terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Para bairro pobre, político usa Bolsa Família

Em São Paulo e Salvador, 60% dos participantes crê que político desvia dinheiro e usa programa em campanha, diz estudo premiado
Foto Unicef/ Mila Petrillo


Em dois bairros pobres de São Paulo e Salvador, 58% dos beneficiários do Bolsa Família acreditam que governos utilizem o programa em proveito próprio, sendo que 37% crêem que os políticos desviam dinheiro da iniciativa e 23% que a usam pra pedir votos em campanha. Os números são de uma pesquisa realizada por um centro de estudos mexicano e premiada em um concurso do governo federal para destacar artigos sobre o programa.

“Trata-se de um uso político indireto, que tenta ajustar políticas públicas para ter retorno nas eleições e não da compra votos e coação dos beneficiários, como acontece em várias regiões da América Latina”, afirma Felipe Hevia, autor do estudo Relações Diretas ou Mediadas? Participação cidadã e controle social no programa Bolsa Família.

O artigo — do Centro de Pesquisas e Estudos Superiores em Antropologia Social, do México — foi o primeiro colocado em um concurso do governo que selecionou pesquisas sobre o programa e ações municipais e estaduais que aprimorem a iniciativa. Os estudos participantes estão disponíveis na Biblioteca Virtual do Bolsa Família, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e do Centro Internacional de Pobreza, uma instituição de pesquisa do PNUD, resultado de uma parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

Entre junho de 2007 e fevereiro de 2008, a pesquisa analisou 71 questionários respondidos por beneficiários do Bolsa Família, sendo 37 de Cidade Tiradentes, em São Paulo, e 41 da favela Bairro da Paz, em Salvador, primeiro e terceiro municípios com maior número de beneficiários do Bolsa Família.

Entre os entrevistados, 57,9% avaliam que os políticos “tiram proveito do programa”. Deles, 37,2% acreditam que os governantes desviam dinheiro; 23,3% que usam o Bolsa Família para pedir votos e 14% que usam para fazer propaganda política; 9,3% crêem que os políticos se apossam da autoria do programa para atrair eleitores; 7% que enganam pessoas pouco esclarecidas e 4,7% que ameaçam de extinguir a iniciativa se não forem eleitos.

“Estes mecanismos indiretos não implicam necessariamente em práticas tradicionais de compra e coação de votos, mas representam uso político no sentido que as decisões são tomadas com fins mais eleitorais do que técnicos”, afirma o estudo. Uma das maneiras de angariar votos com o programa, segundo a pesquisa, é aumentar o número de beneficiários em períodos próximos às eleições.

“Uma das ações mais comuns de uso político indireto é a ampliação do padrão com fins eleitorais, como a ampliação do programa em localidades, Estados ou municípios, usando critérios partidaristas com o objetivo de, aumentando o corpo de beneficiários, aumentar a votação do partido de governo em uma zona determinada”, afirma o estudo.

É o que aconteceu em São Paulo e Salvador: Entre 2003 e 2007 os picos de crescimento no número de participantes do programa foram durante as eleições municipais de 2004 e as presidenciais de 2006, segundo a pesquisa. “Apesar de haver uma intencionalidade política, não há pesquisas que comprovem que essas estratégias diretamente virem votos”, avalia Hevia.

Participação Social
A percepção dos beneficiários sobre compra de votos e outros usos políticos do programa pode ser reduzida pela pouca participação que têm no controle e gestão do Bolsa Família, segundo o estudo. O desenho da iniciativa estabelece que determinadas instituições públicas realizem ações como cadastro das famílias e repasse do beneficio, e impede que organizações da sociedade civil participem desses processos, com fim de impedir a corrupção.

O estudo considera o modelo eficiente em evitar irregularidades como desvio de dinheiro e cadastro de pessoas sem o perfil do programa. Porém, diminui a participação social. “Assim se estabelecem instâncias de controle social de acordo com o sistema descentralizado e participativo de assistência social, onde se reconhece a ação coletiva, mas, ao mesmo tempo, o desenho de operação faz com que a intermediação seja mínima, altamente institucional, que as organizações civis tenham pouco espaço para atuar e menos espaço ainda para representar os beneficiários do Bolsa Família nas instâncias institucionalizadas de participação”, afirma o estudo.

Com a distância os beneficiários podem ter mais dificuldade de se defender de abusos de poder, como compra e coação de votos e podem ter mais trabalho para corrigir eventuais erros administrativos, como uma eventual troca de nome no cadastro, por exemplo, aponta a pesquisa. “As organizações sociais deveriam participar como pontos de informação sobre o programa. Mas não devem ficar responsáveis nem pelo repasse do dinheiro nem pelo cadastro, para evitar irregularidades”, avalia o autor.


Sarah Fernandes, da PrimaPagina
Pnud, Boletim nº 519, 15/12/08


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