sexta-feira, 11 de julho de 2008

Uma cidade toda prosa

Paraty durante a 6ª Festa Literária Internacional: cada Flip importa em custos de R$ 3,5 milhões a R$ 4 milhões, cobertos com a venda de ingressos e patrocínios
Foto Michel Filho/Agência Globo


No balcão do Margarida Café, bar e restaurante à entrada do centro histórico, a jovem copeira serve um café expresso com três minúsculos biscoitinhos, cobra R$ 4,70 por ele. O freguês reclama: "Vocês estão fazendo café com petróleo?" A moça parece não ouvir e pergunta: "Capitu não leva acento?"

Num país em que a população inteira, em 1988, se perguntava quem matou Odete Roitman, os 35 mil habitantes de uma cidade à beira-mar, no meio do caminho entre Rio e São Paulo, mais os cerca de 20 mil vindos de fora, preparavam-se na semana passada para passar os quatro dias seguintes a decifrar um enigma: "Capitu traiu mesmo Bentinho?"

O questionamento se faz desde que Machado de Assis publicou seu "Dom Casmurro" em 1899 e sobre ele se ocuparia, naquela mesma noite de quarta-feira, o crítico Roberto Schwarz, em brilhante e definitiva palestra na abertura da 6ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Simplificadamente, a tese de Schwarz é de que Bentinho, inseguro e fraco de espírito, mas machão e prepotente escravocrata, estava a merecer que a independente e altiva Capitu buscasse, alhures, as alternativas a essa sensaboria.

O que Schwarz disse naquela noite às mais de mil pessoas que foram assistir à palestra, a R$ 25, no palco nobre da festa, a Tenda dos Autores, ou a R$ 8 (e um quilo de alimento não perecível) na popular Tenda do Telão foi ecoado por restaurantes, bares, botecos, pousadas, lojas de turismo receptivo, barracas de "faço tererê" e cachaçarias de Paraty (frase de Luis Fernando Verissimo, apaixonado pela Flip e pela cidade: "Antes de a Flip existir, Paraty já era uma cachaça"). Doutores da USP, críticos, colunistas, livreiros, garçons, cirandeiros, e consta que até os dois hare krishnas que bailavam silenciosos, instavelmente equilibrados na ponta dos pés sobre o calçamento de pedras irregulares defronte à Igreja do Rosário, na rua do Comércio, incorporaram-se à cruzada de defesa de Capitu. E reabilitada estava a reputação da rapariga dos enigmáticos "olhos de ressaca" e não mais do "olhar de cigana oblíqua e dissimulada", como despeitado serviçal de Bentinho a descreveu.

A copeira do Margarida Café, porém, traz no peito, estampado em vermelho na camiseta preta que a editora Nova Fronteira espalhou pelos restaurantes do centro histórico - vestidas assim estavam até as cozinheiras -, a inscrição: "Quem é Capitu?" A moça tem apenas uma dúvida ortográfica, que, naquele preciso instante, na platéia do que se chamou de Flipinha, uma professora do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Dom Pedro I acaba de esclarecer a meninos e meninas da quarta série do ensino fundamental. "Capitu, diminutivo de Capitolina, não leva acento porque as oxítonas terminadas em i ou u, seguidas ou não de s, não têm acento. As exceções são os hiatos: país, Piauí, Itaú."

Pois é. Apreende-se muito em ambas, na Flip e na Flipinha. Antes mesmo de adentrar na tenda onde se celebrariam 20 mesas-redondas, o público podia, de graça, conhecer, por exemplo, as fotos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro ao fim do século XIX, de autoria de Marc Ferrez, ali expostas pelo Instituto Moreira Salles, e perceber como está relativamente preservado o skyline da avenida Pasteur, que liga o Botafogo à Urca. E especialmente surpreender-se com o retrato do patrono da festa: os cabelos do carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) são lisos, mas grossos, como o são também os seus lábios, o cavanhaque e os bigodes. E a pele é escura, como os cabelos. A foto, testemunho histórico indesmentível, mostra que o mais genial dos nossos romancistas, até para os padrões brasileiros é muito mais negro do que jamais nos ensinaram com traços tão nítidos na escola primária, secundária, superior, pública ou privada. O bruxo do Cosme Velho que Ferrez nos apresenta - "ele está morto, podemos homenageá-lo à vontade (Roberto Schwarz)" - seria admitido na Universidade de Brasília pelo regime de cotas.

