terça-feira, 7 de julho de 2009

Entrevista: "Desmatamento zero é a mesma coisa que decretar que teremos muita miséria", diz pesquisador do Ipea

Em palestra polêmica realizada no dia 20 de junho, durante o último Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica), o ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Eustáquio Reis, defendeu os benefícios econômicos do desmatamento da Amazônia

Criticado pelos ambientalistas presentes no evento, o pesquisador concedeu uma entrevista ao Amazonia.org.br em que diz que devastar para o cultivo agropecuário na região amazônica compensa mais financeiramente do que manter a floresta em pé.

De acordo com ele, os pobres são os que mais desmatam e as políticas públicas devem garantir o enriquecimento da população local para que ela passe a valorizar o meio ambiente. Confira a conversa, a seguir.

Amazonia.org.br- O senhor se considera a favor do desmatamento devido aos benefícios econômicos de atividades que desmatam?
Reis- Não sou a favor do desmatamento, sou a favor da atividade agrícola e pecuária na Amazônia. O desmatamento na região é inevitável porque as pessoas não podem se dar ao luxo de abrir mão dos benefícios de riqueza, emprego, demanda por transportes, equipamentos e máquinas, gerados pela produção em locais como o norte do Mato Grosso. Os benefícios são maiores que os custos. A ocupação da Amazônia para a produção de soja tem limitações de ordem econômica e agroecológica, já que o grão não se desenvolve em áreas muito chuvosas. Já a pecuária tem muito menos limitações e atrai pequenos produtores que utilizam basicamente a pastagem natural. Então, você tem um dilema, já que há muitas famílias pobres que dependem da pecuária, como forma de acumulação de riqueza e podem ser tolhidas com as exigências ambientais.

Amazonia.org.br- Diante da crescente preocupação com o meio ambiente e o aumento das discussões sobre créditos de carbono no mundo, manter a floresta em pé não pode ser mais lucrativo para o Brasil do que desmatar?
Reis- Meus cálculos sobre isso, em geral, são criticados. Mas, de todas as maneiras, se você pensar em pecuária e soja na Amazônia, elas têm um beneficio muito maior do que o valor que se costuma pagar em créditos de carbono pela biodiversidade. Vão existir fatores automáticos de redução da devastação. Pois, à medida que a floresta for se tornando mais escassa, as pessoas vão passar a valorizá-la mais, preservando o bioma voluntariamente.

Também, à medida que você tiver pessoas ricas na Amazônia, elas começarão a dar mais valor ao meio ambiente. Não dá para você achar que uma pessoa pobre, com condições de vida precárias irá pensar que a floresta tem valor. Essa é uma questão absurda para ela, que tem que pensar em sobreviver. É preciso que haja uma classe média rural ao redor da Amazônia, para que as pessoas tenham também menos filhos e não usem a reprodução como mecanismo de acumulação. Geralmente, nas zonas rurais, a população tem muitos filhos, como maneira de garantir seu futuro e expandir sua capacidade de se apropriar da terra.

Amazonia.org.br- O senhor acredita na conciliação entre desenvolvimento econômico e conservação do meio ambiente?
Reis- Claro que todo esforço nesse sentido é bom. Você tem que educar as pessoas e dar condições de uso de tecnologia mais adequada, criar crédito, e oferecer possibilidades para que se possam adotar tecnologias e técnicas de manejo do rebanho mais eficientes. Para isso, deve ser feito o zoneamento agro ecológico e deve existir a reserva legal, mas não necessariamente 80%. Essa é uma legislação draconiana em termos de atividade agrícola. 80% são para inglês ver porque esse coeficiente é excessivamente alto e por isso não é cumprido. A soja é uma forma intensificada de produção. A mecanização que existe numa plantação é impressionante, é uma tecnologia que permite o uso de muito pouca terra para gerar riqueza, comparada com a pecuária ou culturas de subsistência.

Amazonia.org.br- Qual seria a porcentagem de reserva legal ideal para a Amazônia, na sua opinião?
Reis- Não sou especialista, mas acho que os 50% previstos anteriormente já são uma parcela relativamente alta. Se você implementar essa reserva está garantindo parcela razoável da floresta em vegetação primitiva, desde que haja mecanismo para se fazer isso. Hoje não há estrutura de fiscalização e monitoramento para que se cumpra a legislação ambiental. O custo da fiscalização é extremamente elevado. Então, não há por que demonizar os agricultores e pecuaristas da Amazônia que estão tentando sobreviver. O que você tem que esperar é que as pessoas enriqueçam, pois, se elas não enriquecerem, aí sim, a floresta vai ser comida. A miséria vai comer a floresta.

Amazonia.org.br- O que o senhor pensa sobre a afirmação da senadora Marina Silva de que a regularização fundiária da Amazônia irá beneficiar especialmente os grandes proprietários?
Reis- Eu concordo com ela. Sempre a Amazônia vai ser ocupada em grandes propriedades porque lá a terra é barata. A regulamentação do território amazônico, mais cedo ou mais tarde, acabaria sendo feita, por medida do governo ou por decisões do Judiciário. O problema maior é o que está sendo feito com as terras publicas. Não adianta dar titulo às pessoas e achar que isso vai conter o desmatamento. Os miseráveis, que a senadora diz que não serão beneficiados pela regularização fundiária, vão tentar chegar à Amazônia e se apropriar de recursos naturais, porque não têm propriedades e vivem em condições miseráveis.

Amazonia.org.br- O que o senhor pensa sobre a ideia do desmatamento zero, defendida pelos ambientalistas?
Reis- Não sou contra, mas acho que é utópico. Podem até defender, mas não há condição de isso acontecer porque teria que haver aparato de fiscalização e monitoramento. Também penso que não se podem negar às pessoas oportunidades de enriquecimento e melhoria de padrão de vida. Desmatamento zero é a mesma coisa que decretar que teremos muita miséria. Seria possível, se você pudesse remunerar todos que vivem do desmatamento na Amazônia. Temos entre 20 e 25 milhões de pessoas na Amazonia Legal, sendo que 12 milhões estão na área rural. Conter essas pessoas custaria muito caro. Essa ideia de que o pobre vai ajudar a preservar a Amazônia é sem sentido porque a pobreza só vai gerar desmatamento.

Amazonia.org.br- Se, por um lado, o senhor defende os ganhos econômicos da população mais pobre com a devastação, também não são os miseráveis que mais têm sofrido com as inundações decorrentes das mudanças climáticas?
Reis- Tenho dúvidas de que o clima seja afetado tão fortemente pelo desmatamento. Note que o desmatamento acontece no arco de desflorestamento, e as chuvas que afetaram a região Norte aconteceram em Manaus, onde supostamente não há desmatamento. Se as pessoas estão dizendo que há relação entre as duas coisas, têm que demonstrar isso. Está claro pra você que o desmatamento no Mato Grosso causa chuva em Manaus? Para mim não está claro. Não é só a Amazônia que causa o aquecimento global. E, se você parar de desmatar, o aquecimento global vai continuar, é claro.

Amazonia.org.br- Diante dos estudos que comprovaram a influência da Amazônia sobre regime de chuvas do Sudeste, continuar desmatando a floresta não poderá prejudicar a produção agrícola nessa outra região?
Reis- Eu acredito que pode ter efeitos sim, mas eu não acredito que os efeitos sejam de uma magnitude tão grande, quando penso que a Mata Atlântica foi extinta e o clima não se alterou tão significativamente assim. Não sou climatólogo, mas pergunto: por que a Amazônia tem tanta influência no clima e a Mata Atlântica não?


Fabíola Munhoz
Amazonia.org.br, 06/07/09


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br