quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O poder da ONG dos empresários

De onde vem a influência do Lide, que em apenas cinco anos reuniu os presidentes de 500 grandes empresas em torno dos seus eventos e se tornou uma espécie de Fiesp dos novos tempos

PPPRRRIIIIII!!! Quando trila o apito, centenas de homens e mulheres acostumados a mandar simplesmente silenciam. E obedecem. Normalmente, eles são os chefões. Quando se reúnem no Grupo de Líderes Empresariais, o Lide, se transformam. "É sempre um momento impressionante", afirma Roberto Cortes, presidente da Volkswagen Caminhões, que já presenciou a cena dezenas de vezes nos últimos anos e, ainda assim, não deixa de se surpreender. "Aquele conjunto de executivos que vivem de dar ordens de repente se torna um disciplinado exército". Por trás do apito de ouro - um presente do industrial Pedro Eberhardt, dono da Arteb -- e da façanha está o empresário João Doria Jr., criador da entidade e comandante do improvável pelotão de elite do mundo corporativo. Seu feito mais impressionante não é, no entanto, o de atuar como o rígido mestre-de-cerimônias (um papel sempre lembrado grupo) nos mais de 100 eventos organizados pelo Lide a cada ano. A grande obra é o próprio Lide. Com apenas cinco anos de idade, a entidade é hoje uma das mais influentes vozes do capitalismo nacional, reunindo os presidentes de mais de 500 grandes corporações que, somadas, têm o peso econômico correspondente a 44% do PIB privado brasileiro. Com uma atuação que muitas vezes lembra um grande clube exclusivo para presidentes de empresas e que rapidamente se transforma em um sério plenário para discussões dos grandes temas nacionais, é hoje uma espécie de alternativa às tradicionais instituições do empresariado, como as federações de indústrias e do comércio.


Será o Lide a Fiesp do futuro? "Não temos a intenção de nos sobrepor a entidades históricas, que realizam com muito valor o seu trabalho de defender os interesses dos setores que representam", diz Doria, diplomático. O fato, porém, é que os encontros promovidos pelo Lide têm, nos últimos anos, oferecido aos grandes executivos uma fórmula mais atraente e produtiva de convívio que as vetustas instituições classistas. Com uma rara, complexa e bem-sucedida combinação lazer e reflexão, família e trabalho, descontração e formalidade, a ONG dos empresários conquistou adesões e uma fidelidade incomum a quem luta para conseguir algum espaço livre na agenda. Não importa a hora, não importa o local, não importa o traje. Pode ser um convescote, de bermuda, à beira da piscina em Comandatuba, ou um almoço engravatado com o presidente da República em São Paulo, evento do Lide é sinônimo de casa cheia. E sempre com o primeiro escalão das empresas. Qual o segredo de tamanha assiduidade? Responder a essa pergunta é quase como decifrar o enigma do ovo e da galinha: os empresários vão ao Lide por causa do poder crescente da instituição ou a influência do Lide aumenta a cada dia por que a nata do setor privado está sempre lá, chova ou faça sol?

Qualquer resposta que se dê, nesse caso, estará correta. Pragmático e direto, o próprio Doria resume as razões de seus associados a um balanço, como o das empresas que cada um deles dirige: "Todos investem tempo e dinheiro para estar no Lide. Não se trata de um passeio bem organizado. Eles vão aos eventos em busca de resultado". Em outras palavras, pode-se dizer que o Lide é um clube com fins lucrativos. Ali, ninguém se envergonha em admitir que as relações "interesseiras" são o combustível básico da convivência com os outros associados. "A primeira coisa que enxergamos ao ingressar no Lide foi a oportunidade de fazer relacionamentos que levassem, no futuro, à concretização de novos negócios", conta José Jacobson Neto, vice-presidente do grupo GP Guarda Patrimonial, um dos maiores do País no setor de segurança privada. "Na nossa área, as relações de confiança são fundamentais e isso só se obtém no contato direto, olho no olho, como temos no Lide. Participando do grupo, passamos a ser conhecidos nas maiores empresas do País". Jacobson tem na ponta do lápis o "efeito Lide" na empresa: há quatro anos, quando se juntou à ONG, 4,5% do faturamento da empresa provinha de contratos com outras empresas associadas; hoje, elas respondem por 23% da receita.

A criação de um ambiente fértil à troca de experiências e à geração de negócios entre executivos está na gênese do grupo. O Lide é, na verdade, fruto de uma idéia que Doria teve há 14 anos para estreitar seus laços com os patrocinadores do programa de tevê ShowBusiness, que apresenta até hoje. Ele convidou os presidentes de oito empresas e suas esposas para um fim de semana no Club Méd, em Angra dos Reis. "A experiência foi tão rica que repetimos no ano seguinte, mas já com 16 casais", lembra. Depois disso, a palavra de ordem foi multiplicação. Primeiro, na quantidade de participantes - os principais eventos do Lide chegam a reunir mais de 700 pessoas. Depois, na de formatos. A reunião de casais passou a ser realizada no Exterior e virou Meeting Internacional, em seguida foi criado o Fórum de Comandatuba, que deu origem ao Lide, que diversificou suas atividades e hoje organiza desde seminários e almoços mensais com autoridades a eventos gastronômicos e esportivos. E, finalmente, na profusão de temas. Aos encontros de relacionamento foram se somando causas, como a defesa da ética, a disseminação de boas práticas de gestão e a melhoria da educação pública. Assim, a marca Lide virou âncora para uma série de novas empreitadas - Lide Gastronomia, Lide Esportes, Lide Sustentabilidade, Lidem (braço feminino do grupo), JLide (que reúne os jovens líderes), Lide EDH (Empresários para o Desenvolvimento Humano, com foco na execução de programas sociais) -, ganhou versões regionais - Lide Rio e Lide Sul - e ambiente propício para experiências vencedoras como o Family Workshop, evento anual que reúne, durante um fim de semana, os executivos, suas mulheres e seus filhos. "Em todos esses anos e eventos o mote foi o mesmo, fortalecer o relacionamento entre dirigentes de empresas", afirma Doria. "Além disso, a presença permanente das esposas e das famílias ajuda a criar um ambiente ainda menos formal e ajuda a criar vínculos entre os empresários", afirma Afonso Celso de Barros Santos, presidente da locadora Avis. "É sempre melhor fechar negócio com alguém em quem confiamos".

