sábado, 15 de agosto de 2009

Especialista dá dicas em Marketing Relacionado a Causas

Mobilizadora do Marketing Relacionado a Causas (MRC), a Rede Agente reúne organizações da sociedade civil (OSCs) interessadas em discutir parcerias comerciais entre empresas e o terceiro setor, que unem suas marcas em benefício mútuo. No final de setembro, Andrea Travassos, membro da Rede Agente e coordenadora da unidade de Negócios Sustentáveis do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, foi convidada a compartilhar a sua experiência com a ferramenta.

O instituto decidiu diversificar sua carteira de mobilização de recursos em 2002. Até então, 60% do seu orçamento era oriundo de organizações não-governamentais estrangeiras ligadas à causa ambiental. O restante era proveniente de convênios com o governo brasileiro. Hoje, 50% dos cerca de 6 milhões de reais que sustentam o instituto são captados junto a empresas. Destes, 10% são de MRC. Andrea foi sabatinada por membros da Rede Agente sobre o caminho que o IPÊ percorreu para estabelecer parcerias com marcas como a Havaianas, Locomotivas, Conga e Faber Castell. Confira os principais trechos da conversa.

Rede Agente - Por que o Instituto Ipê decidiu utilizar a estratégia do Marketing Relacionado a Causas?
Andrea Travassos - O boom de organizações não-governamentais ocorrido na década de 90 dificultou o processo de captação de recursos. O cenário piora a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001. Muitos dos recursos direcionados à América Latina começam a ser endereçados para o Leste Europeu e o Oriente Médio. Percebendo este movimento, o instituto decidiu diversificar seu portfólio de captação, porque se sentia vulnerável em relação à continuidade de recursos que recebia. Concluímos que a estratégia correta era divulgar o IPÊ junto a empresas e investir em parcerias. Também tínhamos o objetivo de constituir um endowment fund (fundo patrimonial) que garantisse a sustentabilidade financeira da organização em longo prazo.

Rede Agente – A proposta vingou?
Andrea – Nos baseamos na experiência das fundações e universidades norte-americanas. Desejávamos ter um volume de dinheiro no banco gerando juros que bancassem as despesas administrativas do IPÊ. Porque, afinal, o desafio são as despesas administrativas. Quando vamos captar recursos os empresários se animam em dar dinheiro para onças, colar rastreador etc, mas o salário do pesquisador ninguém quer pagar. O endowment, criado com 1 milhão de reais captado com MRC, já cobre o déficit de nossas despesas administrativas. Mas a maior parte delas ainda é paga com 10% do valor de cada projeto.

Rede Agente – Como construir parcerias?
Andrea - O primeiro passo é identificar com quem você quer se relacionar. O ativo mais importante de uma organização é a credibilidade que ela constrói ao longo do tempo. É a capacidade de executar, de ter bons profissionais e de indicar bons resultados. Um relacionamento com instituições erradas pode colocar tudo a perder. Então, primeiro é pensar um pouquinho com quem queremos nos associar, e procurar os comuns, aqueles que têm sintonia com a nossa forma de agir.

Rede Agente – Então, conhecer o possível parceiro é fundamental?
Andrea – Claro. Para os dois lados, as parcerias são como relacionamentos. No IPÊ, nós temos um processo interno de aproximação e aprovação, uma fase de namoro. Temos de saber quem é a empresa, como é a condução dos negócios. O mesmo acontece do outro lado. Ninguém quer encontrar esqueletos no armário no meio do caminho.

Rede Agente – Este processo de aproximação é demorado?
Andrea - O tempo de cada organização é diferente. Nossa experiência mostra que a negociação com as empresas multinacionais ou que tenham uma estrutura hierárquica maior pode levar mais tempo. Isto porque a idéia deve ser vendida internamente para um número muito maior de pessoas. Mas o importante é ter persistência e não desistir, pois os resultados sempre compensam a dedicação e investimento para que a parceria ocorra.

Rede Agente - Como é essa parceria com a Faber Castel?
Andrea – Criamos uma coleção com lápis, caneta, borracha e lapiseira com desenhos de quatro animais da fauna brasileira, alguns deles pesquisados pelo IPÊ: o boto-cor-de-rosa, o mico-leão-preto, a onça-pintada e a arara-vermelha. A coleção foi muito bem recebida e fomos informados que a equipe de vendas está muito feliz por estar vendendo, além de um produto, uma causa. Quando o convencimento alia a qualidade do produto à qualidade da causa significa que a estratégia de MRC deu certo. Mas, além de ter uma ótima idéia, temos também de contactar a pessoa certa. Isto é o que faz a diferença.

