quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Accountability sociambiental: uma nova forma de promover mercados sustentáveis

O que um pequeno produtor brasileiro, uma grande rede varejista norte-americana, um consumidor e um ativista europeu podem ter um comum? No antigo paradigma de fazer negócios, pouca coisa. Mas no novo estágio de accountability socioambiental, defendido pelo economista norte-mericano Michael Conroy, esses agentes nunca estiveram tão próximos. O autor de “Branded - How the certification revolution is transforming global corporations (Marcado! - Como a revolução das certificações está transformando corporações globais, que será lançado no Brasil em outubro) defende que a adoção de sistemas de certificação representa uma nova fase na responsabilidade social corporativa.

“A certificação é, a meu ver, a base a partir da qual se pode saltar do estágio da responsabilidade social corporativa para o que chamo de accountability socioambiental. (...) A verificação de uma terceira parte independente, faz com que a companhia se comprometa com padrões negociados pelas várias partes interessadas”, ressalta.

Em entrevista exclusiva a repórter Juliana Lopes, de Idéia Socioambiental, Conroy avaliou as conquistas e avanços necessários em relação aos mecanismos de adesão voluntária.

Idéia Socioambiental – Como e por que as certificações estão revolucionando as corporações globais?
Michael Conroy - O que chamo de revolução das certificações está tomando forma por causa de três fatores. O primeiro consiste na realização de campanhas de marketing pelas organizações da sociedade civil para convencer as companhias a aumentar seus padrões sociais e ambientais. Segundo, a criação dos sistemas de certificação, como o do Marine Stewardship Council (MSC), o Forest Stewardship Council (FSC) e o Fairtrade (comércio justo). No passado, tivemos várias campanhas para as empresas mudarem suas práticas, mas não havia consenso entre os ativistas sobre qual direção elas deveriam tomar. Um sistema de certificação com a participação dos representantes de ONGs cria uma série muito clara de metas e alvos para as mudanças de hábitos que se quer ver nas corporações. Já o terceiro fator refere-se ao fato de que, dentro das companhias, quase sempre existe uma pessoa que se torna um campeão em altos padrões, alguém que lidera a empresa nesse caminho. Conheço poucos exemplos de grandes corporações com práticas mais sustentáveis sem um líder interno que acredita que a empresa pode se tornar mais lucrativa sendo mais responsável.

IS - As certificações contribuíram para aproximar a responsabilidade social da estratégia do negócio? Como?
MC – A certificação é, a meu ver, a base a partir da qual se pode saltar do estágio da responsabilidade social corporativa para o que chamo de accountability socioambiental. Penso que tenham existido três momentos diferentes na história da responsabilidade social corporativa. No século 19, companhias como a Standard Oil, criada por John D. Rockefeller, seguiam princípios de responsabilidade porque a sua fé religiosa os conduzia nessa direção. A responsabilidade corporativa do século 19 se baseava nos compromissos discursivos de um líder que não seguia nem mesmo o que pregava. No século 20, começa a emergir uma nova forma de RSC a partir do momento em que empresas criam padrões mais elevados. Vale lembrar, como marco, o desastre de Bophal, na Índia, na década de 1980, quando a refinaria Union Carbide explodiu e matou milhares de pessoas. A partir desse episódio, a indústria química criou um programa transversal, chamado Atuação Responsável (Responsible Care). A associação das indústrias químicas estabeleceu novos padrões, o que se convencionou classificar como certificação de segunda parte ou garantia da segunda parte. Só que não havia responsabilização para as companhias que não seguissem esses princípios. A novidade no século 21 é que as certificações constituem a verificação de uma terceira parte independente, comprometendo a companhia com os padrões que são negociados por todos os públicos de interesse.

IS - O senhor acredita que as certificações impulsionaram parcerias entre o setor privado e organizações não-governamentais?
MC – Claro. Quando a empresa desiste de resistir às campanhas públicas contra ela, acaba encontrando nas ONGs um apoio para rever, por exemplo, suas cadeias produtivas. Há dois tipos de ONGs: as que apenas executam campanhas de propaganda contra alguma empresa e outras, como a WWF, que preferem ajudar as companhias a resolverem os problemas de cadeia produtiva ou facilitar a compra de madeira certificada e a criação de um mercado para esse produto. Ambas as estratégias são importantes: pressionar as empresas e ajudá-las a resolver os seus problemas.

IS - Quais são os principais fatores que levam as empresas a buscar certificações? Por quê?
MC – Cada vez mais as empresas tem buscado a certificação por vontade própria. Dou o exemplo da maior companhia de café dos Estados Unidos, a Green Mountain Coffee Roasters. É uma empresa de médio porte, que fica na região da Nova Inglaterra e já foi apontada pela CRO Magazine (Corporate Responsability Organization) como a mais ética dos EUA. Esse é um exemplo de empresa que não precisou de campanha contrária para ver nas cerificações uma forma de validar suas práticas e gerar segurança para os clientes. No entanto, a maioria ainda toma a decisão como resposta a alguma campanha pública contra sua marca. Muitas se vêem forçadas pela pressão externa a rever eventuais práticas irresponsáveis em sua cadeia produtiva. Vejo como fator importante também a ação das empresas líderes. Ao adotarem um sistema de certificação, elas acabam forçando as concorrentes a pegarem a mesma estrada. São, portanto, indutoras de mudança. Se as grandes mudam, as pequenas também precisam mudar, até por razões de competitividade. Se só uma empresa se adapta a padrões éticos mais altos, a preocupações ambientais e ao rastreamento dos produtos, isso encarece o produto e torna a competição com os concorrentes muito difícil. Para serem bem-sucedidas, as certificações precisam transformar gradualmente todo segmento, evitando a competição injusta.