Os relacionamentos são o ponto inicial de uma produtiva ciranda. Barros, da Avis, e Jacobson, do GP, por exemplo, tornaram-se parceiros - a empresa de segurança usa carros da locadora, que contrata serviços da primeira. Mais que isso, hoje são amigos. "O CEO normalmente é um sujeito solitário", analisa Cortes, da Volks. "No ambiente do Lide, encontra gente semelhante, com quem pode trocar experiências e afinidades". Concentração tão grande de pesos pesados do mundo corporativo despertou a atenção do poder político, também interessado em girar nessa ciranda. Com isso, o Lide se transformou numa eficiente plataforma para interlocução entre o público e o privado, uma parada quase obrigatória para as autoridades que procuram diálogo com os empresários. Lula, por exemplo, já se deslocou a São Paulo especialmente para debater com o grupo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também esteve lá. Ministros, governadores, prefeitos e parlamentares são presença constante nos eventos do grupo. Sabem que encontrarão gente com posições firmes e disposta a cobrar ações efetivas, principalmente em questões como a tributária e a da educação. "Diferentemente do que ocorre em outras associações, quando as autoridades vêm ao Lide, falam menos e ouvem mais", constata Barros. Mas têm também consciência de que podem sair ganhando. No contato direto com os empresários, podem conquistar investimentos para suas cidades ou Estados, abrir portas importantíssimas no meio privado. "Hoje há fila de governadores querendo se aproximar do grupo e levar para o seu Estado a experiência e as verbas do EDH", conta a empresária Chieko Aoki, presidente do Lidem e do grupo hoteleiro Blue Tree. O caso do EDH é emblemático. Numa parceira com o Instituto Ayrton Senna, a entidade iniciou pelo Estado de Pernambuco um projeto de investimento na qualificação da gestão nas escolas públicas. Em quatro anos, o grupo já investiu R$ 20 milhões, todos colhidos em leilões beneficentes em eventos do Lide. No último Fórum de Comandatuba, em maio passado, não levou mais que dez minutos para que a empresária Viviane Senna levantasse R$ 6 milhões para a causa. "Somos muito rápidos. É um grupo que quer fazer, não fica só na reflexão", define Doria.

O leilão de Viviane é um dos mais completos exemplos de como funciona o clima de ganha-ganha que leva empresários, autoridades e até artistas ao Lide. Em 2007, José Talarico, vice-presidente da Pepsico, aproveitou a presença no Fórum de Comandatuba para uma conversa reservada com o governador da Bahia, Jaques Wagner. Falou dos planos de expansão da companhia, que incluíam a construção de uma nova fábrica de alimentos, investimento estimado em US$ 25 milhões. Wagner não perdeu tempo. Ali mesmo prometeu benefícios para que a unidade fosse instalada na cidade de Feira de Santana. Em 2008 os dois se reencontraram no evento, já para discutir a data de lançamento da fábrica. Talarico, então, vislumbrou outra oportunidade. No leilão, preencheu um cheque de R$ 250 mil para arrematar um show da cantora Ivete Sangalo, que será a estrela da festa em Feira de Santana. O dinheiro do cachê foi para o caixa do Instituto Ayrton Senna. "É a triangulação perfeita entre o interesse público, o privado e a área social", comemora Talarico. "Não há outro ambiente no País em que essa relação com o poder seja possível de forma tão direta."

A contabilidade da participação no Lide tem, para a imensa maioria dos membros de grupo, saldo positivo. Ouve-se aqui e ali queixas, nada contundentes, sobre o pendão de Doria de transformar em evento até mesmo confraternizações propiciadas pela integração do grupo. Há anos, por exemplo, o próprio Doria era o anfitrião, em sua casa, de uma pelada semanal, da qual participavam associados do Lide. Como tudo que ele organiza, dos vestiários ao estado do gramado, tudo era impecável, mas informal. O interesse da turma cresceu tanto, porém, que o líder do Lide vislumbrou uma oportunidade. A pelada virou um torneio corporativo e foi parar no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. E aí, tome-se cota de patrocínio - em cada evento do Lide, não há atividade que não seja bancada por verbas das empresas. "Daqui a pouco estaremos maiores que o Campeonato Brasileiro", ironiza um dos participantes. O custo da brincadeira sobe, pode haver chiadeira, mas a sensação de que um gol pode sair a qualquer momento no campo dos negócios mantém a bola em jogo. É esse sentimento que faz o apito de ouro de Doria soar mais alto. E os craques do empresariado silenciarem quando ele trila.


Luiz Fernando Sá
ISTOÉ Dinheiro, 05/09/08


Um comentário:

PACTO AMAZONICO disse...

Matéria muito interessante. Pois passa-se a saber que a boa vontade não terminou...



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