modernização; reduzindo o custeio, inclusive, por meio da revisão de contratos. É fazer mais com menos. Para responder a isso, não adianta ter apenas sensibilidade política. É preciso ter capacidade de gestão, equipe profissionalizada, e mudar a cultura política também.

Valor: De que forma?
Campos: Temos que enfrentar a própria base política. Na educação, diretor regional em Pernambuco não é mais indicado por prefeito ou deputado. Estou buscando os diretores em faculdades. Eles vão lá, se candidatam, fazem uma prova, participam de uma banca e, aí, escolho o gestor porque preciso de alguém nas escolas com qualidade para tocar o plano de educação. Vamos medir resultados. Não posso admitir que uma escola, junto de uma outra, com os mesmos salários, a mesma população, não funcione bem e a outra, sim. Temos que premiar o mérito. Não é feio fazer isso. A esquerda precisa saber que premiar o profissional que mostra resultado é uma necessidade.

Valor: Os diretores das escolas são escolhidos por eleição direta. O que o senhor acha disso?
Campos: O fato de se eleger um gestor não garante democracia na escola. A escola será democrática se ensinar, de forma decente, os filhos dos trabalhadores e dos pobres. Esses dogmas que a esquerda desenvolveu, tipo 'a escola será democrática se a gente eleger o gestor por eleição direta', não vão garantir qualidade no ensino.

Valor: O senhor acabou com a eleição direta?
Campos: Não, mas estou cobrando que os contratos de gestão sejam cumpridos. O gestor eleito não pode repetir na escola o patrimonialismo que condenamos nos velhos coronéis. Tem gestor que se elege e acha que é dono da escola. Não cumpre o contrato de gestão, permite que o eleitor dele não vá dar aula e obriga o que não votou a dar. O Estado tem que botar esse gestor para fora.

Valor: O senhor impôs contratos de gestão?
Campos: Eles já existiam, mas não eram cobrados. Como tem uma lei que garante a eleição direta nas escolas e dá mandato de dois anos, estou pegando os contratos de gestão e chamando os diretores. Já afastei 12. Se eles forem culpados nos inquéritos, vou expulsá-los do Estado. Encontramos 12% da carga horária sendo paga (dada como cumprida) sem que os professores estivessem dando aula. Ao mesmo tempo, havia ações na Justiça, movidas pelo Ministério Público e por associações de pais, me obrigando a contratar mais cinco mil professores. Encontrei 78 escolas com o telhado caindo, onde embaixo havia 78 mil estudantes, centenas de funcionários e professores. Precisei interditar. Encontrei 1.200 professores à disposição de outros órgãos, recebendo gratificações por estarem fora das salas de aula. Encontrei também mil professores com licença sem vencimento há anos, mantendo vínculo e me impedindo de fazer concurso para substituí-los. Achei ainda 6% das nossas turmas com menos de dez alunos cada. Descobri que, em alguns casos, essa situação era normal, mas nos outros era o gestor querendo que a escola tivesse muitas turmas porque sua remuneração é calculada também em função do número de turmas.

Valor: O senhor diria que encontrou situação de falência total na educação?
Campos: Reconheço que há uma experiência bem-sucedida: 13 Centros de Ensino Experimental, feitos em parceria com a iniciativa privada, inclusive, no Ginásio Pernambucano, com a participação do Marcos Magalhães (ex- presidente da Philips e principal liderança do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação). Os alunos são recrutados por notas, os professores são melhor remunerados. Trata-se de um serviço extraordinário, mas temos 1.105 escolas. São 950 mil alunos, sendo nove mil nessas escolas. Tenho que valorizar isso. Na minha gestão já fizemos mais sete parcerias, mas meu desafio é fazer dessa realidade de poucos a realidade de tantos outros. Quando nos prometeram equilíbrio fiscal, reduzindo o tamanho do Estado e fazendo privatizações, nos diziam que iam nos legar saúde, educação e segurança melhores. Isso não aconteceu. Esses serviços nunca estiveram tão deficientes quanto agora. Nessas três áreas, Pernambuco é 'campeão negativo' em duas - no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e, ao lado do Rio e do Espírito Santo, nos indicadores de violência. Na saúde, temos o segundo pior resultado no indicador que mede o número de anos de vida perdidos.

