quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Sustentabilidade requer novos modelos de aprendizagem

Empresas buscam formas de criar ambientes favoráveis à cooperação e diversidade de idéias para gerar soluções inovadoras.

Apesar de bem aceita, a idéia de que a construção de negócios sustentáveis requer que os indivíduos sejam educados para se reconhecerem como parte do todo e orientem suas ações com base nos impactos para as gerações atuais e futuras ainda desafia os modelos institucionais.

Departamentalizadas por natureza, as empresas têm dificuldades em proporcionar uma experiência de construção coletiva do saber, essencial para a inovação e sustentabilidade. “Tudo está mudando muito rápido. Precisamos de novos tipos de aprendizado, redes sociais e modelos de liderança, pois não será mais possível achar que as pessoas no topo das companhias ou governos terão todas as respostas de que precisamos”, analisa Jane Nelson, diretora do Centro de Iniciativa para Responsabilidade Social Empresarial da Universidade de Harvard.

As companhias que conseguem, aos poucos, superar modelos de gestão excessivamente verticalizados e pouco participativos têm sabido identificar novas oportunidades de negócios.

Com o intuito de estimular a integração e possíveis sinergias, a DuPont, por exemplo, reúne funcionários das mais variadas áreas, níveis hierárquicos e países em encontros anuais para discussão de projetos. Segundo John Jansen, diretor de fluoroprodutos, de pesquisa e desenvolvimento para América Latina, além dos funcionários, o evento conta com a participação de convidados externos que, juntos, selecionam cerca de 100 idéias. As propostas são avaliadas com base nos benefícios gerados para a sociedade em termos ambientais e sociais, assim como nas necessidades do mercado. De cinco finalistas, um projeto é escolhido para ser adotado pela empresa.

Foi justamente da experiência de geração coletiva de idéias que surgiu uma das mais interessantes e recentes soluções de negócio da empresa. Trata-se da SoleCina, elaborada a partir da combinação da proteína vegetal da soja com diferentes tipos de carne. Segundo Jansen, o produto foi criado após a identificação de uma necessidade da população mexicana da base da pirâmide, para a qual os altos preços da proteína animal inviabilizavam o consumo desse item essencial na alimentação Além de ser até 40% mais barata do que a proteína animal, a SoleCina, fabricada em parceria com a Solae Company, possibilita o desenvolvimento de produtos com menos gordura, calorias e sem colesterol.

A Braskem, detentora da tecnologia para fabricação do polietileno verde, apostou na criação de um banco de idéias para receber sugestões de projetos. Criado em 2004, o Programa de Inovação Braskem (PIB) conta com um software para auxiliar na avaliação das propostas. Com base em informações técnicas e comerciais, o sistema calcula a possibilidade de a sugestão ser transformada em produtos e serviços para o mercado. Segundo Luiz Fernando Cassinelli, diretor de inovação da companhia, atualmente, há 75 projetos em andamento nascidos no PIB. Outras 250 idéias aguardam seu lugar nesse portifólio verde.

Novo perfil profissional
Ao contrário do passado, quando o universo das conexões corporativas era, a rigor, o seu próprio umbigo, as empresas de hoje orbitam em torno de uma rede de relacionamentos muito mais diversa. Até menos de duas décadas, os públicos de interesse de uma corporação podiam ser contados nos dedos de uma mão. Hoje, além de funcionários, fornecedores, e clientes, entraram no jogo comunidades, investidores, lideranças comunitárias, governos, organizações não-governamentais, formadores de opinião, grupos de pressão locais e nacionais e até mesmo indivíduos mais atentos e dispostos a disseminar suas eventuais insatisfações pela Internet.

Uma complexa rede de relacionamentos como esta pode ser regida de modo a estabelecer benefícios comuns. Mas não se trata de uma tarefa simples. Requer, além de uma nova forma de gestão, mais transparente e atenta, um time de profissionais preparados para escutar, filtrar e incorporar os pontos de vista das partes interessadas na maneira de pensar e fazer negócios.

Nos últimos dois anos, a Aracruz, recentemente adquirida pela Votorantim, tem centrado esforços no treinamento de funcionários para o relacionamento com a sociedade. “Como a Aracruz é uma empresa florestal com unidades distribuídas em mais de 120 municípios, os profissionais da empresa se relacionam com diferentes tipos de comunidade. Por isso, é importante que desenvolvam a habilidade de construir pontes entre a empresa e a sociedade em diferentes situações”, afirma Carlos Alberto Roxo, diretor de sustentabilidade.

A empresa também tem buscado profissionais com essa competência no mercado. Segundo Roxo, a formação não é o fator mais importante no processo de seleção, mas sim as experiências que o profissional acumulou ao longo de sua trajetória. Para exemplificar, ele conta um exemplo registrado em seu próprio departamento. “Demoramos seis meses para contratar um gerente de sustentabilidade. Só depois fui descobrir que era jornalista. A experiência que ele acumulou por meio de projetos realizados na Amazônia e junto a órgãos governamentais foi determinante para a sua contratação. Além de sólida formação, buscamos profissionais que não sejam apenas resolvedores de problemas, mas capazes de encontrar respostas a partir do relacionamento com diferentes públicos de interesse”, ressalta.