Criada pela ONG Casa Azul como um evento cultural que se destinava a chamar a atenção para a cidade e ajudar a salvar do turismo desenfreado e da especulação imobiliária um patrimônio histórico e ambiental inestimável, a Flip tem atingido seus objetivos. Segundo o arquiteto paulistano Mauro Munhoz, presidente da Casa Azul, a Flip conseguiu "dissolver a fronteira do erudito com o popular". "Sempre dá certo quando isso acontece no Brasil", diz Munhoz, para quem samba, chorinho, bossa nova são exemplos dessa fusão criativa.

Ao meio-dia de domingo, Munhoz está sentado a uma mesa do Café Pingado, à saída da Tenda dos Autores. Lá dentro, no palco, o músico, crítico, ensaísta, paulista e santista José Miguel Wisnik e o antropólogo, sociólogo, mineiro e torcedor do Fluminense Roberto DaMatta refletem sobre o futebol. Concluem que, se os europeus praticam o jogo da bola como se fossem exímios prosadores, os brasileiros o fazem como poetas - e Ronaldinho Gaúcho, hoje o mais inspirado deles, desenvolve uma arte que é prosa, verso e algo mais, tudo muito mágico, pós-moderno. As referências são eruditas, vão de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. a Pier Paolo Pasolini. Dos sábios exegetas da arte esportiva que os brasileiros canibalizaram dos ingleses, só faltou a citação do mais famoso - Neném Prancha. Na platéia, aplausos do ministro dos Esportes, Orlando Silva, do banqueiro Pedro Moreira Salles (o Unibanco é o principal patrocinador da Flip), do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, do ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa.

Às costas de Munhoz está o rio Perequê-Açu, fronteira norte dos 42 quarteirões do centro histórico de Paraty. Sobre o rio que rola preguiçoso por mais uns 500 metros até o mar, ancorados ou navegando em pequenos trechos como se fossem táxis, estão 16 pequenos barcos de construção local, cópia perfeita de escaleres ingleses que auxiliavam os grandes barcos na caça à baleia. Os açorianos espalharam esses barcos pelo litoral brasileiro, mas só em Paraty o artesanato de sua construção foi preservado. "É uma das nossas sócio-diversidades", afirma Munhoz, lembrando que no século XVIII Paraty abrigou o maior porto exportador de ouro do Brasil. Depois veio o ciclo do café, pois até seu cais chegavam os carros de boi vindos de Taubaté. Em 1855, um caminho de ferro uniu a ponta produtora em São Paulo ao porto do Rio, sem passar por Paraty. Isolada e ignorada, a cidade parou no tempo. O não planejado e precário crescimento econômico brasileiro só voltou a considerar Paraty em 1974, quando o asfalto da Rio-Santos chegou até ela.

"Tudo o que se vê aqui, o rio, as montanhas, o casario, as igrejas, as pedras da rua, a Casa da Cultura, os barcos de madeira, é da época do café, antes de 1855, um ativo muito frágil que felizmente o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou", comenta Munhoz.

Quatro anos antes de a ferrovia começar a funcionar, nascia Julia da Silva Bruhns, filha de um comerciante alemão e uma mulata paulista. Aos 6 anos sua mãe morreu e o pai a levou para Lübeck, na Alemanha. Morena e bonita, Julia viria a ser a mãe do Prêmio Nobel de Literatura Thomas Mann e morreria aos 70 anos, sem voltar ao Brasil. A Fazenda Boa Vista, onde Julia viveu, era um local que ainda hoje só pode ser alcançado por mar. A fazenda agora se chama Marina do Engenho e seu proprietário é o navegador solitário Amyr Klink, em casa que o arquiteto Mauro Munhoz projetou.

"Você precisa vir almoçar comigo no domingo em Paraty e conhecer uma figura fantástica, minha editora na Inglaterra", escreveu Klink ao seu arquiteto em um dia de 1992. O convite era para conhecer Liz Calder, da editora inglesa Bloomsbury, que iria publicar o primeiro livro de Klink, "Cem Dias entre o Céu e a Terra". Nesse domingo, durante caminhada de uma hora por uma trilha que leva à casa de Klink, nasceram a amizade e a associação Munhoz-Calder, que, mais de dez anos depois, resultariam na Flip. Liz, casada com um jornalista inglês, vendeu a casa que tinha no sul da França e comprou um terreno em frente da Ilha do Araújo, a 7,5 quilômetros do centro histórico de Paraty. Munhoz projetou-lhe a casa (vendida em 2002).

