domingo, 2 de setembro de 2007

Quilombos brasileiros resistem à exclusão

Fabiana Frayssinet
Publicado pela Terramérica em 27/08/07


A capoeira é um dos legados culturais dos quilombos brasileiros.
Foto Photo Stock


Depositários do que hoje se conhece como cultura afro-brasileira, os quilombos persistem, mas marcados pelo abandono.

Mais de um século depois da abolição da escravatura, persistem no Brasil pequenas vilas remanescentes dos quilombos, redutos de liberdade criados pelos escravos africanos fugitivos, nos séculos XVII e XVIII. Os que conseguiam escapar se refugiavam em meio à selva ou em montanhas inacessíveis para resistir à ordem colonial. Sob diferentes nomes – por exemplo, palenque – essas áreas liberadas existiram em toda a América Latina colonial.

“Hoje também tentam resistir, criando laços de identificação histórica e cultural”, disse ao Terramérica Givânia Silva, subsecretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Um plano governamental de desenvolvimento busca melhorar suas condições de vida, das piores do Brasil. Coordenada pela Seppir, a proposta para os quilombolas (habitantes dos quilombos) inclui titularidade de terras – iniciada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) –, melhoria de estradas, saneamento, abastecimento hídrico, além de educação e saúde.

O Programa de Desenvolvimento para Quilombos, com participação de sete ministérios, segundo confirmou ao Terramérica a assessora de imprensa da Seppir, Isabel Clavelín, se insere em outro criado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, “para resgatar a identidade e melhorar as condições de vida dessas comunidades”, conforme seu documento constitutivo. Serão beneficiadas, inicialmente, 525 comunidades de 22 Estados, com vistas a aumentar esse objetivo até 2010. E se centrará em garantir o acesso à terra.

“O desenvolvimento de uma comunidade rural sem terra é fictício. Se não têm suas terras regularizadas, se estas estão ocupadas ou invadidas, de que tipo de desenvolvimento podemos falar?”, perguntou Silva. “No imaginário nacional é comum associar os quilombos às aulas de história na escola, ou a algo restrito ao passado que teria desaparecido do país com o fim da escravidão”, em 1888, afirma a Seppir. Mas estas comunidades existem em quase todo o Brasil, com maior concentração em Mato Grosso, Bahia, Goiás, Minas Gerais e Pará. Mas também cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. “Muitas comunidades urbanas não eram assim. As cidades chegaram a elas, não o contrário”, sintetizou Silva.

“A legislação em vigor reconhece os quilombos a partir da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que estabelece a autodeterminação dos povos”, disse Silva, que é de Conceição das Crioulas, uma comunidade quilombola em Pernambuco. Um levantamento da Fundação Palmares detectou 1.170 comunidades remanescentes de quilombos. A Seppir calcula que podem passar de três mil. Isto representaria 1,7 milhão de pessoas em um país de 189 milhões de habitantes. Segundo o censo de 2002, 48% dos brasileiros são negros e mulatos. Os afrodescendentes “são 70% dos mais pobres do país. É justo e urgente que o mesmo Estado que os reprimiu agora efetive ações que lhes devolvam suas condições dignas e promovam sua permanência”, afirmou Silva.

Afastados dos centros urbanos e em lugares de difícil acesso, os quilombos sobreviveram da agricultura e do pequeno comércio e tentaram recuperar a organização social africana. O mais famoso foi o Quilombo dos Palmares, uma cidadela fortificada que perdurou durante um século e chegou a ter 15 mil habitantes. De acordo com Silva, o isolamento permitiu sua sobrevivência e a de sua identidade cultural. Por outro lado, também agravou as condições de vida, afirma a pesquisa “Chamada Nutricional Quilombola 2006”, do Ministério de Desenvolvimento Social. O informe mostra que entre os quilombolas a proporção de crianças até cinco anos desnutridas é 76,1% maior do que em toda a população brasileira, e 44,6% maior do que a da população rural. Noventa e um por cento das famílias têm renda inferior a US$ 190 mensais. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que tem dois projetos de apoio aos descendentes de quilombolas, destacou que apenas 3,2% das crianças vivem em residências com acesso a saneamento.

A regularização de terras, por meio de títulos de propriedade coletiva, é um dos aspectos mais complexos. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), as comunidades devem primeiro encaminhar uma declaração expedida pela Fundação Palmares na qual estejam identificadas como remanescentes de quilombos. A seguir devem apresentar um pedido formal de abertura de processo. Isto envolve desde antropólogos até peritos em agrimensura. Depois que o Incra reconhece os limites da terra, pode determinar a expropriação ou pagamento de melhorias em casos de terras em litígio. Há no Incra 585 processos de regularização de terras, e 31 títulos foram emitidos entre 2003 e 2006. “Espero que estas iniciativas compensem a injustiça histórica cometida contra a população negra no Brasil”, disse Silva.

* A autora é colaborada da IPS.




Um comentário:

Alberto Araujo disse...

Achei legal fazer um blog com esse título. Também tenho interesse no tema.



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