quarta-feira, 20 de junho de 2007

A imprensa abre um olho para a sustentabilidade

Luciano Martins Costa
Publicado pelo Observatório da Imprensa em 19/6/07


A participação de jornalistas com elevadas responsabilidades em suas empresas no debate "Responsabilidade social na mídia: pauta e gestão", que inaugurou a Conferência Internacional 2007 – Empresas e Responsabilidade Social, do Instituto Ethos, abriu uma janela interessante para a observação do atual estado da mídia. Como se sabe, a imprensa alojada nos meios tradicionais, como jornais, revistas, rádio e televisão, vive um momento de grandes mudanças, com oportunidades e riscos trazidos pelas novas tecnologias, pela globalização e por novos hábitos de leitores que desafiam a capacidade de inovação de jornalistas e gestores.

A pergunta de Ricardo Young, diretor-executivo do Instituto Ethos, sobre se os jornalistas estariam "com o olhar afinado e ouvidos treinados para identificar os temas relativos à sustentabilidade" foi claramente respondido pelos participantes – Antonio Manuel Teixeira Mendes, diretor-superintendente do Grupo Folha; Caco de Paula, diretor do Núcleo de Turismo e coordenador do projeto Planeta Sustentável da Editora Abril; Albert Alcouloumbre, diretor de Planejamento e Projetos Sociais da Central Globo de Comunicação; e Ricardo Gandour, diretor de Conteúdo do Grupo Estado: não.

A imprensa, de modo geral, não consegue ainda produzir uma abordagem capaz de identificar e relacionar os temas da sustentabilidade ao veio principal das notícias e opiniões.

Relação comprovada
O debate fechou uma série de encontros promovidos pela Rede Ethos de Jornalistas, nos quais os representantes da mídia se mostraram surpresos com o amadurecimento que o tema já alcançou em outros setores com os quais os jornalistas têm muita familiaridade. Como um resumo das discussões anteriores, a mesa-redonda realizada na conferência do Ethos deverá produzir grandes mudanças na forma como a imprensa aborda o movimento global pela renovação da economia, dos hábitos de consumo e das políticas públicas – pois é disso, afinal, que trata a sustentabilidade.

Alguns dos especialistas presentes consideraram positiva – como um ato de coragem – a presença de dirigentes da mídia brasileira diante de cerca de 1.300 protagonistas de movimentos sociais e ambientais de várias partes do mundo. E pela primeira vez, desde que o Ethos iniciou seu esforço para buscar um engajamento mais efetivo da imprensa, seus representantes calçaram as "sandálias da humildade" – como dizem os comediantes da televisão – e assumiram a tarefa de se informar a respeito.

A despeito de algumas tentativas de "enrolar" a platéia – atitude insensata, a se considerar o alto grau de especialização da maioria dos presentes – o que se viu pode dar algumas pistas sobre outras deficiências da imprensa, fartamente apontadas neste Observatório e em outras instâncias de análise da mídia nacional.

Uma delas, talvez a mais evidente: embora todas as pesquisas indiquem grande expectativa dos leitores quanto a uma maior capacidade de jornais e revistas para melhor representar a realidade, oferecendo análises mais profundas e maior interconexão entre as notícias, a mídia impressa segue tratando com superficialidade e de forma fragmentada a questão mais premente da humanidade. Da mesma forma como quebra e recorta o noticiário sobre escândalos, sobre economia e sobre a precariedade da nossa democracia, a imprensa picota o tema sustentabilidade, dificultando a compreensão e o necessário e urgente engajamento de cidadãos, empresas e instituições públicas na busca de um modelo sustentável de desenvolvimento.

A questão ambiental vem separada do desafio das desigualdades sociais, que também aparece dissociado do ideal econômico adotado pela imprensa em geral, da mesma forma como, na editoria de Política, a absoluta evidência da incompatibilidade entre o comportamento do presidente do Senado e as honras do cargo vem regularmente apartada – como fato isolado – da impossibilidade de se esperar uma reforma institucional capitaneada pelos mesmos indivíduos que se beneficiam do atual sistema.

É a mesma deficiência demonstrada quando a imprensa foge da comprovada relação entre a falta de segurança e a ineficiência policial e o gangsterismo que caracteriza os "empreendedores" dos bingos e das máquinas de aposta viciadas que infestam os botecos e até farmácias das comunidades pobres.

Problema global
Qualquer repórter que percorrer as ruas onde se instalam os grandes bingos ouvirá de comerciantes que os "seguranças" ligados a casas de jogo, em associação com policiais, vendem proteção ao preço médio de 300 reais por mês. O mesmo repórter pode comprovar a proliferação das casas de prostituição nas redondezas dos bingos, todas tendo como associados ocultos ou às claras agentes do Estado – em alguns casos, com direito a proteção de viatura policial na porta.

Se a imprensa não consegue enxergar essas mazelas tão descaradas, e depende, para produzir notícias, do vazamento das informações obtidas por meio de grampeamento de telefones, como esperar que venha a entender ou sequer se encorajar a encarar o que realmente significa a questão da sustentabilidade, que, em última instância, nos remete a uma discussão sobre o futuro do capitalismo?

Se a imprensa ainda faz hierarquias de escândalos, conforme a filiação partidária do implicado, como esperar que encontre, afinal, a abordagem sistêmica que se exige para a representação do estado do mundo?

No absoluto deserto de líderes em que vaga o país, com as antigas forças de pressão esvaziadas pelo retrocesso conservador da igreja católica e o corporativismo em que degeneraram as organizações da sociedade civil que empurraram o movimento pela redemocratização, é hora de a imprensa assumir um papel mais decisivo nas mudanças de que o Brasil necessita.

O problema ambiental é global, mas a corrupção e as mazelas sociais são coisa nossa. A imprensa tem todas as condições para identificar os protagonistas adequados e com eles desenhar um projeto de país, para atacar amplamente todos esses problemas. Ao descobrir a importância da questão da sustentabilidade, como o amplo guarda-chuva sob o qual devem se abrigar os projetos de interesse nacional – seja o combate à corrupção, seja o combate à miséria –, os dirigentes das empresas de comunicação incorporam também a responsabilidade de descer do muro.


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