quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Desenvolvimento: Imagine um mundo livre da necessidade de ajuda

A idéia de um mundo em que os ministérios europeus de assistência ao desenvolvimento fechem as portas porque os países do Sul já não necessitam deles soa como utopia. Mas, é o que têm em mente mais de mil funcionários de nações doadores, países pobres e agências multilaterais de desenvolvimento que iniciam hoje em Accra, capital de Gana, o Terceiro Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda. O encontro, organizado pelo Banco Mundial e Banco Africano de Desenvolvimento e pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), reúne ministros, diretores de agências multilaterais e organizações não-governamentais de mais de cem países. Os participantes analisarão os resultados da ajuda para o desenvolvimento e irão sugerir mudanças para conseguir o melhor possível com o dinheiro destinado a esse fim, para construir economias sustentáveis e tirar as pessoas da pobreza.

Tomando como referência a Declaração de Paris de 2005 sobre a eficácia da ajuda, os participantes do Fórum avaliarão como doadores e receptores estão trabalhando associadamente para atingir os objetivos de desenvolvimento. “A Declaração promove um modelo de associação que melhora a transparência no uso dos recursos para o desenvolvimento. Reconhece que para se conseguir uma ajuda realmente eficaz e mais equilibrada são necessários mecanismos de prestação de contas em diferentes níveis”, disse à OCDE, que reúne 30 países ricos e duas economias emergentes, a Coréia do Sul e o México.

No encontro de Accra, os participantes avaliarão se os doadores estão oferecendo financiamento previsto e de longo prazo, coordenando os esforços de desenvolvimento entre os governos nacionais, incluídos os das nações receptoras, e avançando para a supressão da condicionalidade da ajuda. Os organizadores disseram que também será analisado se os países que recebem os fundos estão assumindo “suas próprias necessidades de desenvolvimento, trabalhando com seus parlamentos e a sociedade civil para fixar objetivos e estabelecer os meios que permitam alcançá-los”.

Entre os documentos que serão debatidos está a Agenda de Accra para a Ação, e que, se não houver inconvenientes, será adotada por unanimidade na próxima quinta-feira (4), último dia das deliberações. Em eu parágrafo final afirma que “hoje, mais do que nunca, resolvemos trabalhar em conjunto para ajudar os países de todo o mundo a construir um futuro de sucesso que todos queremos ver, um futuro baseado no compromisso compartilhado de superar a pobreza e no qual não há nações que dependam da ajuda”.

Esta promessa será parte do pacote que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apresentará aos líderes mundiais que assistirão em Nova York um encontro de alto nível, no próximo dia 25, e na Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que se reunirá em Doha entre 20 de novembro e 2 de dezembro. Estará acompanhado por uma mensagem que enfatizará a necessidade de converter em realidade a utopia de um mundo “livre de ajuda”. Yash Tandon, diretor-executivo do Centor Sul, instituto de estudos intergovernamental de países em desenvolvimento com sede em genebra, tem sérias dúvidas de que esse objetivo possa ser alcançado um dia.

“O tema da eficácia da ajuda foi colocado na agenda global por três razões fundamentais. Uma é a necessidade de simplificar a racionalizar o complexo sistema de administração e reduzir os custos de transação”, escreveu Tandon em um artigo publicado pelo jornal de Nairóbi, Business Daily. A segunda, acrescentou, é que os cidadãos das nações doadoras perguntam por que seus governos estão dando “tanto dinheiro” à África, por exemplo, apesar da corrupção, das violações dos direitos humanos e dos poucos avanços na luta contra a pobreza. “Em terceiro lugar, a atual arquitetura da ajuda está dominada pelos países ricos da OCDE e, portanto, sofre um sério déficit de legitimidade democrática”, disse Tandon.

A seu ver, a conclusão é inevitável. “Com o pretexto de tornar mais eficaz a ajuda, o projeto da Declaração de Paris é uma forma de colonialismo coletivo dos doadores do Norte sobre os países do Sul que, devido à sua vulnerabilidade e psicologia da dependência, se submeter a ele na conferência de Accra”, afirmou Tandon. Por sua vez, a confederação de organizações não-governamentais Concord, com sede em Bruxelas, destacou que “os políticos realizam promessas de melhora da ajuda aos pobres, mas a falta de progresso nesses compromissos implica que sua credibilidade se encontra em jogo”.

