segunda-feira, 14 de junho de 2010

Falta de fundos, a outra pandemia

Uma longa fila de espera em uma clínica de saúde sexual em Hillbrow, Joanesburgo. O trabalho dessas clínicas é financiado por doadores internacionais
Foto Nastasya Tay/IPS

A redução de doações internacionais para a luta contra o HIV/aids aumentará a brecha na África entre os que recebem tratamento e aqueles que não recebem, além de afetar anos de sucesso na matéria. Muitas pessoas morrerão pela falta de financiamento, alertou a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF). Os êxitos na luta contra o HIV/aids são muito frágeis, disse Mit Philips, autora do informe “Não é Hora de Desistir”, divulgado pela MSF no final de maio.


“Como vamos renunciar à luta na metade do caminho e agir como se a crise tivesse terminado?”, perguntou Philips. “Nove milhões de pessoas precisam de tratamento de forma urgente no mundo. Algumas delas poderão morrer nos próximos anos se não forem tomadas agora as medidas necessárias”, insistiu Philips. Os fundos anuais para a luta contra a pandemia não aumentaram. Além disso, diminuíram os doadores na maioria dos países, o que prejudica os sistemas de saúde mais pobres.

Philips se pergunta se o fato de terem sido destacados os êxitos alcançados, em lugar do trabalho que resta a ser feito, não se transformou em menor pressão pública na Europa e nos Estados Unidos. “Na Europa, o HIV tornou-se uma doença crônica tratável. É difícil para as pessoas compreenderem que na África é diferente”, acrescentou. Duas em cada três pessoas com HIV na África subsaariana, cerca de seis milhões de pessoas, não recebem tratamento. A falta de antirretrovirais em algumas nações e as dúvidas sobre o financiamento têm consequências negativas no planejamento dos serviços de saúde e, em especial, dos programas que fornecem medicamentos.

A crise financeira e os vacilantes enfoques da luta contra a aids derivaram em uma nova classificação do destino dos fundos, que fornecem equipamentos ou infraestrutura em lugar de oferecerem tratamento e, assim, são evitados os custos recorrentes. Porém, as pessoas que estão em tratamento precisam de recursos para continuá-lo e as que ainda não tomam a medicação não poderão ter acesso a elas, a menos que os fundos aumentem.

Não se trata de manter a quantia atual na África do Sul, mas de aumentá-la para que mais pessoas recebam tratamento, segundo Mark Heywood, vice-presidente do Conselho Nacional Contra a Aids. Um milhão de pessoas recebem antirretrovirais, e nos próximos cinco anos serão cinco milhões. A África do Sul não poderá assumir o custo. Este país depende menos dos doadores do que seus vizinhos, mas a saúde continua precisando de dinheiro. “O que é claro é que o manejo da epidemia é uma responsabilidade internacional. A saúde é um dever” de todo o mundo, acrescentou.

Assegurar o tratamento contra o HIV não é apenas uma questão pragmática, mas também ética. O governo sul-africano realiza uma campanha de informação e exames clínicos para cerca de 15 milhões de pessoas ao ano, mas isto não servirá de nada se não houver disponibilidade de medicamentos. A retirada dos doadores da África do Sul não será sentida apenas no contexto local, mas na África austral, afirmou Heywood. Este país tem relações intrincadas e complexas com seus vizinhos, o que inclui a grande população migrante. O problema não é apenas o HIV/aids, mas também o aumento de casos de tuberculose e de suas múltiplas variedades resistentes aos medicamentos.

É fundamental que todos os atores – doadores, governos e beneficiários – enfrentem a crise. “Não discuto o grande desperdício de fundos dos doadores em alguns lugares, mas, definitivamente, como se sai deste círculo de falta de visão sobre o destino dos fundos?”, perguntou Heywood. O Fundo Global de Luta Contra Aids, Malária e Tuberculose, uma organização internacional que reúne governos, sociedade civil e setor privado, está preocupado com a possibilidade de o compromisso dos doadores não ser suficiente este ano e impedir a ampliação dos programas contra a enfermidade.

“É muito preocupante a rejeição às pessoas que precisam de tratamento ou que sejam colocadas em lista de espera”, disse o professor Michel Kazatchkine, diretor-executivo do Fundo Global. “Os doadores devem nos permitir ampliar os programas de tratamento e prevenção para podermos ganhar a luta. Do contrário, a aids, a tuberculose e a malária terão mais força na África do Sul e em outros países, o que será um desastre sanitário e em matéria de Direitos Humanos”, acrescentou.

Alguns doadores, como Alemanha, Grã-Bretanha e França, querem pôr um limite às contribuições. Este ano, serão necessários US$ 25 bilhões para que a luta contra a aids seja efetiva, incluídos US$ 7 bilhões para tratamento. Contudo, serão somente US$ 14 bilhões, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas Contra o HIV/aids. “Não é hora para reduzirmos nossos esforços. Temos de redobrá-los”, insistiu Kazatchkine.


Nastasya Tay, da IPS
Envolverde, 08/6/10


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