A esquerda precisa saber que premiar o profissional que mostra resultado é uma necessidade da gestão pública"

Valor: Como fazer os serviços funcionarem?
Campos: Sob um nova conceito. Na saúde, o SUS foi uma grande conquista, mas é preciso revê-lo sob o interesse da população. O papel das corporações no debate do novo modelo é importante, mas não se pode definir uma política de saúde em função só da visão dos médicos e dos profissionais de saúde. Precisamos definir um modelo de gestão que atenda ao interesse de quem está bancando isso, que é a sociedade por meio dos tributos. O SUS, criado há quase 20 anos, já falava em conselhos federal, estadual e municipal de saúde, controle social, produtividade, racionalização, fim da superposição dos entes federados, hierarquização, valorização da prevenção. A saúde curativa, que são os hospitais e que levam a maior parte dos recursos públicos, exige um novo modelo de gestão. O sistema é unificado, mas não é uniforme. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 65% da população coberta pelo SUS é atendida nas santas casas. No Nordeste, 90% da população depende do SUS porque não temos tanta gente, por motivos óbvios, com previdência privada quanto no Sul e no Sudeste. Em Pernambuco, herdamos uma herança pesada do Inamps - 32 hospitais. A governança desses hospitais inexiste. Não sabemos quantos médicos há em cada um, quanto custa cada estrutura, qual é o seu perfil. Cada hospital faz o que sua direção e os médicos acham que devem fazer, quando na verdade seria preciso ter a hierarquização prevista pelo SUS.

Valor: As corporações tomaram conta dos hospitais?
Campos: A gestão é feita a partir da conveniência dos que estão lá e não da necessidade do Estado de responder ao cidadão. Muitas vezes, falta médico na urgência, mas sobra em outras. Achei uma enfermaria com 30 leitos e 114 médicos. Na urgência desse mesmo hospital, faltavam médicos daquela especialidade para o plantão. É uma irracionalidade absoluta.

Valor: Como o senhor vai enfrentar isso?
Campos: Estamos chegando ao fim do ano com um modelo concebido. Ouvimos instituições, como as santas casas, que têm boa governança no Brasil, e hospitais privados. O SUS previa a adoção de indicadores de produtividade, mas o que acontece nos grandes hospitais é que há um valor 'x' usado para essa finalidade. O hospital pega esse recurso e divide por igual para todo mundo. Portanto, deixou de ser prêmio por produtividade e passou a ser salário. Vamos resgatar princípios de uma gestão eficiente, com fixação de metas e medição de resultados.

Valor: E quanto à segurança?
Campos: Não vamos resolver esse problema só com polícia. Os jovens que hoje são vítimas ou fazem parte do crime são filhos de uma geração que viveu quase três décadas perdidas no Brasil. Este é um fato que precisa ser entendido do ponto de vista sociológico. As cidades mais violentas são as que receberam todo o desmonte do campo para a periferia das metrópoles e das cidades-pólo em cada região. Nesse período, houve também uma desestruturação das famílias e perda de qualidade das escolas públicas. É preciso um olhar no ciclo completo da violência.

Valor: Como?
Campos: Por exemplo, introduzindo uma ação de inteligência. A polícia não se modernizou para enfrentar a situação atual. Em muitos Estados, passou a trabalhar simplesmente para setores privados que a remuneravam via convênios. Precisava de um carro, então, um conjunto de lojistas comprava um. Aquele carro servia para patrulhar aquele comércio. Era justo que, na ausência de segurança, o comércio procurasse esse tipo de parceria, mas a população pobre da periferia, que não tinha condições de fazer isso, foi ficando sem polícia. As polícias também deixaram de ter carreira, de se profissionalizar. Guetos e grupos passaram a comandá-las. A um só tempo temos que cuidar preventivamente da violência com ações de inclusão, com foco na juventude nas áreas de maior risco, e ter uma ação planejada de combate ao crime.