Entender a realidade do outro não é tarefa fácil e demanda, segundo Jansen da DuPont, a ruptura de paradigmas. “O profissional precisa ter a predisposição para entender a fundo a dinâmica das diferentes partes interessadas, além de iniciativa para vivenciar a realidade do outro. Não adiante ler um monte de coisas. É preciso estar lá, conversar e escutar”, explica.

Jansen destaca ainda o espírito empreendedor como competência essencial do profissional para fazer conexões entre as soluções criadas e as necessidades da sociedade. “É interessante observar que o tipo de profissional que se dá melhor nessa área, normalmente, desenvolveu a inteligência emocional, o lado direito do cérebro, área à qual as instituições de ensino não têm se dedicado muito”, completa.

Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), Rodrigo Rocha Loures reforça que a inovação social é uma competência a ser desenvolvida. “A inovação voltada para a sustentabilidade depende de habilidades pessoais, como, por exemplo, a de aprender a aprender, aprender a entender, a se relacionar, a fazer coisas em conjunto, conhecer a si próprio e ter a compreensão do contexto onde se situa. O desafio seguinte é transformar esses conhecimentos em produtos e serviços sustentáveis”, aposta.

A ponte entre a teoria e a prática
Outro caminho para o desenvolvimento de novas soluções se dá a partir de parcerias com universidades. Recentemente, a Braskem lançou o primeiro polietileno verde produzido com o uso da cana-de-açúcar em substituição à nafta, derivada do petróleo. A descoberta contou com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “É preciso buscar o conhecimento onde ele está, principalmente nos casos em que são muito específicos. A open innovation oferece essa possibilidade de troca de informações não só com universidades, mas também com outras empresas que não concorrem no mesmo mercado. A principal vantagem é a divisão dos custos da pesquisa”, afirma Cassinelli. Este modelo de cooperação permite que empresas comprem ou licenciem processos de inovação (como patentes) de outras organizações.

Segundo Jansen, da DuPont, a inflexibilidade das universidades em relação a propriedade intelectual dificulta o avanço dessa modalidade de pesquisa no Brasil. “Hoje em dia a inovação fica cada vez mais cara. Normalmente, a cada mil idéias, 100 são efetivamente transformadas em projetos, 10 conseguem atingir a fase de testes e apenas uma chega ao mercado. A colaboração entre empresas e universidades dilui os riscos e aumenta as chances de sucesso da inovação. No entanto é preciso assegurar o retorno financeiro para as empresas. Os resultados da inovação que vingou precisam compensar todo o investimento destinado às outras 1000 idéias malsucedidas. As universidades brasileiras resistem em ceder a patente ainda que 100% do seu desenvolvimento tenha sido financiado pela empresa”, exemplifica Jansen.

A Embraco, por sua vez, mantém parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 1982, por meio de convênios de pesquisa que se renovam periodicamente. A primeira grande conquista da mais longa união entre iniciativa privada e academia de que se tem notícia no País foi a fabricação, em 1987, do primeiro compressor com tecnologia 100% nacional.

De dentro pra fora
Pioneiro na capacitação de seu corpo de funcionários com a criação das “Oficinas de sustentabilidade” em 1991, o Banco ABN Anro Real também inovou ao levar a experiência obtida a partir da vivência desse conceito na empresa a clientes e parceiros de negócio.

O programa “Práticas em sustentabilidade” teve início em 2001 com a realização de workshops sobre o tema com fornecedores para troca de informações e experiências. Hoje, o banco também disponibiliza um endereço na internet para ampliar o alcance com o público externo. O blog Práticas disponibiliza o acesso a um banco de iniciativas de implementação da sustentabilidade, uma biblioteca com documentos de referência e cursos online.

O Real apostou na troca de experiências e informações para construção conjunta de conhecimentos, reconhecendo a importância da colaboração na economia contemporânea. “Os indivíduos têm que ser protagonistas, o que pressupõe olhar para o novo, reconhecendo que não sabemos tudo e temos muito a aprender. Podemos não ter todas as repostas, mas não temos medo das perguntas”, afirma Carla Bardaro, superintendente de desenvolvimento sustentável do Banco ABN Anro Real.

Desafios da educação voltada para a sustentabilidade
* Desenvolver ambientes de construção coletiva do saber
* Criar estruturas descentralizadas que proporcionem sinergias entre diferentes áreas do conhecimento
* Estabelecer relações de confiança
* Formar indivíduos integrais que pensam e ajam em um contexto global
* Proporcionar o autoconhecimento
* Valorizar a diferença


Juliana Lopes, da Revista Idéia Socioambiental
Envolverde, 08/10/08
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