segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Turismo Solidário

Daniel, 25, deixou o conforto da Inglaterra para morar numa favela Para esses estrangeiros, ajudar os pobres vale mais que a praia e o Carnaval do Brasil
Foto Henrique Manzera/Folha Imagem


Praia, Carnaval, futebol... Se muitos estrangeiros vêm visitar o Brasil sonhando com delícias exóticas, outros preferem passar temporadas em favelas, periferias e municípios pobres, dispostos a conhecer realidades diferentes e munidos do desejo de ajudar a transformá-las.

A holandesa Saskia Groot Koerkamp, 20, passou seis meses no pequeno município de Polvilho, interior de São Paulo, quando tinha 18 anos. Depois de terminar o colegial, ela estava determinada a encarar trabalho voluntário em outro país. "Eu queria fazer alguma coisa pelos outros e ao mesmo tempo aprender mais sobre outras culturas", diz.

Aconselhada por uma prima de seu pai, que mora no Brasil, entrou em contato com a ONG Sítio Agar, que se ocupa de crianças e adolescentes portadores do HIV. Pouco tempo depois, já estava de malas prontas para embarcar. "No início tive que me virar para aprender o português, mas a vantagem de trabalhar com crianças é que a linguagem da brincadeira é universal."

Para Saskia, a melhor parte da experiência foi o convívio com as pessoas. "Todos eram muito legais. Eu era sempre convidada para almoçar ou jantar na casa de alguém. Os brasileiros são muito hospitaleiros."

De volta à Holanda, ela afirma que sente falta dos amigos que fez. "Espero que eu possa voltar para visitá-los. E também para comer suas frutas maravilhosas, como manga, e churros!"

A também holandesa Barbara Wilenbrack, 20, tem parentes brasileiros em São Paulo, por isso queria conhecer a cidade. "Decidi que a melhor forma de me integrar mais à cultura seria fazer um trabalho voluntário", explica.

Há sete meses, ela auxilia o berçário da Associação Comunitária Monte Azul, ONG criada por uma alemã que desenvolve atividades sociais na favela de mesmo nome. "Trabalho lá todas as manhãs, e à tarde ajudo na cozinha. Está sendo ótimo porque aprendo muita coisa nova -antes eu não sabia cozinhar quase nada."

Mas a nova vida de Barbara não deixará apenas boas lembranças. "Fico incomodada com as drogas e com a prostituição", diz a estudante.

Para a japonesa Rie Nishihara, 28, que há um ano e meio é voluntária da creche da Monte Azul, a pior parte de viver na capital paulista é o trânsito.

Rie mora no centro com o marido e leva uma hora e meia para chegar à associação todos os dias. "Odeio aquele cheiro de Marginal", desabafa.

Apesar disso, a japonesa adora o Brasil. "Antes eu só sabia que aqui tinha Carnaval, Amazônia, futebol e uma grande diferença entre ricos e pobres. Minha imagem de uma favela era a de um local escuro e sem comida", conta. "Mas, agora que moro aqui, sei que as pessoas são carinhosas, simpáticas e cheias de energia de viver."

Rie vai voltar para o Japão em dois meses, devido ao trabalho do marido, mas está decidida a retornar. "O coração dos brasileiros é mais rico do que o dos japoneses."
Para a alemã Kathrin Fechter, 26, a imagem de que os brasileiros são mais abertos não corresponde totalmente à realidade. "Dizem que os alemães são fechados e que os brasileiros não são, mas não é bem assim", acredita.

"Quando visitei o Nordeste, concordei com essa percepção -lá todos estão sempre dispostos a oferecer ajuda- mas aqui em São Paulo as pessoas se fecham, pois estão mais preocupadas em sobreviver."

Kathrin é formada em enfermagem em seu país de origem, e trabalha no ambulatório da favela há sete meses. "Tive uma infância muito boa, pais e professores maravilhosos, mas sempre soube -em teoria- que existiam lugares onde as coisas eram diferentes", explica em português quase perfeito.

"Por isso, resolvi ser voluntária: para conhecer outras realidades na prática e poder ajudar, mesmo que seja muito pouco."

Quando retornar à Alemanha, Kathrin pretende voltar para a universidade. "Quero estudar educação, que eu descobri ser a melhor forma de fazer alguma diferença no mundo."

O inglês Daniel Cowlard, 25, acredita que o futebol pode ter tido influência em sua decisão de vir para cá. "Meu pai adora esse esporte e me lembro que, quando criança, ficava fascinado pela vibração da camisa amarela e dos shorts azuis", conta. "Quando fiquei de saco cheio do meu trabalho na Inglaterra, o primeiro país que pensei em visitar foi o Brasil."

Daniel encontrou no voluntariado um meio de prolongar legalmente sua estadia no país. "Graças ao projeto, posso ficar mais tempo", diz. Há sete meses em solo nacional, ele começou como ajudante de cozinha. Quatro meses depois, cortou o dedo e teve que levar três pontos. "Aí eles me colocaram no centro cultural, trabalhando com garotos de 9 a 11 anos", conta o inglês.

Dessa experiência Daniel tirou uma lição inesquecível: "Nunca mais vou trabalhar com crianças na vida, não tenho paciência", se diverte. Mas o inglês garante que não se arrepende: "Eu gosto demais do Brasil, é um país jovem. A Inglaterra se parece com uma pessoa muito velha."


Luana Villac
Folha de São Paulo, 25/08/08


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