terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Setor privado dá contribuições à reforma da Lei Rouanet

Cerca de 60 empresas, institutos e fundações de origem privada que investem em cultura apresentaram suas contribuições à reforma da Lei Rouanet, prevista pelo Ministério da Cultura (MinC) para o próximo ano. A troca de idéias ocorreu durante o 1º Fórum de Investidores Privados em Cultura (FIPC), realizado em Brasília, na semana passada, dia 1 de dezembro.

Realizado pelo GIFE, em parceria com CNI/SESI, SEST/SENAT e SESC Nacional, o Fórum contou com o apoio estratégico do Ministério da Cultura. Em caráter permanente, a iniciativa pretende gerar orientação e um maior alinhamento para a atuação das empresas no campo cultural, além de possibilitar a articulação com políticas públicas do Estado.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, que apresentou as possíveis mudanças da lei, foi categórico ao dizer que espaços como o FIPC são importantes para a consolidação de parcerias saudáveis entre setores. “A Lei teve uma importância enorme para a cultura no país, mas chegou o momento de mudá-la“, afirmou o ministro.

Após a palestra de Ferreira, os participantes foram divididos em grupos de trabalho para definir quatro grandes eixos de trabalho: os princípios que devem nortear a reforma da Lei, os pontos de discordância com as propostas apresentadas pelo MinC, o que falta ser incorporado no projeto e quais aspectos deveriam constar em um diagnóstico do atual cenário de políticas culturais.

“Estavam presentes na platéia os maiores usuários da Lei Rouanet no país, entre outros atores representativos do investimento em Cultura, tal como representantes centrais do poder público”, lembra o secretário-geral do GIFE, sobre o evento.

Mudanças
Por meio de sua apresentação, o ministro deixou claro que o Brasil vive no que chama de “aphartheid cultural”. Com base em dados do Ipea e do IBGE, ele concluiu que 92% dos brasileiros nunca freqüentaram museus, 93% não foram a uma exposição de arte e 78% jamais assistiram a um espetáculo de dança. Apenas 10% dos municípios possuem teatro, cinema, museus ou espaços multiusos. “Isso mostra nossa incapacidade de levar cultura à população”, criticou

Os dados foram acompanhados pela constatação de que, sozinho, o MinC não consegue dar conta da cultura do Brasil. “Embora nosso orçamento venha aumentado ano a ano, ele não passa de 0,6% do PIB. Qualquer país que leve sua cultura a sério investe pelo menos 1%”, acrescentou Ferreira, enaltecendo a importância da iniciativa privada e dos movimentos sociais.

Com esse contexto, o ministro apresentou as propostas de mudança. A primeira é para combater o que chama de concentração de recursos por regiões. Pelos números do MinC, o Sudeste recebe 55% dos investimentos – a região Norte recebe apenas 4%. Para isso, ele propõe o fortalecimento do Fundo Nacional da Cultura (FNC), “atualmente amorfo”.

Pelo seu discurso, o objetivo é setorizá-lo, criando o Fundo das Artes, do Patrimônio, do Livro e Leitura, e da Diversidade Cultural, Cidadania e Acesso. Essa divisão garantiria investimentos em todas as áreas (“com ou sem retorno”) com base em uma política nacional de Cultura.

Ao mesmo tempo, seriam estimuladas novas fontes de recursos para o FNC, incluindo nesse bojo, renúncia fiscal, agentes financeiros, investimentos privados, percentual nas extrações lotéricas federais, entre outros. “O fundo mimetiza a lei Rouanet”, declarou o ministro.

Outro ponto que deve mudar, se depender do MinC, é o percentual de renúncia dos projetos. Uma empresa, hoje, pode abater do Imposto de Renda até 100% (se declarar pelo lucro real) dos investimentos em cultura. A proposta, agora, é criar critérios para regular isso, para retirar o Lei Rouanet da centralidade da política brasileira de cultura, passando-a para um plano nacional estratégico.

“Quando mais orientado às políticas públicas, à democratização do acesso, à participação da sociedade, maior será a renúncia fiscal”, esclareceu o ministro. Isto é, criará uma espécie de pontuação – atrelada à política nacional - que definirá o percentual a ser deferido a cada projeto.

Para o advogado Eduardo Szazi, especialista em legislação do terceiro setor, o governo acerta nesse ponto. “A lei deve dar tratamento privilegiado às iniciativas que impliquem na oferta permanente de um bem cultural (restauro de bens tomados, museus etc), pois eles perpetuam o benefício cultural muito além do período de execução do projeto e se tornam elementos de amplificação do fluxo econômico, a partir do turismo cultural, beneficiando a economia como um todo”, afirma.

Szazi defende também, que o montante advindo da venda do produto cultural, em caso de superproduções, deve ser usado para ressarcir ao FNC o valor que foi utilizado pelos patrocinadores com uso de renuncia fiscal. “Em caso de sucesso de público, o lucro fica com o proponente somente após o ressarcimento do subsidio governamental”, pondera, embora a proposta do MinC não abarque essa idéia.

O ministro propôs também que institutos e fundações ligados a patrocinadores devem realizar pelo menos 20% de produções independentes. Ele pretende ainda aprovar um aumento do limite de investimento pela Lei Rouanet por pessoa física, que passaria de 6 para 10%.

