domingo, 22 de julho de 2007

Venezuela compra submarinos russos

Humberto Márquez
Publicado pela
IPS em 19/07/07

O anúncio de que a Venezuela comprará da Rússia cinco submarinos fez disparar alarmes de armamentismo convencional em um país que adota como doutrina de defesa a guerra assimétrica, ou de “todo o povo”.

Os submarinos custarão mais de US$ 1 bilhão, aos quais se somam os US$ 3 bilhões que o governo de Hugo Chávez destinou nos últimos dois anos para a compra também de armas russas. Além disso, adquiriu três radares da China e nesta semana foi informada a importação de aviões militares de transporte.

Os sistemas de armas incluem 24 caça-bombardeios Sukhoi-30, 55 helicópteros Mi-17 e Mi-35, 100 mil fuzis AK-103 e uma fábrica desses Kalashnikov e suas munições. Várias das aeronaves já sobrevoam território venezuelano. “Os Estados Unidos nos ameaçam constantemente. Temos de defender nossa revolução”, disse no final de junho durante visita a Moscou o presidehte Hugo Chávez, que mantém um aberto enfrentamento político com Washington. Chávez acusa os norte-americanos de negarem reposição de armamento e peças de reposição para os caças F-16 que a Venezuela comprou há um quarto de século, bem com para os aviões de transporte Hércules C-130, também fabricados nos Estados Unidos.

A agência russa Interfax informou sobre a venda dos submarinos movidos a diesel da classe Varshvyanka, conhecidos no Ocidente como Kilo 636, para operações anti-naves e equipados com seis tubos torpedeiros, 18 torpedos, 24 minas e oito mísseis superfície-ar. Uma versão melhorada, o submarino Amur 677, é mais silencioso e possui sistemas de lançamento vertical, para atingir alvos localizados a centenas de quilômetros.

“Por que submarinos?”, perguntou Chávez, dirigindo-se aos seus críticos. “Porque temos mar, para ajudar a proteger os campos de produção energética em mar aberto e porque o império norte-americano tem planos de agressão e fez tentativas desse tipo há anos, quando um porta-aviões entrou em águas territoriais da Venezuela”. Por sua vez, Rocio San Miguel, presidente da organização não-governamental Controle Cidadão para a Segurança e Defesa, entende que os submarinos “não atendem às necessidades de vigilância marítima da Venezuela, que são de superfície e de natureza aduaneira, ambiental, fiscal, sanitária e de luta contra o narcotráfico”.

A compra dos submarinos “é ruim para os vizinhos e pode alterar a geopolítica no Caribe”, começando pela vizinha Colômbia, que tem pendente com Caracas a delimitação de suas áreas marinhas e submarinas junto à fronteira norte, envolvendo águas do mar do Caribe e do Golfo da Venezuela, disse San Miguel à IPS. Durante décadas, as academias militares destes dois países incluíram em seus jogos de guerra hipóteses de conflito entre ambos.

O general da reserva Fernando Ochoa, ministro da defesa quando em 1992 Chávez liderou um cruento e falido golpe, disse que, “devido à deterioração de seu prestígio e ao fato de ninguém acreditar na invasão gringa, Chávez precisa recuperar popularidade à la Galtieri, criando tensão com um país vizinho”. Em 1982, o então ditador argentino Leopoldo Galtieri ordenou a ocupação militar das ilhas Malvinas, para deter a acelerada deterioração do regime imposto em 1976, com o resultado de uma guerra com a Grã-Bretanha e a conseqüente derrota diante da segunda maior força marítima do mundo.

Segundo Ochoa, isso explica o fato de “ter comprado material bélico pesado, embora seja contraditório com a teoria da guerra assimétrica, que demanda material leve em lugar de submarinos ou aviões de alta tecnologia para uma guerra regular na região”. A preparação “de todo o povo” para tarefas de defesa levou Chávez, há dois anos, a criar a Reserva, com dezenas de milhares de civis como quinto componente das Forças Armadas, junto com Exército, Marinha, Aeronáutica e Guarda Nacional, que é uma força militar com atribuições de polícia.

