sábado, 18 de agosto de 2007

II FSNE: movimentos repudiam a transposição do São Francisco

Rosário de Pompéia*
Publicado pela
Rets em 17/08/07

A caminhada do II Fórum Social Nordestino deixou evidente o repúdio dos movimentos sociais ao projeto de transposição do Rio São Francisco. Uma gigante carranca (símbolo que fica nas proas dos barcos que navegavam o rio) puxava a multidão, que entoava “São Francisco vivo: terra, água, rio e povo!”.

A conjuntura atual foi o ponto de partida para se pensar em novas estratégias de mobilização. “O processo de licitação está parado porque três empresas entraram com uma ação no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) alegando irregularidades. O projeto como um todo vai ser julgado pelo relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence. Os movimentos encaminharam uma ação popular baseada em vários pareceres contrários ao projeto, inclusive o do Tribunal de Contas da União, que recomendou ao Ministério da Integração Nacional uma avaliação do alcance do projeto e o tempo necessário para atingir os beneficiados”, explica Juliana Barros, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais – AATR. Enquanto isso, as obras de destacamento e topografia estão caminhando, feitas por um Batalhão de Engenharia do Exército.

Durante os debates nas oficinas, seminários e conferências, os movimentos gritaram e mostraram que os principais beneficiados com a transposição serão os empreendimentos econômicos privados, como monocultura irrigada, carcinicultura, siderurgia e mercantilização da água. “A população está sendo vítima de uma política de marketing, pois o que realmente vai acontecer não é dito. Os beneficiados serão as empreiteiras, principais financiadoras de campanhas políticas. Os canais não vão chegar à população do semi-árido que está espalhada na caatinga, pois para isso serão necessárias outras obras - e assim, o preço da água vai encarecer”, explica Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, em uma das oficinas do II FSNE. Alzení Thomaz, do Conselho Pastoral dos Pescadores complementa que o problema não é apenas a falta de água, e sim o acesso à água. E nesse atual projeto, 70% da água vai para o agronegócio, 26% para as grandes cidades e 4% para uma população que não vai ter como pagar essa água.

A urgente necessidade da revitalização do rio, que já demonstra sinais de falecimento, e os impactos sociais e culturais também foram questões levantadas por índios, quilombolas e pequenos agricultores. “Essas obras vão passar em territórios indígenas e não se levou em conta que somos contrários ao projeto. Isso é inconstitucional”, afirma Zé de Santa, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOIMNE. “Esse projeto da morte do São Francisco também passa em comunidades quilombolas. O governo irá tirar as pessoas do seus territórios, mudando totalmente as suas vidas, interferindo nas suas organizações sociais, nas suas terras, nas suas culturas”, diz João da Conceição Santos, da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ. As principais conseqüências do projeto de transposição foram resumidas por Leomarcio Araújo, do Movimento dos Pequenos Agricultores da Bahia. “Vai ter mais concentração da propriedade de terras pelas indústrias e aumentará o uso do agrotóxico”.

O impacto na biodiversidade do Rio São Francisco é uma das preocupações do biólogo Maurício Lins Aroucha, da Agendha (Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia). “O Rio São Francisco possui a água mais doce do planeta de regiões semi-áridas e hiper-áridas. Ele é formado por rios temporários, em que a flora, fauna e microorganismos possuem uma dinâmica própria. Com a transposição, parte do rio ou todo ele (não sabemos ainda) deixará de ser temporário para ter água o ano todo, ou seja, será aletrada a dinâmica do rio. Dificilmente, a fauna, a flora e os microorganismos sobreviverão, pois isso exigiria uma mudança no seu código genético. “Os Estudos e Relatórios do Impacto Ambiental estão incompletos e, mesmo assim, apontaram inúmeros impactos negativos. Transposições desse porte que foram feitas pelo mundo tiveram um impacto negativo sobre o corpo hídrico e, em muitos lugares, o rio chegou a secar, como o Rio Colorado, nos Estados Unidos” explica Juracy Marques, professor da Universidade Estadual da Bahia. Vale salientar que o Brasil é signatário da Convenção Global para Conservação da Diversidade Biológica.

Propostas e alternativas
Alternativas mais eficientes e com menos impacto ao meio ambiente foram apontadas pelos manifestantes. Uma das mais citadas foi o "Projeto de Um Milhão de Cisternas", da Articulação do Semi-árido (ASA) e as 530 obras propostas pelo Atlas Nordeste - Abastecimento Urbano de Água, estudo elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA) que visa melhorar o gerenciamento da água entre os municípios da região. Enquanto a transposição está orçada em R$ 6,6 bilhões, o investimento previsto pelo Atlas é de R$ 3,6 bilhões. A transposição “beneficiaria” 391 municípios em quatro estados nordestinos. Já o Atlas alcançaria 1.356 sedes municipais em Minas Gerais e em todos os estados do Nordeste. Para o meio rural, existem cerca de 144 tecnologias, a maioria testada pela ASA. Construção de barragens subterrâneas, poços, barreiros e caldeirões de pedra também foram propostas como alternativas ao projeto. De acordo com Luiz Carlos Mandela, da Cáritas Brasileira, recurso hídrico existe em cada estado do Nordeste, o que falta é o gerenciamento para a satisfação das necessidades da população. “Deveriam criar um plano de gestão que institua o manejo adequado, descentralizado e participativo.”, sugere.

O projeto
Comumente conhecido como projeto da transposição do Rio São Francisco, oficialmente o nome da iniciativa é "Integração da Bacia do São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional". Para a sua realização, está prevista a construção de dois canais – um a Leste, que levará água para Pernambuco e Paraíba, outro na direção Norte, direcionado aos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Esta obra está inserida no pacote do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC e custará R$ 6,6 bilhões até 2010, R$ 20 bilhões até 2020 e mais R$ 93,8 milhões por ano, de manutenção.

Rosário de Pompéia, em cobertura especial para Rets, é jornalista do Centro de Cultura Luiz Freire, que apoiou sua ida ao II FSNE.


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