Reação
O público participante reagiu com cautela sobre as proposições de Juca Ferreira, mas questionaram algumas das mudanças propostas, principalmente sobre os percentuais de renúncia. “Os investimentos não poderiam cair com essa delimitação?“, questionou João Leiva, da JLeiva Marketing Cultural, consultoria especializada no desenvolvimento de políticas culturais para empresas.

Segundo ele, o MinC deveria realizar pesquisas com as empresas para auferir com maior precisão os investimentos realizados sem leis de incentivo. “Seria importante que o ministério buscasse compreender qual o perfil das empresas com capacidade para realizar investimentos próprios”.

Pelo raciocínio de Leiva, as empresas com potencial de investimento por meio da Lei Rouanet inferior a R$ 4 ou 5 milhões, a contrapartida poderá significar o fim dos patrocínios. “Não é simplesmente por conta de uma isenção de 100% que uma empresa que não atua em Roraima fará algum investimento por lá. Até porque ela não terá como acompanhá-lo, avaliar sua qualidade, conhecer seu proponente”, considerou.

Nessa linha, a gerente do Instituto Cultural Uniminas (Usicultura), Eliane Parreiras, afirmou que a queda dos percentuais deveria ser gradual, para não evitar a fuga de recursos. “As pessoas devem se preparar para as novas regras.

O superintendente do Instituto Itaú Cultural, Eduardo Saron, lembrou, no entanto, que todas os números passados pelo MinC devem ser vistos com cautela, pois o ministério não fornece dados confiáveis sobre o tema. “Simplesmente, não temos informações. Como justificar uma política nacional a partir de dados tão pouco elaborados, que não fazem uma análise histórica para criar métricas e indicadores?”, argüiu.

O próprio ministro reconheceu as deficiências sobre indicadores e pesquisas no MinC. Mesmo o trabalho de seleção dos projetos, segundo ele, apresentam problemas graves. “Realmente, é muito precária a avaliação por parte do ministério”, assentiu.

Grupos
Os debates aqueceram os trabalhos dos participantes. Divididos em quatro grupos, eles chegaram a uma série de conclusões, mas com um eixo em comum: a transparência.

Para o advogado Fernando Ayres, relator do grupo que discutiu os princípios que deveriam nortear a reformulação da Lei, a transparência é fundamental, ao lado de democratização de acesso aos recursos, participação de diferentes públicos na sua definição e equidade para combater as diferenças regionais.

Já no segundo grupo, as inquietações de Eduardo Saron foram discutidas, ao definirem quais aspectos deveriam constar em um diagnóstico do atual cenário das políticas culturais. E, como o superintendente do Instituto Itaú havia levantado, a lista é grande.

Para o relator do grupo Jorge Muzy, da Muzy Corp, consultoria de desenvolvimento de políticas culturais para empresas, devem ser levantadas todos os índices sobre o uso da lei: quantos projetos foram patrocinados, quais receberam mais recursos, que setor investe mais em cultura e outra série de dados apresentados por segmento.

“Também defendemos a criação de relatórios específicos sobre prestação de contas para entender a eficiência do projeto e se ele está próximo a uma política local de cultura. Isso, além de sistema de georeferenciamento e impactos na cadeia produtiva”.

Para o levantamento de todos esses números, o grupo defendeu a criação de um departamento dentro do ministério para sistematizar, cruzar e disponibilizar esses dados. Embora não tenha sido consenso como seria o funcionamento (autônomo ou não ao MinC), essa estrutura geraria maior convergência da cultura com dados de outras pastas.

O maior controle dessas informações permitiriam ao MinC e, assim, a toda a sociedade, maior monitoramento dos projetos que captaram recursos. Para Maria Schirley Figueiredo, do SESI do Paraná, relatora do grupo 3, “deve se tornar pública a avaliação, aprovação e execução de todas as propostas, com monitoramento aberto”. Para ela, apenas dessa forma é possível saber se o recurso captado é bem empregado.

Maria Schirley foi relatora do grupo que discutiu o que os participantes discordavam da proposta de mudança da Lei apresentada pelo ministro. Em dois pontos chaves, ela afirmou que o orçamento do ministério deve ser de 2% do PIB faz-se necessário mais esclarecimento sobre o novo Plano Nacional de Cultura.

Por fim, um grupo levantou o que, na opinião dele, faltou incorporar na proposta. Como a ampliação do limite de isenção do IR de 4 para 6% para empresas que declaram seu lucro real, dentro de um limite de receita anual a ser fixado, e que investem pela Lei Rouanet. Ao mesmo tempo, estender o prazo para pessoas físicas destinarem recursos até na entrega da declaração do Imposto de Renda, hoje realizada até o final do ano fiscal 31 de dezembro.

Pediram também para que o MinC deixe claro na Lei a necessidade de contrapartida. Isto é, se uma empresa fizer uso dela, um percentual do gasto deverá vir de recursos não incentivados.

As conclusões dos grupos serão sistematizadas e encaminhadas ao ministro Juca Ferreira. “O Fórum aponta para uma convergência madura dos interesses públicos e privados. O Ministério está aberto às sugestões do setor e levará em conta as suas reivindicações”, garantiu o ministro.


Rodrigo Zavala
Newsletter redeGIFE, 08/12/08


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