sexta-feira, 13 de julho de 2007

Carne brasileira é bombardeada na UE

Assis Moreira
Publicado pelo
Valor Online em 12/07/07

Multiplicam-se na Europa as pressões para proibir a importação de carne bovina do Brasil. E a ofensiva, segundo analistas, já atinge os produtos agropecuários do país em geral, a partir sobretudo de acusações de problemas socioambientais nos processos produtivos. Agora, um grupo de 12 associações de agricultores da Grã-Bretanha e da Irlanda recorreu a um mecanismo nunca antes utilizado por representantes do setor: apresentou uma queixa formal junto ao ombudsman - ou provedor de justiça - da União Européia (UE), que investiga casos de má administração nas instituições e organismos do bloco.

O grupo, batizado de Fairness for Farmers in Europe (FFE), acusa o comissário de Saúde e Proteção do Consumidor da UE, Markos Kyprianou, de deixar a carne brasileira entrar na Europa e de interferir nos direitos dos agricultores europeus. O ombudsman, Nikoforos Diamandouros, trabalha de maneira independente e conta com a assistência de mais de 30 advogados. Ele já indicou um deles para examinar se há razões específicas para aceitar a queixa.

Se a decisão for positiva, o que demora algumas semanas, o ombudsman fará uma investigação completa sobre todos os relatórios envolvendo a carne brasileira, incluindo os não publicados pela Comissão Européia, o braço executivo da UE. As conclusões dessa investigação são em seguida apresentadas ao Parlamento Europeu.

A pressão política chegou a tal ponto que nem os produtores europeus se entendem mais. Questionado ontem sobre a queixa junto ao ombudsman, um representante de produtores irlandeses em Bruxelas mostrou-se surpreso. "Ah, essa não é da nossa associação [há uma concorrente]. Vou ter de examinar". E pediu detalhes ao repórter.

Em entrevista por telefone, o coordenador da FFE, William Taylor, acusou o comissário de Saúde de "ser excessivamente tolerante com os riscos trazidos pela carne brasileira". Para ele, "há algo errado com esse comissário, pois a carne brasileira é de menor qualidade". E deixou escapar o lado real do problema: "a carne brasileira é mais barata".

Segundo exportadores do Brasil, a eficiência faz com que os cortes mais nobres do país custem até oito vezes menos que os similares europeus no varejo do velho continente. E, tendo em vista as mudanças estruturais na cadeia bovina brasileira, essa diferença poderá até aumentar.

Na queixa apresentada, a FFE argumenta que o comissário continua ignorando "evidências de riscos" da carne brasileira para a saúde humana e animal, acusações recorrentemente tratadas como disparates pelos frigoríficos do Brasil - que se tornou o maior exportador mundial de carne bovina após desbancar Austrália e EUA.

A FFE quer forçar a comissão a agir rápido e proibir a entrada de toda a carne brasileira. Os produtores insistem que não entendem como a UE admite a mesma carne (in natura) que não pode entrar nos EUA, Austrália, Japão e Coréia do Sul - países que divergem de recomendações sanitárias da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), ligada à Organização Mundial do Comércio (OMC).

"O Brasil também está usando hormônio de crescimento ilegal", acusa Taylor. "Somos obrigados a seguir duros padrões, mas o Brasil não, e a comissão aceita essa concorrência desleal". O uso de hormônios na criação de animais é proibido no Brasil há anos, e há anos nenhum outro importador acusa qualquer contaminação.

O próprio Kyprianou já respondeu às pressões, em uma troca de cartas com a comissária de Agricultura da UE, Mariann Fischer Boel. A comissária exigiu dele "uma convincente e efetiva" investigação sobre as alegações de alguns membros do bloco de que o produto brasileiro seria impróprio para alimentação. "Não somos apenas nós dois que estaremos na linha de frente, mas a credibilidade de toda a Comissão [Européia] estará em jogo", escreveu Boel.

Kyprianou respondeu que assume "total responsabilidade" sobre a importação da carne do Brasil, e reiterou que toma suas decisões com base em elementos de "saúde pública", não em "considerações comerciais ou econômicas".

Mas a ofensiva prosseguirá nesta segunda-feira, quando o Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu examinará relatório de uma missão enviada ao Brasil pelos irlandeses. O relatório, amplamente distribuído na Europa, acusa criadores brasileiros de não utilizar sistemas adequados de rastreabilidade do gado, de usarem medicamentos e hormônios de crescimento ilegais e de controles inadequados de doença.

Só que a avaliação preliminar dos especialistas que trabalham com Kyprianou é de que os autores do relatório irlandês não visitaram o Sisbov (sistema de controle da carne exportada) nem frigoríficos, laboratórios ou autoridades de controle. Ou seja, o texto não passa de propaganda.

Em todo o caso, pecuaristas europeus procuram fazer a Comissão endurecer o conteúdo de seu próximo relatório sobre a carne brasileira. Analistas em Bruxelas notam que os britânicos, sem subsídios para exportar, perderam mercados externos para a carne brasileira e também sentem a ameaça em seu próprio mercado.

"O alvo não é mais só a carne bovina, mas todas as carnes brasileiras, e a campanha aumenta no mesmo ritmo em que as exportações do Brasil crescem", diz um especialista que acompanha de perto a situação. (Colaborou AAR)


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