segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

De bolso cheio, Peru não sabe em que gastar

Bob Davis, The Wall Street Journal, de Lima
Publicado pelo Valor Online em 14/01/08

O governo do Peru tem um problema que daria água na boca da maioria dos políticos: como gastar todo o dinheiro que tem. Cerca de US$ 3 bilhões estão acumulados no estatal Banco de la Nación, uma soma enorme para um governo que arrecada em torno de US$ 15 bilhões por ano em impostos.

A alta do cobre, do ouro e do gás natural está forrando os cofres peruanos com royalties e impostos. Isso põe o país diante de um desafio hoje presente em muitos países em desenvolvimento que desfrutam do boom mundial de commodities: decidir como melhor tirar proveito de sua bonança.

O Chile está reservando a receita com cobre num fundo para gastar quando a cotação da commodity cair. Países petrolíferos do Oriente Médio estão comprando participações em empresas do Ocidente. A Venezuela está importando febrilmente, enquanto o Chade, um produtor de petróleo africano muito mais pobre, está deixando seus ganhos escorrer pelo ralo da corrupção.

Com quase metade de sua população abaixo da linha de pobreza, o governo peruano diz que sua prioridade é distribuir a riqueza. É uma escolha tanto política quanto econômica. Venezuela, Bolívia e Equador são governados por presidentes populistas porque os eleitores rejeitaram candidatos vistos como amigos das elites. No Peru, o populista Ollanta Humala perdeu por uma pequena margem para Alan García no ano passado.

"A questão central no Peru", diz o ex-presidente do conselho de ministros Pedro Pablo Kuczynski, "é como o dinheiro do governo chega ao povo".

Desde 2002, a economia deste país montanhoso de 29 milhões de habitantes tem tido um crescimento forte, de 5,9% ao ano. Mas, como em muitas nações pobres, a maior parte dos ganhos ficou com quem mora nos bairros mais ricos, enquanto muita gente continua sem eletricidade e saneamento básico decente. Para reduzir a desigualdade, o Peru agora divide sua receita com mineração e gás natural entre o governo federal e as áreas remotas.

Mas poucas localidades rurais têm usado o dinheiro com eficiência. Regras governamentais exigem que os fundos sejam gastos principalmente com infra-estrutura, o que levou a um "miniboom" de arenas de touradas, estádios de futebol e outros projetos que trazem votos para os prefeitos. Mas a maior parte do dinheiro fica no banco. Em geral, diz o ministro das Minas, Juan Valdívia, os municípios gastaram cerca de um terço dos recursos repassados a eles em 2007.

As regras econômicas no Peru têm o objetivo de dificultar gastos para assegurar a disciplina fiscal, um lembrete de sua história de hiperinflação, corrupção e centralização. Poucos prefeitos, ou suas equipes, são treinados para fazer projetos, orçá-los, licitá-los e supervisionar suas finanças. Não era preciso saber nada disso para fazer uma cozinha numa escola municipal - o tipo de projeto que podiam pagar no passado. Mas os municípios têm de seguir as complicadas regras de licitação do governo se quiserem construir grandes redes de água e esgoto ou escolas de ensino secundário.

Para superar o déficit de conhecimento, o governo Alan García voltou-se ao setor privado, mas isso não ajudou muito. A Confederação de Associações de Empresas Privadas só agora está contratando presidentes aposentados de empresas para ensinar técnicas de gestão aos municípios.

Em 2008, o governo negociou uma contribuição "voluntária" de US$ 800 milhões do setor de mineração ao longo de cinco anos - na forma de um imposto sobre os lucros decorrentes do atual boom - para ser gasto em projetos rurais perto das minas. Como contribuição, as minas Buenaventura ajudaram a construir escolas na região andina de Huancavelica. ("Fica no meio do nada", diz José Miguel Morales, o diretor jurídico da companhia.) Mas muitos dos projetos financiados por mineradoras também estão atrasados, porque as empresas primeiro têm de negociar acordos com os municípios e autoridades da comunidade.

A International Finance Corp., do Banco Mundial, tem treinado funcionários públicos municipais na cidade de Baños del Inca, perto de uma enorme mina de ouro no norte dos Andes, para usar software de orçamento e compra para cumprir as regras do governo. Os recursos da cidade oriundos da mineração saltaram de US$ 1 milhão há cerca de cinco anos para US$ 17 milhões agora. Ela está usando o dinheiro para melhorar sistemas de água e irrigação. Mesmo assim, a cidade ainda gasta só metade do que está disponível, diz Javier Aguilar, um gerente de programas da IFC, que está expandindo o programa de treinamento para cinco outras regiões.

Frustrado, o governo García está trabalhando num plano para gastar um terço dos fundos de mineração em cheques para os habitantes rurais ou doações sem condições específicas para as comunidades. Esse dinheiro seria torrado de uma vez, dizem críticos de direita e de esquerda. "É muito demagógico", diz Javier Diez Canseco, um ex-parlamentar de esquerda. O dinheiro da mineração "deveria construir outros projetos econômicos".

O Banco Interamericano de Desenvolvimento teve uma idéia mais segura. Em 2003, o BID pressionou o Peru a pôr royalties de gás natural num fundo que seria administrado por uma comissão independente que iria considerar aplicações para financiamento de grupos comunitários e municípios. Os projetos não seriam limitados à infra-estrutura.

A idéia era canalizar com rapidez o dinheiro para projetos úteis e reduzir o atraso político. O Congresso rejeitou o plano, com receio de que não receberia os créditos pelos gastos, e aprovou um repasse maior de verbas para as localidades. Mas os regulamentos tornaram mais difícil gastar o dinheiro.

Resultado: depois de cinco anos de boom econômico, a vida mudou pouco na zona rural peruana. Isso está acontecendo em outros países ricos em recursos naturais, algo que pode ser atraente para políticos populistas.


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