O arquiteto procurava patrocínios e a editora, autores internacionais para a primeira Flip em 2003. Os autores não receberiam cachê. Até hoje não recebem e o holandês Cees Nooteboom diz-se bem pago apenas com a oportunidade de conhecer Paraty. A Casa Azul e as editoras bancam passagem e hospedagem (a hospitalidade inclui um tradicional e aborrecido almoço com o príncipe d. João de Orleans e Bragança, morador de Paraty). Cada Flip importa em custos de R$ 3,5 milhões a R$ 4 milhões para a Casa Azul, cobertos com a venda de ingressos (cerca de 36 mil na edição da semana passada) e patrocínios incentivados pela Lei Rouanet. Com escritórios em Paraty e São Paulo, a Casa Azul tem quatro funcionários, dez colaboradores permanentes e cerca de 300 recrutados em Paraty para atuar durante a montagem, a duração e a desmontagem da festa.

Na primeira Flip, em 2003, a atração foi o historiador Eric Hobsbawn, com cuja conferência se esperava lotar a Casa da Cultura (200 lugares), na esquina das ruas Dona Geralda e Samuel Costa, no centro histórico. Compareceram seis mil pessoas e telões tiveram que ser improvisados em bares, restaurantes e pousadas. Hoje são três as tendas, espaçosas e refrigeradas, para quase duas mil pessoas sentadas. A transmissão é ao vivo por rede de TV e, externamente, pela web. Pelas esquinas, agora, há uma novidade: grandes e pequenas editoras, lideradas pela Plugme, da Ediouro, demonstram como funciona o videolivro - best-seller narrado pelo autor ou por autores (Milton Gonçalves gravou "A Vida Como Ela É", de Nelson Rodrigues; Nelson Motta é o próprio narrador da sua biografia de Tim Maia).

As Flips anteriores tiveram Salman Rushdie, Martin Amis, Paul Auster, entre os estrangeiros, e, entre os nacionais, Ariano Suassuna e Lygia Fagundes Telles, Chico e Caetano, Verissimo e Millôr, Zuenir Ventura e Ruy Castro. Nesta sexta festa, não eram muitos os famosos, mas o público gostou do que viu, ouviu e acompanhou. O quadrinista inglês Neil Gaiman foi o campeão de autógrafos - mais de 600 em cinco horas, superando Chico Buarque e Adélia Prado em Flips anteriores. O também inglês Tom Stoppard foi descrito por um crítico como "dramaturgo de grandes virtudes a quem só não é permitido considerar-se o melhor de todos os tempos nas ilhas britânicas". Cees Nooteboom, autor de "Paraíso Perdido", agradou a quem gosta de literatura de viagens com seu bom humor e a paciência de quem, aos 75 anos, já viu de tudo na vida - até companheiro chato de mesa-redonda, como o colombiano Fernando Vallejo, que, falando, fazia lembrar advertência à porta de velhos elevadores: "Porta pantográfica. mantenha-se afastado."

Em eventos como festas literárias, de música, de cinema, campeonatos de gastronomia e torneios de futebol de botão - "o garoto brasileiro é o único que joga futebol de botão no mundo" (Roberto DaMatta) - há gênios que são também excêntricos e excêntricos que, sem genialidade, são apenas importunos. Nooteboom teve o azar de dialogar com um deles. Jornalista sério, Humberto Werneck não teve melhor sorte e pouco conseguiu falar sobre o contraditório e interessante paraense Jayme Ovalle, um poeta que não fazia versos, mas os tinha muito celebrados por Manuel Bandeira. Werneck foi literalmente atrapalhado pelo companheiro de mesa, um outro jornalista, que supria com palavrões a angustiante carência de vocabulário e obteve, nos bares, efêmera repercussão com a originalidade de uma só frase: "Bebo pacas e escrevo socialmente." (Na verdade, não foi bem pacas que ele disse).

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A Flip conseguiu "dissolver a fronteira do erudito com o popular", diz Mauro Munhoz, presidente da Casa Azul, que organiza a festa
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Lucrou mais quem, poupando os R$ 25 dessa chatice, estava na Flipinha e assistia de graça, exatamente no mesmo horário, ao grupo carioca Tear, num espetáculo de música, dança e canto extremamente competente e rigorosamente profissional, apesar do amadorismo de seus integrantes, adolescentes do bairro da Tijuca.

O clima dominante desta Flip foi, porém, de descontração. Jantares que editores ofereceram a seus autores rompiam a madrugada e os cafés-da-manhã começavam pelas 10h e iam até perto do meio-dia. Esse relaxamento tem algo a ver com a conjuntura econômica. "Este é um momento bom para a indústria", disse ao Valor o jornalista Cassiano Elek Machado, referindo-se à editora de que é diretor, a Cosac Naify, e ao setor em geral.