Valor: De que forma?
Campos: Não havia antes a cultura de se usar o geo-processamento, a estatística, de colocar a tropa na rua em função dos números de violência gerados nos próprios boletins de ocorrência. Não existia porque os recursos humanos não foram qualificados para isso.

Valor: O senhor já obteve algum resultado com as políticas que adotou?
Campos: O número de homicídios de mulheres diminuiu 17% em sete meses. Desde o lançamento do "Pacto pela Vida", em maio, tivemos queda mensal de 9% na taxa total de homicídios.

Valor: O lema da gestão foi usado pelo candidato Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006, mas não pegou.
Campos: A plataforma não é só gestão. É ligar o país a um modelo de desenvolvimento que seja integrador das nossas regiões, que seja inclusivo. O Estado brasileiro foi reformado dentro de uma visão que produziu um equilíbrio fiscal estático. O desafio é que, ao mesmo tempo em que o país cresça, reconceitue as políticas públicas. Temos que deixar de ter preconceitos. Modernizar a gestão e medir resultados não podem ser bandeiras que a esquerda largue na mãos dos outros.

Valor: O senhor identifica a esquerda como um obstáculo a essa modernização?
Campos: Quem fica refém das corporações e ainda pensa dessa forma, a meu ver, não está pensando como esquerda. Está ultrapassado.

Valor: O PSB pode ser uma alternativa ao PT, uma vez que o PT perdeu prestígio e força depois dos escândalos de corrupção?
Campos: O PT ganhou um papel hegemônico no nosso campo porque conquistou isso com militância, entusiasmo e com os erros que as outras forças cometeram. Tem pago um preço alto nos últimos tempos não só pelos erros que cometeu, mas também pelo enfrentamento de forças poderosas que vêem no PT o seu maior adversário. O PSB não deseja reproduzir o comportamento de oposição que o PT, em muitas oportunidades, teve em relação aos nossos governos.

Valor: A possibilidade de o PT impor aos aliados uma candidatura própria em 2010 não prejudica a aliança?
Campos: É açodamento tratar de 2010. Não é isso que a sociedade brasileira deseja dos partidos e dos homens públicos. Precisamos discutir soluções dos problemas do povo brasileiro, que não é filiado a partido nenhum.

Valor: O PT, no poder, tornou-se refém das corporações? As greves se sucedem no setor público...
Campos: Temos que defender o direito democrático de greve, mas não é possível que não possamos regulamentá-lo no serviço público, observando o que é essencial. Precisamos de mecanismos ágeis para mediar o conflito entre governante e servidor público. Por que uma greve na educação tem que durar 54 dias? Vimos nos oito anos do governo que me antecedeu, ao qual fiz oposição, sete greves. No nosso primeiro ano de governo, montamos uma mesa de negociação e, mesmo assim, tivemos uma greve de 54 dias na educação. Isso é razoável? Não é e não pode acontecer. A sociedade não suporta isso.

Valor: O PSB terá candidato à sucessão de Lula?
Campos: O PSB tem um quadro, como o companheiro Ciro Gomes, que foi duas vezes candidato a presidente, mas nem ele nem eu nem o PSB queremos discutir 2010 agora. Até porque estamos num bloco que tem outros partidos e quadros. Precisamos do êxito do governo Lula, ajudá-lo a ser um governo mais avançado. 2010 será a primeira eleição, desde a redemocratização, sem Lula candidato. O presidente chegará até lá como o maior eleitor do país.

Valor: Quem ele apoiará?
Campos: Ele vai tentar juntar a todos. Se não conseguir, a gente vai ter que estar vivo para ver o que ele vai fazer. Não nos esqueçamos de que o presidente é fruto da construção não só do PT, mas de muitas forças, inclusive, do PSB. Uma coisa é a força do presidente, outra é o seu governo e outra são as forças que compõem o governo e a sua base de sustentação. Não é uma situação simples para ser administrada.


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