O até agora comandante dessa Reserva, general Gustavo Rangel, assumiu ontem como ministro da Defesa, “o que impulsionará a nova doutrina de segurança, de união cívico-militar e guerra de resistência”, afirmou o coronel da reserva Héctor Herrera, do grupo pró-oficialista Frente Cívico-Militar Bolivariano. Rangel substitui o general Isaías Baduel, artífice da devolução do governo a Chávez em abril de 2002, quando um golpe de Estado cívico-militar o tirou do poder por dois dias, e que passa à reserva com outros generais, como Alberto Muller, coordenador do Estado Maior Presidencial.

A imprensa informou que Baduel liderou dentro dos altos comandos a corrente “profissional” dos quadros militares com compra de armamento convencional, enquanto Muller, seguindo o discurso de Chávez, defendeu a “guerra de todo o povo”. Há “pressões nos comandos militares a respeito da mudança que possa significar o novo modelo de defesa, porque isso acaba com uma série de privilégios. Minha posição é contrária a profissionalizar a Força Armada’, disse o esquerdista Muller, que em 2005 foi chamado novamente às fileiras pelo mandatário, apesar de já ter 70 anos de idade e 20 na reserva. A Força Armada venezuelana “deve apontar para a defesa de todo o povo, para a guerra de resistência que faz o povo diante do invasor estrangeiro”, ressaltou Muller.

O especialista político Alberto Garrido disse à IPS que, “embora Chávez compartilha com Muller o julgamento de que o choque final com os Estados Unidos é assimétrico, a imprescindível situação geopolítica regional e a realidade militar racional o obrigam a ser cuidadoso”. O esquema do presidente seria “preparação para uma guerra combinada, convencional e assimétrica. A convencional não pode funcionar eficazmente contra os Estados Unidos, mas, tem validade diante de vizinhos, algo esboçado por Baduel quando formulou (há um ano) a hipótese de guerra em razão de conflitos em países fronteiriços”, segundo Garrido.

A guerra assimetria ou sem restrições, segundo os teóricos chineses Qiao Lyang e Wang Xiangsui, pressupõe a utilização de qualquer tipo de luta diante de uma potência esmagadoramente superior em força, tecnologia ou influência diplomática, combinando ações políticas e militares e envolvendo a população civil.San Miguel recordou que a Venezuela é signatária dos Convênios de Genebra de 1949 e seus protocolos adicionais de 1977, que protegem a população civil e vedam seu emprego em ações bélicas, “pois se assumem o papel de combatentes pode-se usar a força letal contra eles”.

A anunciada compra de submarinos não despertou maiores repercussões no resto da América. Washington se absteve de incluir o assunto quando, ainda com Chávez na Rússia, o presidente desse país, Vladimir Putin, visitou seu colega George W. Bush em sua residência de verão. Até deixar seu cargo há duas semanas, o embaixador de Washington em Caracas, William Brownfield, repetiu com freqüência em suas declarações públicas que “os Estados Unidos não invadiram nunca a Venezuela, não a está invadindo e jamais a invadirá”.

A Colômbia não fez nenhuma declaração sobre o assunto. Um pacto entre os presidentes Chávez e seu colega Álvaro Uribe mantém longe dos microfones diversos temas sensíveis. Diplomatas europeus e latino-americanos em Caracas reconhecem em particular que um crescimento do armamento venezuelano deve levar a Colômbia a fórmulas de equilíbrio. Segundo Ochoa, a hipótese de um conflito com a Colômbia exige a neutralidade dos Estados Unidos, “sem a qual uma aventura seria irresponsabilidade inaceitável”.

No Brasil, o almirante Julio Soares de Moura, comandante da Marinha, descartou qualquer preocupação. “Não diria que há uma corrida armamentista na Venezuela, creio que é um reequipamento ou renovação de arsenal. Não me parece que representam algum risco. Brasil e Venezuela mantêm relações cordiais”, disse Moura. San Miguel insistiu em que a Venezuela carece de um “livro branco” que defina as ameaças à sua segurança e a construção de políticas de defesa nacional. “Parece que o presidente se expressa e os demais atuam. Não há quem lhe diga não”.


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