Sociedade do brasileiro Charles Cosac com seu milionário cunhado americano Michael Naify, que vive em Florença, a Cosac Naify "tem o DNA da qualidade, com livros bonitos, encadernação luxuosa, geralmente capa dura", segundo Machado. "Mas não somos diletantes; nossos preços são competitivos e estamos no mercado para vender livro, ganhar dinheiro." E parece que está ganhando. A editora paulista começou, em 1997, com livros de arte e hoje explora quase todos os gêneros, do ensaio acadêmico à ficção nacional ou estrangeira e à literatura infanto-juvenil. Esta, aliás, já responde por 40% do seu faturamento.

"A conjuntura, marcada pelo crescimento econômico e por discreta melhora na educação, ajuda", diz Machado. O diretor-editorial da Cosac Naify destaca que o investimento do governo federal na compra de livros para a formação de bibliotecas escolares "é um dos maiores do mundo, mas precisaria haver ainda mais bibliotecas". Queixas? "Sim, em São Paulo as bibliotecas públicas estão caindo aos pedaços." Outra constatação de Machado: a chegada das editoras internacionais, especialmente espanholas, é um sinal da vitalidade e da potencialidade do mercado brasileiro. "Mas não estamos à venda", adverte.

(Durante os quatro dias de Flip circulou o rumor de que a Leya, grupo português que acaba de vender uma emissora de televisão em Lisboa e comprar seis editoras locais, entre as quais a Dom Quixote, prepara o desembarque no Brasil. Não se sabe se, capitalizada, a Leya faria como a Santillana e procuraria, com sucesso, um parceiro nativo ou tentaria começar do zero, como a Planeta, com resultados não tão satisfatórios).

Quem entende de editoras estrangeiras no Brasil é Roberto Feith. Há três anos, Feith vendeu para a espanhola Santillana - do grupo Prisa, que também edita o respeitável jornal "El País" - 75% dos 100% que possuía na editora Objetiva e permaneceu como seu diretor-executivo no Brasil. Repórter internacional da TV Globo que mudou de profissão na década de 1980 e comprou a Objetiva, Feith concorda com as razões que Cassiano Machado apresenta para o interesse do mercado brasileiro pelas editoras estrangeiras.

Confortável na posição de diretor da empresa de que já foi dono, Feith diz que a Santillana traz para o Brasil sua experiência de quatro décadas em gestão empresarial e editorial e atuação em 25 países na Europa e na América Latina. No Brasil, a Santillana vai trabalhar com cinco selos: Alfaguara (ficção literária), Suma (ficção de entretenimento - "Código Da Vinci", da Sextante, é um exemplo desse gênero), Objetiva (não-ficção sofisticada), Fantanar (não-ficção popular) e livro de bolso (a ser criado e batizado). A Santillana, segundo Feith, se define como um grupo que atua "na área das idéias" - livros, imprensa, educação - em duas línguas, espanhol e português, e pretende penetrar em breve no mercado de língua espanhola dos Estados Unidos.

Sobre a boa situação do livro no Brasil, Feith tem uma explicação que considera "singela". "Melhorou o poder aquisitivo da população." Essa, de acordo com ele, é a maior contribuição para a boa performance do livro nas livrarias, acrescida, é claro, do desempenho individual e profissional de cada editora. Feith estima em pouco mais de 10% o crescimento do setor no Brasil em 2007 e destaca que a Objetiva cresceu mais: 25% em 2007 e 35% no primeiro semestre deste ano. O editor, porém, não se deixa contaminar pela euforia: "Estamos chegando perto da posição em que estávamos no início do Plano Real (1994/95)."

Sônia Machado Jardim, da editora Record e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), considera que a internet é o grande instrumento auxiliar na venda de livros. "Ela praticamente acabou com o problema da distribuição. Hoje, no Acre, você pode comprar pela internet um livro que está apenas chegando às livrarias do Rio. Essa é a grande revolução." Para que isso ocorra, o leitor do Acre precisa apenas de informação. Festas como as de Paraty, com a cobertura que recebe da mídia, servem à difusão da informação.

Mauro Palermo trabalhou no Departamento de Circulação de "O Globo" e os dados do Instituto de Verificação de Circulação (IVC) ajudavam nas decisões sobre venda avulsa e de assinaturas do jornal. Agora diretor-executivo da Nova Fronteira, ele tem de confiar na própria competência e na dos profissionais com que trabalha para tomar decisões. "Não há IVCs nem Ibopes na nossa área", observa. Na ausência desses instrumentos, estima-se a venda de livros pelas listas que jornais e revistas publicam, ressalvada a precariedade das informações sobre vendas no interior do país e em outros canais que não as livrarias.