Dados oficiais da OCDE revelam que praticamente não houve avanços rumo aos objetivos da Declaração de Paris. Os doadores melhoraram sua coordenação para realizar pesquisas e missões conjuntas, mas, a ajuda ficou menos previsível, disse Concord. Um informe de um dos integrantes da conferência, a Eurodad, mencionou alguns exemplos de casos em que as coisas saíram como era esperado. A totalidade da ajuda da Grã-Bretanha a Moçambique figura no orçamento desse país, a Irlanda oferece apoio direto a organizações da sociedade civil em Honduras para trabalhos de auditoria social e a União Européia agora assume compromissos de ajuda com prazo maior.

Mas as deficiências são muitas, alertou Eurodad. Por exemplo, apenas um quarto da ajuda do Banco Mundial a Moçambique é dado como programa de ajuda e o restante através de projetos individuais, enquanto a França financia suas contribuições para esse país reciclando os pagamentos do serviço da divida externa que Moçambique realiza. Além disso, “apenas um terço dos projetos de ajuda técnica da Comissão Européia (órgão executivo da UE) tiveram ou têm possibilidades de sucesso”, segundo uma análise da Corte Européia de Auditores.

Por outro lado, diz o documento da Eurodad, a Espanha condicionou seu alivio da dívida de Honduras à sua implementação por parte de empresas ou organizações espanholas. Em Malawi, os doadores estabeleceram 69 unidades de projeto paralelas aos sistemas governamentais e 30 delas estão dirigidas pela Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (Usaid). Em Mali, o Banco Mundial condiciona sua ajuda à privatização de empresas públicas, o que influência a conduta de outros doadores.

Segundo Concord, grande parte da ajuda está motorizada pelas prioridades e pelos interesses dos doadores, o que pode afetar a prestação de contas democráticas nas nações que a recebe deixando-se de lado as necessidades dos pobres. “Os doadores tomam decisões que afetam as vidas das pessoas nas nações pobres. Um passo fundamental para conseguir que a ajuda seja mais eficaz e que exista prestação de contas é que decidam adotar os padrões internacionais de práticas transparentes na conferência de Accra’’, disse Jessé Griffiths, da ONG ActionAid.

Apesar das promessas de reformas, a maioria da ajuda debilita os sistemas dos países em desenvolvimento, estabelecendo estruturas paralelas controladas pelos doadores e aplicando condições que promovem seus interesses econômicos e de política externa. “Sabemos que os doadores têm o poder de desbloquear muitos dos obstáculos. Se não assumirem compromissos concretos em Accra para modificar a forma com agem, o resultado será mais falta de ação e maior ineficiência”, disse o presidente da Concord, Justin Kilcullen.

Para Kilcullen, a União Européia tem a responsabilidade de garantir que na reunião em Accra sejam adotadas ações para melhorar a transparência, por fim aos condicionamentos políticos para a concessão da ajuda e garantir que atenda as necessidades das pessoas às quais está dirigida. O grupo ISG, que dirige as atividades de organizações da sociedade civil, disse em um documento que a Declaração de Paris fixa uma inconclusa e estreita agenda de reformas, que ignora o papel dos cidadãos e dos grupos da sociedade civil com atores do desenvolvimento, com uma longa tradição de organizar iniciativas políticas, sociais e econômicas a favor dos pobres.

Nesse documento, propõe mudanças em quatro áreas, para que a ajuda tenha um impacto real sobre a pobreza. Diz que se deve compreender o papel da sociedade civil com ator do desenvolvimento, ajustar o enfoque dos doadores a um entendimento mais profundo das modalidades da ajuda aos pobres, resolver as tensões entre o controle local e os condicionamentos dos doadores e garantir a realização de avaliações independentes sobre os progressos.

As organizações da sociedade civil também consideram que se deve cancelar em sua totalidade a divida externa dos países em desenvolvimento e que as nações ricas devem cumprir sua promessa de destinar 0,7% do produto interno bruto à ajuda oficial ao desenvolvimento (AOE). As nações ricas assumiram o compromisso de levar a AOE a esse nível em 1970 e o ratificaram no congresso de Monterrey de 2002, mas, muito poucas cumpriram essa promessa, afirma o documento. (IPS/Envolverde)

Leia também: "Desenvolvimento: Uma agenda e muitas dúvidas" - http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=51361&edt=1


Ramesh Jaura, da IPS
Envolverde, 02/09/08
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