segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mapa da gestão cultural

Com atuação decisiva para o sucesso de projetos culturais, a gestão exige cada vez mais a profissionalização de proponentes, soluções criativas para captação de recursos e idéias inovadoras que driblem os entraves à produção cultural no Brasil, tanto nas esferas públicas quanto nas privadas. Mas não é sempre que essas três condições, altamente desejadas, se juntam e se consolidam na gestão de projetos. Ainda dando os primeiros passos no mundo e, principalmente, no Brasil, a formação de gestores geralmente ocorre por meio da prática, com exemplos que se valem mais dos erros e tropeços na busca por futuros acertos e caminhos do que de fórmulas e conhecimentos já testados e catalogados. Sem muitas referências ou escolas especializadas no tema, o País sofre com a carência de capacitação.

Esse quadro de formação baseado eminentemente no senso comum da gestão cultural brasileira começou a mudar no início dos anos 80. Com as transformações sociais do setor, decorridas principalmente da promulgação das leis de incentivo (Lei Sarney e Lei Rouanet), o reconhecimento do gestor começou a mudar. E não foi apenas a classe artística que voltou seu olhar para o papel decisivo desse novo profissional. Mesmo as empresas, interessadas na possibilidade de financiamento cultural por renúncia fiscal, passaram a demandar profissionais que pudessem elaborar ou selecionar projetos culturais mais bem estruturados, com planejamento e competências que eram comuns nas demais áreas de administração.

Um novo mercado surgia e a cultura passou a ser utilizada como moeda de valor simbólico para as empresas, que podiam se valer do marketing cultural para melhorar sua reputação junto à sociedade. Esse novo cenário exigia, cada vez mais, novas relações de trabalho e a profissionalização imediata daqueles que seriam responsáveis por executar e gerir projetos. A demanda latente por capacitação propiciou um boom de cursos que instrumentalizavam o “operador” da cultura para lidar com a burocracia das leis de incentivo ou para atuar nos bastidores de diversas outras áreas ligadas ao setor cultural.

Entretanto, o conhecimento ainda está concentrado nos eixos principais do País. Doutora em Cultura e Informação pela Universidade de São Paulo – USP, a professora Liliana Sousa e Silva acredita que a tendência da profissionalização, comum tanto nas esferas públicas quanto privadas, tende a crescer em um ritmo maior do que o da proliferação dos cursos e iniciativas de formação na área. “Para responder a essa crescente demanda, faz-se necessário ampliar ainda mais a oferta de cursos e oficinas para a capacitação de agentes e gestores culturais, em diversos níveis de formação. O intuito seria fortalecer a atuação desse profissional e incrementar suas atividades, qualificando-os para elaborar, planejar, gerir e captar recursos que viabilizem projetos e programas em nível local, regional, nacional ou mesmo internacional. No entanto, a área de formação de gestores de cultura é de criação recente e o número de cursos ainda é pequeno e concentrado em algumas regiões”, afirma.

As dificuldades na gestão se acentuam uma vez que não há modelos preestabelecidos nem fórmulas mágicas. “O gestor deve construir políticas a partir de diagnósticos do cenário cultural em questão, identificando demandas, potencialidades, desejos e fragilidades locais, assumindo, desta forma, um papel de mediador que opera numa perspectiva generalista entre os diversos atores, corpos disciplinares e especialidades postos em jogo nas distintas fases dos processos culturais”, salienta Liliana.

Gestão de sucesso
Caso exemplar desse tipo de atuação é o Grupo Ponto de Partida, de Barbacena, Minas Gerais. Criado há 28 anos, o Ponto de Partida construiu uma sólida estrutura e organização, formou e cativou público e mobilizou a comunidade de seu entorno, firmando parcerias duradouras com diferentes esferas. Parte dessa atuação bem-sucedida pode ser atribuída à forma inovadora de sua gestão e à maneira criativa com que enfrentou os desafios.

Com um amplo repertório teatral, o grupo tornou-se uma companhia itinerante e independente, formada por 20 profissionais em exercício permanente e por 26 espetáculos montados. Mas as passagens pela África, Europa e quase toda a América do Sul, permitiram ao Grupo aglutinar profissionais das mais diversas áreas e centenas de jovens em busca de formação, em sua Universidade de Música Popular. Em seu escopo também há espaço para a atuação social.

Para a diretora do Grupo, Regina Bertola, que acabou de retornar da Alemanha, onde apresentaram o espetáculo Travessia em Görlitz, parte do reconhecimento obtido ao longo dos anos é atribuído a algumas decisões e ao processo de gestão do Ponto de Partida. “Fizemos opções que determinaram nosso caminho. Entre elas, não nos mudamos de Barbacena e seguimos na contramão da produção cultural brasileira, que há muito já havia definido seu endereço e suas vitrines. Mas isso não significa que aceitaríamos os limites da província e, sim, que seríamos viajantes e hospedeiros. Essa postura exigiu originalidade, trabalho e competência, e norteou nossas diretrizes de trabalhar com pesquisa, principalmente da cultura brasileira”, explica.

Idéias originais como a criação da própria Universidade, do CAPP – Clube de Amigos do Ponto de Partida, que reúne colaboradores que fazem doações em prol da manutenção da organização, e do Banco Cultural, um banco em que é depositado parte do cachê dos artistas para manter a sustentabilidade do Grupo, são exemplos práticos de inovação na captação de recursos e méritos atribuídos à gestão eficiente do Projeto. Essas iniciativas fizeram do Ponto de Partida um exemplo de gestão cultural, que utiliza meios inovadores e criativos para manter-se em ascensão. Atualmente, o Grupo estimula a criação de novos grupos pelo Estado, promove intercâmbios com vários movimentos e repassa os processos, métodos e tecnologias que incorporou em sua jornada.


Boletim da Democratização Cultural - Edição 40, 11/09/08


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