A ausência de números independentes dá lugar a falsas interpretações e até mitos. Divulgou-se recentemente que 94 milhões de brasileiros lêem um livro por trimestre. Meia-verdade. A pesquisa foi do Ibope para o Instituto Pró-Livro e apurou que 95,6 milhões de brasileiros teriam declarado a leitura de pelo menos um livro no trimestre anterior a dezembro de 2007. Desse universo, porém, 47,4 milhões são estudantes que lêem livros recomendados pela escola, inclusive didáticos. Lêem somente a "Bíblia" outros 6,9 milhões. Os restantes 41,1 milhões (55% deles mulheres) seriam realmente os leitores que vão à livraria - ou recorrem a outros pontos-de-venda para comprar um livro.

Baseado na lista dos mais vendidos - nenhum editor ouvido pelo Valor pôs em dúvida a seriedade desses levantamentos - o mercado especula sobre o ranking das principais editoras. Por esses critério, o grupo Ediouro teria superado a Record e assumido a liderança neste ano - fruto da atuação da própria Ediouro e das duas editoras pertencentes ao grupo, Nova Fronteira e Agir. Esta última quer ainda mais espaço e vai publicar já em agosto o mais novo livro (200 mil exemplares na 1ª edição) de Paulo Coelho, "O Vencedor Está Só", que, segundo o diretor-editorial, Paulo Roberto Pires, mostra um "PC diferente", com história ambientada nos bastidores do Festival de Cannes. Objetiva, Companhia das Letras e Cosac Naify disputam as posições seguintes.

Sobre a importância de outros canais de venda que não as livrarias, Palermo informa: "O Caçador de Pipas", que a Nova Fronteira lançou em 2005, está chegando neste mês a 1,8 milhão de exemplares vendidos. "Em torno de 200 mil não foram vendidos em livrarias, mas em plataformas como a internet e até o porta-a-porta da Avon."

É meia-noite e o Banana da Terra está repleto. A Nova Fronteira homenageia com um jantar os 15 autores da coletânea "Quem É Capitu?", cujo marketing agressivo suscitou até as já relatadas dúvidas ortográficas da copeira do Margarida Café. Izabel Aleixo toma discretamente seu vinho com água mineral e prova do prato preferido: vegetais. E sorri, solícita. Esta carioca de Vila Isabel, miudinha, simpática, loira, 41 anos, que estudou jornalismo, foi professora de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e só entrou para o ramo editorial porque "precisava ganhar algum dinheiro", é caçadora de best-sellers, responsável pelo mais espetacular sucesso da Nova Fronteira. "O Caçador de Pipas", do médico afegão Khaled Hosseini, recuperou o prestígio (e as finanças, obviamente) da empresa fundada por Carlos Lacerda. Até então, Umberto Eco, com "Em Nome da Rosa", e Marguerite Yourcenar, em "Memórias de Adriano", eram os campeões de vendas na Nova Fronteira.

Para comprar os direitos de "O Caçador..." (Kite Runner), Izabel enfrentou a descrença da própria editora nos Estados Unidos, a Riverhead, que lançou o livro sem publicidade e não fez esforços para vendê-lo no exterior. Em 2004 o livro não vendeu praticamente nada nos EUA e só no fim do ano começou a aparecer entre o 33º e o 35º lugares na lista dos mais vendidos, impulsionado pelo interesse de clubes de leitores. Mas Izabel já estava interessada nele antes disso e batalhou dentro e fora da editora para assegurar os direitos autorais. Da oferta tradicional de US$ 1 mil, ela de imediato elevou para US$ 1,5 mil, como adiantamento para conseguir a exclusividade (a remuneração do editor será completada mais tarde de acordo com a tiragem - 10% entre 5 mil e 10 mil exemplares; 12% acima de 10 mil). Quando apareceu um competidor nacional, que Izabel não revela, os lances se agigantaram até chegar aos US$ 12 mil, o maior até agora feito pela Nova Fronteira ou qualquer outra editora brasileira. Um ano depois, quando o livro chegou às livrarias do Brasil, já estava alavancado pelo sucesso no mundo.

Presentes à Flip criticaram a programação por não incluir poetas nas mesas-redondas da Tenda dos Autores. Seria o caso, também, de incluir alguns diretores-editoriais para tentar explicar um mistério tão grande quanto o da fidelidade de Capitu. Afinal, o que constrói o sucesso de um livro como o de Khaled Hosseini?


Paulo Totti, de Paraty
Valor Online, 11/07/08


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