sexta-feira, 30 de maio de 2008

Incubação de empreendimentos solidários para o Desenvolvimento Local

Projeto Rede CataBahia, que articula seis cooperativas de catadores de materiais recicláveis do Estado
Foto: Petrobras


O impulso dado para o trabalho associado e o cooperativismo na perspectiva da autogestão ganha um suporte decisivo com a atuação das Incubadoras Tecnológicas, enquanto um ambiente de experimentação, apoio e transferência tecnológica com enfoque na sustentabilidade de empreendimentos coletivos. No âmbito da RTS, este esforço tem se dado, especialmente, pelo acompanhamento e avaliação dos projetos de reaplicação dos procedimentos de incubação de cooperativas populares financiados pela Caixa Econômica Federal, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Lançado em 2005, o edital disponibilizou R$ 3,1 milhões para 21 iniciativas, em 13 estados, que possuem diferentes formatos institucionais e operam a partir de distintas matrizes conceituais e metodológicas. O processo de acompanhamento é realizado pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) em diálogo com o Comitê Coordenador da RTS, envolvendo visitas aos projetos e a realização de seminários com vistas à afirmação, como Tecnologia Social, das metodologias de organização do trabalho associativo voltado para a autogestão.

“O edital visa justamente repassar conhecimentos, formar novos quadros, ampliar os recursos, descentralizar, difundir e interiorizar ações, ampliando a escala, mobilizando atores e repassando a eles os instrumentos desenvolvidos”, diz o coordenador da avaliação e diretor da Fase, Pedro Cunca Bocayuva.

Segundo levantamentos realizados pela organização, as incubadoras beneficiadas pelo edital já representam as três diferentes frentes de atuação das incubadoras no país: a incubação tradicional, com o apoio e capacitação de grupos solidários; a incubação de empreendimentos articulada a políticas públicas estaduais e municipais de economia solidária, incluindo a construção de incubadoras públicas; e a incubação de redes solidárias e segmentos produtivos associados a mais de um empreendimento.

“Isso recoloca a área de extensão das universidades dentro de um novo patamar, porque a incubadora consegue concretamente articular as três dimensões de ensino, pesquisa e extensão não apenas para gerar conhecimento por meio de teses e dissertações, mas também conhecimento apropriado pela sociedade”, avalia o diretor do Departamento de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), Roberto Marinho.

Trajetória
O processo de construção das incubadoras de empreendimentos solidários no Brasil iniciou-se com a fundação em 1995 da primeira incubadora universitária de cooperativas populares, a ITCP/COPPE-UFRJ. Nos últimos anos, graças aos esforços de professores e alunos de diversas universidades e ao apoio recebido do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas (Proninc), esse processo tem se expandido consideravelmente. Atualmente, existem cerca de 80 incubadoras universitárias de empreendimentos solidários ligadas ao Proninc, além de outras que ainda não se vincularam ao programa.

Os debates sobre o fortalecimento das incubadoras de cooperativas populares estão relacionados, segundo Marinho, à ampliação do número de empreendimentos solidários em todo o país. O último levantamento da Senaes aponta a existência de 21.859 Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) no Brasil, distribuídos em 52% dos municípios brasileiros com mais de 1,6 milhão de trabalhadores.

Entre os principais motivos para a criação dos empreendimentos, segundo a pesquisa, estão a alternativa ao desemprego, a complementação da renda e a capacidade que a mobilização oferece para o acesso a novos financiamentos. Entre as principais dificuldades, 60% dos EES apontaram a comercialização, seguida do acesso ao crédito (48%) e do Apoio e Assistência Técnica (25%). “Fato é que a demanda da sociedade é muito maior do que as incubadoras conseguem ofertar”, afirmou Marinho.

Segundo Rodrigo Fonseca, analista de projetos da Área de Tecnologia para o Desenvolvimento Social da Financiadora de Estudos e Projetos, o reconhecimento dos processos de incubação como Tecnologia Social é um passo importante para ampliar o alcance destas iniciativas. “Estamos num momento em que é importante dar outro status ao conhecimento, ao trabalho e ao território. E a RTS é um canal estratégico para fazer a aproximação entre TSs e a economia solidária”, disse.

