Um império que nasceu na sapataria
Esse panorama vitorioso, no entanto, contrasta com os tempos em que Adolf "Adi" Dassler (1900-1978), fundador da empresa, vasculhava as florestas alemãs em busca de restos de material deixado pelos soldados que combateram na Primeira Guerra e poderiam ser úteis para sua sapataria. Ele transformava as fitas de couro dos capacetes em solas e os pára-quedas rasgados em chinelos. Seus métodos de trabalho talvez tenham mudado muito desde então, mas seguiram bastante heterodoxos.
Toda a história da Adidas e sua briga com outros gigantes do setor está no livro "Invasão de Campo". A autora, a jornalista holandesa Barbara Smit, revela detalhes da histórica rivalidade entre Adolf e seu irmão Rudolf Dassler (1896-1974), o fundador da concorrente Puma.
Brigas e intrigas, comuns em famílias que dividem o mesmo teto e a mesma fonte de renda, acabaram com a parceria que já sinalizava êxito. Assim surgiram os dois grandes impérios. Depois de uma briga com Rudolf, em 1948, Adolf pediu registro para uma outra empresa. A idéia era que se chamasse Addas - nome que foi rejeitado, já que havia uma outra companhia com essa grife. Adolf, então, juntou seu apelido (Adi) e parte do sobrenome (Dassler) para criar a Adidas. Rudolf fez algo bastante semelhante e criou a Ruda. Mas por sugestão de amigos registrou outra marca: Puma.
Ainda hoje as fábricas da Adidas e da Puma ficam na pequena cidade alemã de Herzogenaurach. Foi lá, nos anos 1920, que Adolf e Rudolf construíram sua primeira fábrica. Adi criava e executava e Rudolf vendia e distribuía sapatos a clubes que brotavam por toda a Alemanha.
As tiras laterais que imortalizaram a Adidas surgiram para fortalecer as laterais dos calçados. Mas por que três tiras? A explicação é simples: duas tiras eram usadas pela maioria dos sapateiros. Quatro deixariam o modelo esteticamente confuso demais. Três, então, era a solução. A diferença estava na cor.
Antes de Adi, o detalhe era feito no mesmo couro do sapato, preto ou marrom-escuro. A Adidas apostou em tiras brancas ou de cores diferentes das do restante do sapato - o que facilitou a identificação dos produtos nos pés dos campeões e rendeu muito em publicidade quando a palavra marketing ainda nem existia.
Durante sua investigação, a autora do livro descobriu a história de outro nome dessa marca chamada Adidas: Horst Dassler (1936-1987), o primogênito de Adolf, que para Bárbara é o inventor do esporte como negócio.
Horst era o braço direito do pai. Ele foi o homem que levou a obsessão do fundador da Adidas a níveis bem mais profissionais, ultrapassando as fronteiras do negócio familiar e transformando a Adidas na maior empresa de esportes de uma época. Horst era capaz de tudo. De violar regras quando as leis eram incipientes e de inventar o marketing esportivo e o merchandising para se beneficiar deles. A Adidas chegou ao topo comprando e trocando favores.
Foi Horst que financiou boa parte da estratégia de manutenção de João Havelange, ex-presidente da Fifa, no poder. A tática consistia, grosso modo, em filiar a maior quantidade possível de países e inflar de seleções a Copa do Mundo. Horst conseguiu verbas, convencendo empresas que nada tinham a ver com o esporte, como a Coca-Cola, a investir no futebol em troca de publicidade. Em contrapartida, segundo o livro, Havelange deixou as portas dos campeonatos internacionais ainda mais abertas para a Adidas.
Os cinco anos de pesquisas e entrevistas feitas por Bárbara para o livro dão substância para histórias de bastidores como essas e mostram um mundo que viu nascer e crescer Pelés, Ronaldos, Beckenbauers e Beckhams. Fica-se sabendo, por exemplo, que, grande amigo de Adi, Beckenbauer cresceu na miséria e aprendeu a jogar futebol usando botas de couro para esqui. Quando recebeu seu primeiro par de chuteiras Adidas ficou tão feliz que se recusou a tirá-las para dormir.
Outra história curiosa é a do corredor Medalha de Ouro nos 200 metros na Olimpíada do México, em 1968, Tommie Smith, que ficou famoso ao subir ao pódio descalço e cerrar os punhos na saudação do grupo americano Panteras Negras. Ele levou consigo para a cerimônia de premiação um pé de seu tênis Puma, que pousou cuidadosamente no pódio para não desagradar ao patrocinador.
Depois de alguns anos e muitos campeonatos, David Beckham em nada parecia o garoto tímido que em 1993 assinara um modesto contrato com a Adidas. Todas as suas roupas precisavam antes ser aprovadas por sua mulher, Victoria. Os pedidos do casal eram tão esdrúxulos que ninguém da empresa estranhou quando o jogador solicitou uma calça de veludo roxo com três listras brilhantes. O traje foi usado em um encontro com a rainha da Inglaterra.
O pecado do livro foi passar por cima das polêmicas relações trabalhistas em países do Oriente, onde mantém parte de sua produção. Por precaução, a autora se defende na abertura do livro, admitindo não ter mencionado a questão por achar que "ela ultrapassa o tema abordado". Esse seu pedido de desculpas é endossado pelas próprias marcas, que dizem "investir pesadamente na supervisão de suas fábricas", mas reconhecem "não ter muito sucesso em fiscalizar a prática de seus fornecedores".
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