quarta-feira, 20 de junho de 2007

China: Crianças escravizadas, que desenvolvimento é este?

Antoaneta Bezlova, da IPS
Publicado pela revista
Envolverde em 20/06/07

Perturbadores casos de escravidão nos fornos de olarias na China, incluindo meninos e meninas, despertaram novas dúvidas sobre as leis trabalhistas deste país.

O primeiro caso de exploração começou a ser conhecido este mês, quando jornais locais publicaram foto de um grupo de pessoas libertadas após mais de um ano de trabalhos forçados em uma fábrica de tijolo no centro da China. A fotografia, mais impactante ainda porque a imprensa chinesa é supervisionada pelo Estado, mostrava pessoas com ferimentos e queimaduras, claros sinais de má nutrição e expressões aturdidas de falta de fé em sua repentina libertação.

A matéria que acompanhava a foto era ainda mais surpreendente em um país onde o governante Partido Comunista chegou ao poder por seu compromisso de criar um paraíso para os trabalhadores. As 32 pessoas foram enganadas com oferta de trabalho pago, mas uma vez dentro das olarias, na aldeia de Caosheng, província central de Xhanxi, foram obrigadas a trabalhar sob controle de guardas e cães durante 18 horas por dia. Nenhuma recebeu dinheiro durante todo esse tempo e sobreviveram apenas com pão e água.

Quando uma blitz policial as libertou no final do mês passado, descobriu-se que um homem havia sido morto a marteladas; oito pessoas estavam tão traumatizadas que somente conseguiam lembrar seus nomes. Todas apresentavam queimaduras por terem carregado tijolo quente sem proteção. Suas roupas não passavam de farrapos e “a sujeira em seus corpos era tão grande que só saia raspando com uma faca”, informou o Shanxi Evening News. A fábrica de tijolos era operada por um capataz identificado como Heng Tinghan, mas seu proprietário era o filho do presidente do Partido Comunista da região. Segundo moradores da área, essas fábricas ilegais operavam graças a um acordo tácito com a polícia.

A revelação deste caso foi seguida por uma carta aberta que circulou em vários fóruns chineses na Internet na qual se denunciava que pelo menos mil crianças entre 8 e 16 anos foram escravizadas nas fabricas ilegais de tijolos na província de Shanxi. A carta, assinada por 400 pais da província central de Henan, pedia ajuda para uma campanha destinada a resgatar os menores. Os pais afirmavam que os filhos foram forçados a entrar em automóveis em diferentes cidade de Henan, como a capital Zhengzhou, e depois foram vendidos a chefes de fábricas por cerca de 500 yuans (US$ 65) cada um.

No final dos anos 60, o escarpado território da província de Henan foi usado pelos estrategistas de Mao Tse Tung para esconder milhares de fábricas de armas e munições. Muitas desses locais agora abrigam fornos ilegais de tijolos, segundo os pais de Henan, onde crianças seqüestradas trabalham em condições horríveis. “Os lugares onde vivem essas crianças eram piores do que casinhas de cachorro. Não havia camas, dormiam sobre tábuas e as paredes estavam cobertas de excremento. Estávamos mortos de medo pelo que vimos”, contou ao jornal Xinjigbao Chai Wei, um pai de Henan que conseguiu entrar em várias fábricas de tijolo em busca do filho desaparecido.

Chai havia dirigido os esforços de resgate de quase 100 pais que arrecadaram dinheiro para alugar um carro e percorrer as fábricas de tijolos de Shanxi. Sua busca conseguiu resgatar cerca de cem crianças, mas restavam centenas, disse Chai. Seu filho de 17 anos, que desapareceu de Zhengzhou em abril, ainda não foi encontrado. “Não conseguimos nenhuma ajuda da polícia local. Muitos de seus funcionários são pessoas próximas dos donos das fábricas e poderiam alertá-los da chegada de um grupo de busca. Aprendemos a não confiar nos policiais e percorrer as fábricas, uma a uma, por nossa própria conta”, disse Chai. A descoberta de redes provinciais de trabalhos forçados veio a público quando a China se prepara para adotar uma nova lei de trabalho que foi debatida pelos legisladores durante muitos meses.

A nova legislação pretende tomar medias enérgicas contra centros de exploração e os abusos de trabalhadores dando um poder real aos sindicatos controlados pelo Estado, pela primeira vez desde que Pequim introduziu reformas de mercado na década de 80. Nos últimos 10 anos, a economia chinesa cresceu dois dígitos graças ao trabalho de milhões de trabalhadores que produziam mercadorias para a exportação em troca de baixos salários. Mas com o florescer da economia, as disputas trabalhistas se multiplicaram. Cada vez mais trabalhadores se apresentam nos tribunais ou saem às ruas para protestar contra as más condições trabalhistas e atraso no pagamento.

O governo descreveu a nova legislação como uma tentativa de melhorar a proteção dos trabalhadores e deter os abusos. Mas não está claro o quanto será efetiva neste vasto país, onde muitos funcionários locais tendem a ignorar ou burlar as diretrizes do governo central. Os defensores dos trabalhadores alegam que os poderes de aplicação da lei serão melhorados somente se Pequim permitir sindicatos independentes. “Sem supervisão ou defesa do poder coletivo da mão-de-obra, as leis e resoluções do governo central não serão respeitadas ou administradas”, afirmou Cai Chongguo, especialista em direitos trabalhistas do China Labour Bulletin, com sede em Hong Kong.

A China já possui uma lei trabalhista e outra sobre proteção dos menores, mas nenhuma delas impediu o escândalo de trabalho forçado em Shanxi, dizia um comentário assinado e publicado domingo pela agência de notícias Sinhua. “A razão para que fossem cometidos delitos tão flagrantes nas fábricas de tijolos de Shanxi é que empresários e funcionários locais trabalhavam em equipe”, acrescentou. O jornal China Youth Daily foi mais longe, qualificando os casos de escravidão de “desgraça vergonhosa”, deixando exposta a negligência dos funcionários no cumprimento de seu dever. “Quando uma lei é debilitada maciçamente em sua implementação a ponto de se converter em um pedaço de papel sem valor, então é necessário repensá-la”, afirmou o jornal.


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