Incubadoras públicas
Diante do aumento da demanda por incubação, a consolidação de Incubadoras Públicas de EES, ligadas a governos estaduais ou municipais, começa a ser apresentada como estratégia para a disseminação dos procedimentos de incubação junto às iniciativas no campo da economia solidária. “É preciso dar escala ao processo de incubação enquanto política de Estado. Isso significa consolidar bases sociais que permitam a estas incubadoras ultrapassar os próprios governos” defendeu André Santana, da Rede de Gestores Públicos em Economia Solidária.

Além de disporem de mais recursos financeiros e materiais do que as incubadoras ligadas a universidades ou a ONGs, as incubadoras públicas, por estarem inseridas na estrutura estatal, possuiriam condições potencialmente mais favoráveis de articular ações intra-governamentais que contemplem as diferentes dimensões envolvidas nos processos de incubação. Contudo, este processo também traz incertezas, como a dificuldade de assegurar a continuidade dos processos de incubação para além dos mandatos executivos e a maior possibilidade de ingerências políticas, tanto no tocante à escolha das equipes técnicas quanto na seleção das comunidades e dos empreendimentos atendidos.

Durante o seminário "Tecnologia Social e economia solidária: estratégias de formação e desenvolvimento local", realizado em Salvador/BA, nos dias 10 e 11 de abril, a Superintendência de Economia Solidária da Secretaria de Trabalho e Emprego da Bahia (Sesol) deu sinal desta tendência ao anunciar a criação de oito centros públicos de economia solidária no Estado. Os centros funcionarão como espaços multifuncionais de desenvolvimento e fomento à economia solidária nas áreas de formação, incubação e concessão de microcrédito, além de disponibilizar infocentros e lojas solidárias.

A meta é implementar também 40 incubadoras públicas até 2010, das quais 10 devem ser instaladas ainda este ano. Entre as ações previstas estão a formação técnica e gerencial, o incentivo à legalização dos empreendimentos e a ampliação do crédito. “O objetivo é avançar na articulação dos empreendimentos em redes solidárias, da produção à comercialização”, disse Tatiana Reis, do Projeto Estadual de Incubadoras Públicas da Sesol.

Outra experiência beneficiada pelo edital construído no âmbito da RTS é o Programa Estadual de Economia Solidária do Acre. Iniciado no segundo semestre de 2007, o programa encontra-se em fase de implantação. Seu objetivo é a incubação de empreendimentos econômicos solidários por meio de um conjunto de ações articuladas, incluindo qualificação empreendedora, produtiva e gerencial; elaboração de projetos técnicos e planos de negócios; concessão de microcrédito produtivo orientado; certificação socioambiental e prospecção de mercado e apoio à comercialização.

O programa é coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Acre, mas a sua execução envolve também a participação de prefeituras municipais e de organizações da sociedade civil como o Fórum Estadual de Economia Solidária, a ACS Amazônia (entidade certificadora) e a Amazoncred (Oscip de microcrédito). Na sua fase inicial, o programa tem como meta a incubação de 15 empreendimentos em sete municípios do estado, com apoio da Universidade Federal do Acre. O objetivo é fortalecer a infra-estrutura, a organização do trabalho para o aumento da produção e a orientação para a participação em licitações. Para esta ação, o programa conta com R$ 8 milhões até 2010.

Destaque ainda para o Programa Osasco Solidária, instituído por lei municipal em dezembro de 2005. A principal instância operacional é a Incubadora Pública de Empreendimentos Populares e Solidários (Ieps), que consiste em um espaço público destinado a apoiar a criação, organização e consolidação de EES no município. As ações implementadas pela Ieps envolvem, entre outras, a realização de cursos de gestão de empreendimentos solidários, assessoria multidisciplinar, realização de oficinas por segmento econômico e de experiências práticas de produção e comercialização. A Ieps conta com uma equipe técnica interdisciplinar, formada por profissionais de 12 áreas de conhecimento.