Rede Agente – Vocês levaram a proposta pronta ou desenvolveram o produto junto com a empresa?
Andrea - Com a Havaianas e com a Faber Castell levamos uma proposta de produto e eles compraram a idéia. O Conga foi uma reprodução exata da nossa proposta. O objetivo é fazer com que a equipe de marketing consiga visualizar o produto e pense em escala de produção. Afinal, eles são os especialistas neste assunto. Mas o projeto sofre influência dos dois lados. A Faber Castell, por exemplo, sugeriu uma borracha redonda. Nós argumentamos que o ideal seria a borracha quadrada, para diminuir a perda de material quando cortada e eles concordaram.

Rede Agente – Mas como vocês desenvolvem as propostas e os protótipos?
Andrea - Nós temos muita ajuda dos conselheiros neste processo. Isso, aliás, é resultado de uma política interna do IPÊ. Optamos por uma estratégia de convidar profissionais de diferentes áreas - inclusive de comunicação, de marketing e de design - para o nosso conselho. Nós temos que entender que o conselheiro não deve ser uma pessoa figurativa. O nosso presidente costuma dizer que o conselheiro deve “give, get or go”. E é verdade. Ele tem que entender que deve contribuir para a existência da organização, abrir portas, adicionar valor com o seu conhecimento. Como sabemos que é difícil reunir todos os conselheiros, dividimos o grupo em comitês. Um deles, o de captação e visibilidade (composto por empresários, pessoas de comunicação e de design), trabalha junto com a direção executiva nas propostas. Eles ajudam desde o conceito até a criação de apresentações e desenvolvimento dos protótipos.

Rede Agente – Vocês investiram em um olhar do mercado dentro da organização...
Andrea – Exatamente. Até aquele momento, a organização tinha uma tradição histórica de pesquisa e ação em defesa da biodiversidade. Vindos do mundo corporativo, a presidente e o vice-presidente começaram a montar um conselho alinhado a uma postura mais estratégica em relação às empresas. Não é tarefa fácil, principalmente porque você tira a instituição da zona de conforto. Encontramos resistência interna. Além disso, a instituição investe em recursos sem necessariamente ter retorno de curto prazo.

Rede Agente – Quais foram as outras adaptações necessárias?
Andrea – Percebemos que com aquela linguagem de projetos não iríamos atingir muitas pessoas no meio corporativo. A tática foi investir em cursos ligados ao meio para ajudar a traduzir as nossas ações. Uma das saídas foi desenvolver planos de negócios, uma ferramenta que nos permitiu olhar bem para os nossos projetos e apresentá-los de forma consistente para os possíveis parceiros. Participamos do Prêmio Empreendedor Social Ashoka-McKinsey e, como finalistas, recebemos apoio para planejar nossas atividades. O Gustavo Wigman, que na época era consultor da McKinsey, se aproximou tanto do IPÊ que hoje é nosso conselheiro. Voltamos à questão do convencimento. Muitas vezes não teríamos dinheiro para pagar muitos de nossos colaboradores. Mas, pelo poder do instituto e de sua causa, as pessoas dedicam horas de trabalho voluntariamente.

Rede Agente - As empresas vêm com bons olhos vocês terem diversos parceiros em Marketing Relacionado a Causas?
Andrea - Nós levamos para os parceiros a movimentação em MRC do instituto. A nossa experiência é de as múltiplas parcerias fortalecem todos os envolvidos com o IPÊ porque funciona como divulgação da marca do instituto. A roda gira a favor de todos.

Rede Agente - Você acha que todo este processo só acontece com organizações a partir de um determinado porte?
Andrea – Todo este processo foi muito sofrido para o IPÊ. Principalmente quando víamos o sucesso de outras organizações e nos sentíamos como dentro de uma piscina com o braço levantado esperando ser escolhido. Por isso que qualquer organização deve estar convencida de que investir em equipe interna é o melhor caminho. Não adianta fazer um esforço para captar um mobilizador de recursos. Na minha cabeça isso não existe. Se a gente tem que vender sonhos, quem melhor para vender o sonho do que quem está ali o dia inteiro trabalhando para fazer acontecer? É ele que vai ter o brilho nos olhos para convencer do diferencial da organização e é isso que vende.

Rede Agente - E os insucessos? Como lidar com eles?
Andrea – Eles podem ser de vários tipos como o produto não virar, a empresa desanimar ou a negociação ser interrompida no meio do caminho. O Conga, por exemplo, não virou em vendas. Não sei se foi uma dificuldade de comunicação do ponto de vendas, se foi uma questão de preço do produto. Neste momento é bom sentar junto com a equipe e avaliar a situação. Além disso, persistência é um valor. Uma resposta negativa não deve ser encarada como um fator desanimador, mas apenas como mais um desafio para chegarmos ao ponto final dos nossos objetivos.


Fonte: IDIS
ABCR, 12/08/09


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