IS – Como o senhor avalia o avanço das certificações nos países em desenvolvimento?
MC – Na conferência da ONU sobre comércio e desenvolvimento, por exemplo, algumas nações mostraram-se preocupadas com as certificações voluntárias alegando que elas poderiam aumentar o custo de sua produção, prejudicando a sua competitividade. Mas começam a perceber que estão perdendo a oportunidade de mercado para novos produtos com maior valor agregado. Além disso, não encontram credibilidade para seus próprios critérios nos mercados internacionais.

No Brasil, existe uma companhia chamada Bom Dia, cujo principal produto é o Café Bom Dia. Há anos a empresa vinha tentando crescer no mercado internacional associando o café e a marca à responsabilidade socioambiental. A partir do momento em que passou a ser certificada com o Fairtrade, conquistou a confiança de um dos maiores compradores nos Estados Unidos, o Sam’s Club, agora Wal-Mart. E agora, além do reconhecimento nos EUA, expandiu os negócios e está exportando até açaí.

IS – Qual o papel de grandes companhias na promoção de mercados sustentáveis?
MC -A partir de uma campanha lançada em 2005 contra o Wal-Mart, a rede – pelo menos nos EUA – está mudando dramaticamente a responsabilidade empresarial das suas cadeias de fornecedores. Não há duvida que empresas muito grandes como o Wal-Mart têm poder considerável sobre seus fornecedores. Essa é outra dimensão da revolução das certificações. Antigamente eram os fabricantes que mantinham esse poder e podiam vender qualquer coisa para os consumidores com propaganda. Agora, os revendedores são os que têm o poder e podem especificar o que querem do produto.

IS – Em que setores as certificações enfrentam mais dificuldades para avançar?
MC - Os padrões trabalhistas têm sido decepcionantes.

No livro, cito o caso da Nike, que, em 1996, recebeu denúncias de jornadas exaustivas de trabalho e exploração de mão-de-obra infantil em fornecedores mundiais. E termino com a discussão sobre as mudanças promovidas pela companhia depois desse episódio. Diante dos danos causados pela crise à sua reputação, a Nike adotou padrões trabalhistas e sistemas de monitoramento que excedem as exigências da FLA – Fair Labor Association [Associação de Trabalho Justo]. A companhia estabeleceu um departamento de responsabilidade social composto por 85 profissionais para monitorar as condições sociais e ambientais dos seus fornecedores. No entanto, esses esforços não foram suficientes para produzir mudanças significativas. Em 2003, Richard Locke, professor do MIT, analisou os processos da Nike com base nas informações da própria empresa. Depois de avaliar o sistema interno de “compliance rating”, Locke e sua equipe descobriram que as condições de trabalho em quase 80% dos fornecedores se mantiveram iguais ou até mesmo pioraram. Como estabelece um desempenho médio, o sistema permite que algumas fábricas estejam em total atendimento ao Código de Ética da companhia, enquanto outras apresentam sérios problemas como baixos salários e jornadas de trabalho exaustivas. A ausência de certificação trabalhista nos segmentos de vestuário e calçados potencializa as críticas e possíveis danos a reputação e performance financeira das empresas.

Estágios da responsabilidade social corporativa, por Michael Conroy:
Século XIX: Compromisso de primeira parte - Baseados nos princípios de um líder.
Ex.: John D. Rockefeller - Standard Oil

Século XX: Compromisso de segunda parte - Empresas criam padrões, mas não há punição caso não sejam cumpridos.
Ex.: Atuação Responsável, programa criado pela indústria química

Século XXI: Accountability socioambiental - Compromisso de terceira parte - A verificação de uma terceira parte independente faz com que a companhia comprometa-se com padrões negociados por vários stakeholders.
Ex.: Sistemas de certificação

Fonte: “Branded - How the certification revolution is transforming global corporations”, Michael Conroy

Certificações: sinais de progresso
• As vendas de comércio justo certificado crescem 40% ao ano. Em 2007, alcançaram U$ 2.5 bilhões, beneficiando mais de um milhão de famílias no campo

• As florestas certificadas pelo FSC já atingem 300 milhões de hectares mundialmente e crescem 25% por ano

• Os pescados certificados pelo MSC cobrem cerca de 70% do salmão pescado nos oceanos e 26% dos peixes de água doce.

Fonte: “Branded - How the certification revolution is transforming global corporations”, Michael Conroy


Juliana Lopes, da Revista Idéia Socioambiental
Envolverde, 17/09/08
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