Incubação de redes solidárias e segmentos produtivos
Outro fator destacado pelos participantes do seminário é a incapacidade da incubação resolver por si só os desafios de estruturação dos empreendimentos. De acordo com pesquisa da Senaes, apenas 16% dos EES tiveram acesso ao crédito nos últimos 12 meses, ao passo que 73% dos empreendimentos disseram ter acesso a assistência técnica. “Para terem o mínimo de autonomia, os EES precisam ver combinadas a incubação com qualificação social e profissional e com crédito e financiamentos solidários. Isso sem falar na construção de redes, já que empreendimentos isolados não vão a lugar nenhum”, alertou Marinho.

Uma das iniciativas contempladas pelo edital que faz essa aposta é executada pelo Pangea, que trabalha na articulação em rede entre cooperativas de catadores tendo em vista estabelecer uma relação comercial direta com a indústria recicladora. “Há intermediários que alugam os carrinhos de coleta aos catadores ao mesmo tempo em que compram o material coletado a preços irrisórios, gerando ganhos de até 600%”, alerta o diretor do Centro de Estudos Socioambientais Pangea, Antônio Bunchaft.

Durante o seminário, ele apresentou a experiência do Projeto Rede CataBahia, que rompeu este ciclo ao implantar uma rede solidária de coleta e comercialização de materiais recicláveis, em grande escala, a partir da união de seis cooperativas. A iniciativa, que conta com patrocínio da Petrobras e parcerias da Fundação Banco do Brasil, Fundação Avina e MNCR, possibilitou a diminuição dos custos operacionais e melhorias nos preços de venda dos resíduos, aumentando para mais de dois salários mínimos a renda média gerada para cada catador. Entre julho de 2003 e dezembro de 2007, o grupo coletou 15 mil toneladas de recicláveis.

A metodologia de construção do Projeto Rede CataBahia abarca seis etapas, não necessariamente subseqüentes. A primeira consiste no diagnóstico da composição gravimétrica, quando são aferidos os valores de contribuição de resíduos per capita (kg/habitante/funcionário x dia) e os percentuais da composição dos resíduos domiciliares (matéria orgânica, materiais recicláveis e rejeitos), de modo a orientar o planejamento na hora da coleta.

A segunda etapa envolve a assistência social integrada, quando os catadores são cadastrados no Bolsa Família, alfabetizados em articulação ao Programa Mova Brasil da Petrobras e têm seus documentos regularizados. Só então é realizada a capacitação, que traz módulos profissionalizantes com princípios de gestão de cooperativas e de comercialização do material coletado. Por fim, são realizadas a incubação, quando começam a ser estruturados os sistemas de logística de captação de resíduos, padronização da triagem e comercialização em Rede, e as ações de comunicação e mobilização social, com a formação de multiplicadores e ações de educação ambiental.

Outra experiência apoiada pela RTS que também avança no processo de incubação e criação de redes e cadeias produtivas está na Incubadora Social de Comunidades do Instituto Gênesis, ligada a PUC/RJ. A incubadora tem como objetivo fomentar o “empreendedorismo” entre os moradores de quatro comunidades de baixa renda do município, por meio da identificação de produtos e serviços com potencial de integração a cadeias produtivas.

Os critérios para incubar uma determinada iniciativa são a qualidade e viabilidade do produto e/ou serviço e a “incorporação de características empreendedoras” pelos beneficiários. Os empreendimentos visitados nas áreas de artesanato em tecidos e jornal e hospedagem comunitária inserem-se dentro de uma estratégia para fomentar uma cadeia produtiva ligada ao turismo, ligada a um público interessado em uma hospedagem de custo mais baixo e em conhecer o dia-a-dia de uma comunidade na cidade do Rio de Janeiro.

Saiba mais sobre a Trajetória da Economia Solidária no Brasil.

Vinícius Carvalho

Boletim da RTS, 28/05/08


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