sexta-feira, 15 de junho de 2007

Um império que nasceu na sapataria

Por Fernanda Medeiros, para o Valor
Publicado pelo Valor Online 14/06/07

Na Olimpíada do ano que vem, em Pequim, a Adidas vai vestir toda a equipe de organização e os atletas chineses nas cerimônias de abertura e encerramento. Para isso já gastou US$ 80 milhões, configurando mais uma prova de sua importância como uma marca global. Há também investimentos previstos para as Copas do Mundo de futebol de 2010 e 2014.

Esse panorama vitorioso, no entanto, contrasta com os tempos em que Adolf "Adi" Dassler (1900-1978), fundador da empresa, vasculhava as florestas alemãs em busca de restos de material deixado pelos soldados que combateram na Primeira Guerra e poderiam ser úteis para sua sapataria. Ele transformava as fitas de couro dos capacetes em solas e os pára-quedas rasgados em chinelos. Seus métodos de trabalho talvez tenham mudado muito desde então, mas seguiram bastante heterodoxos.

Toda a história da Adidas e sua briga com outros gigantes do setor está no livro "Invasão de Campo". A autora, a jornalista holandesa Barbara Smit, revela detalhes da histórica rivalidade entre Adolf e seu irmão Rudolf Dassler (1896-1974), o fundador da concorrente Puma.
Brigas e intrigas, comuns em famílias que dividem o mesmo teto e a mesma fonte de renda, acabaram com a parceria que já sinalizava êxito. Assim surgiram os dois grandes impérios. Depois de uma briga com Rudolf, em 1948, Adolf pediu registro para uma outra empresa. A idéia era que se chamasse Addas - nome que foi rejeitado, já que havia uma outra companhia com essa grife. Adolf, então, juntou seu apelido (Adi) e parte do sobrenome (Dassler) para criar a Adidas. Rudolf fez algo bastante semelhante e criou a Ruda. Mas por sugestão de amigos registrou outra marca: Puma.

Ainda hoje as fábricas da Adidas e da Puma ficam na pequena cidade alemã de Herzogenaurach. Foi lá, nos anos 1920, que Adolf e Rudolf construíram sua primeira fábrica. Adi criava e executava e Rudolf vendia e distribuía sapatos a clubes que brotavam por toda a Alemanha.
As tiras laterais que imortalizaram a Adidas surgiram para fortalecer as laterais dos calçados. Mas por que três tiras? A explicação é simples: duas tiras eram usadas pela maioria dos sapateiros. Quatro deixariam o modelo esteticamente confuso demais. Três, então, era a solução. A diferença estava na cor.

Antes de Adi, o detalhe era feito no mesmo couro do sapato, preto ou marrom-escuro. A Adidas apostou em tiras brancas ou de cores diferentes das do restante do sapato - o que facilitou a identificação dos produtos nos pés dos campeões e rendeu muito em publicidade quando a palavra marketing ainda nem existia.

Durante sua investigação, a autora do livro descobriu a história de outro nome dessa marca chamada Adidas: Horst Dassler (1936-1987), o primogênito de Adolf, que para Bárbara é o inventor do esporte como negócio.

Horst era o braço direito do pai. Ele foi o homem que levou a obsessão do fundador da Adidas a níveis bem mais profissionais, ultrapassando as fronteiras do negócio familiar e transformando a Adidas na maior empresa de esportes de uma época. Horst era capaz de tudo. De violar regras quando as leis eram incipientes e de inventar o marketing esportivo e o merchandising para se beneficiar deles. A Adidas chegou ao topo comprando e trocando favores.

Foi Horst que financiou boa parte da estratégia de manutenção de João Havelange, ex-presidente da Fifa, no poder. A tática consistia, grosso modo, em filiar a maior quantidade possível de países e inflar de seleções a Copa do Mundo. Horst conseguiu verbas, convencendo empresas que nada tinham a ver com o esporte, como a Coca-Cola, a investir no futebol em troca de publicidade. Em contrapartida, segundo o livro, Havelange deixou as portas dos campeonatos internacionais ainda mais abertas para a Adidas.

Os cinco anos de pesquisas e entrevistas feitas por Bárbara para o livro dão substância para histórias de bastidores como essas e mostram um mundo que viu nascer e crescer Pelés, Ronaldos, Beckenbauers e Beckhams. Fica-se sabendo, por exemplo, que, grande amigo de Adi, Beckenbauer cresceu na miséria e aprendeu a jogar futebol usando botas de couro para esqui. Quando recebeu seu primeiro par de chuteiras Adidas ficou tão feliz que se recusou a tirá-las para dormir.
Do lado da concorrência - a Puma -, estratégias agressivas também foram adotadas. Para calçar chuteiras da marca durante a Copa do México, em 1970, Pelé recebeu US$ 25 mil. Como ganharia também 10% sobre cada par vendido, o jogador bolou uma tática de exposição. Pouco antes do pontapé inicial em um dos jogos da fase eliminatória, foi ao juiz e pediu um minuto. Então, quase cenograficamente, ajoelhou-se e amarrou os cadarços. Durante vários segundos suas chuteiras preencheram as telas de milhares de televisores em todo o mundo. A Puma bateu recorde de vendas.

Outra história curiosa é a do corredor Medalha de Ouro nos 200 metros na Olimpíada do México, em 1968, Tommie Smith, que ficou famoso ao subir ao pódio descalço e cerrar os punhos na saudação do grupo americano Panteras Negras. Ele levou consigo para a cerimônia de premiação um pé de seu tênis Puma, que pousou cuidadosamente no pódio para não desagradar ao patrocinador.

Depois de alguns anos e muitos campeonatos, David Beckham em nada parecia o garoto tímido que em 1993 assinara um modesto contrato com a Adidas. Todas as suas roupas precisavam antes ser aprovadas por sua mulher, Victoria. Os pedidos do casal eram tão esdrúxulos que ninguém da empresa estranhou quando o jogador solicitou uma calça de veludo roxo com três listras brilhantes. O traje foi usado em um encontro com a rainha da Inglaterra.

O pecado do livro foi passar por cima das polêmicas relações trabalhistas em países do Oriente, onde mantém parte de sua produção. Por precaução, a autora se defende na abertura do livro, admitindo não ter mencionado a questão por achar que "ela ultrapassa o tema abordado". Esse seu pedido de desculpas é endossado pelas próprias marcas, que dizem "investir pesadamente na supervisão de suas fábricas", mas reconhecem "não ter muito sucesso em fiscalizar a prática de seus fornecedores".


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