quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Fundações e seu percentual de investimento


Em minhas últimas discussões, tenho focado no que em inglês chamamos de “payout”, o percentual mínimo que uma fundação privada investe do total de seu patrimônio, e a perpetuação como um modelo legítimo para a filantropia organizada. Ter à mão diversos modelos consistentes é importante se você concorda que filantropia é, essencialmente, a captação voluntária da riqueza privada para o benefício público.
Enquanto a tendência em algumas partes do mundo direciona-se para o incremento do controle estatal desses percentuais de investimento das fundações, vejo que elas apenas podem derecionar cerca de 5% de seus fundos, se desejam perpetuar-se, levando em consideração os efeitos destrutivos da inflação, mantendo seu poder patrimônio. Uma questão de sobrevivência, enfim.

Dito isto, poderia ser interessante examinar algumas críticas implícitas e explícitas, do modelo da perpetuação de fundações. A origem disso tudo tem a ver com a intenção do doador primevo – aquele que levantou um fundo para que a organização sobrevivesse de seu endowment. A alegação afirma que, à medida que nos distanciamos do falecimento do doador, os programas da fundação tendem a se afastar da intenção deste, apesar da mesma temática (como educação, saúde etc)

Mas, chega de falar o óbvio. O acerto aqui parece muito claro. Uma sólida cláusula da fundação poderia, em grande parte, evitar o problema. A estratégia utilizada para lidar com o problema de fato poderia mudar, mas esperamos que nossa intenção não seja excluir o que já sabemos que funciona e pode ser aplicado.

Nessas circunstâncias, em que a intenção original do doador não é mais possível ou necessária, fica um pouco mais complicado. Nós não temos tantos casos assim e os tribunais de justiça, em última instância, são os árbitros apropriados.

Uma segunda crítica é que, às vezes, o impacto requer mais recursos do que se pode gerar, segurando os pagamentos no montante que permita a perpetuidade. Um desses casos é quando se tem uma crise econômica e a demanda é para aumentar doações, suprindo o déficit de recursos. É justo nestes momentos que uma fonte perpétua de recursos tem que segurar o barco. É sempre mais fácil gerenciar o crescimento que o declínio.

Outra oportunidade em que se faz necessário o aumento dos gastos é quando enfrentamos problemas de uma fustigante crise global. Esse foi o caso de quando ficou conhecida a dimensão global da AIDS e esse é o atual caso do chamado para trabalhar com a mudança climática.

Apesar do quão imprescindíveis são estes casos, não existem garantias de que os problemas que enfrentamos agora não serão menos difíceis do que aqueles que poderemos enfrentar no futuro.

Um terceiro ponto de vista está relacionado mais a uma preferência de um estilo operacional, do que a uma crítica explícita sobre o modelo de perpetuação. O movimento “doe enquanto vive”, é um exemplo. Este movimento declara que os fundos ganhos por uma geração, devem ser alocados por essa mesma geração.

Outros virão nas gerações futuras e gastarão seus recursos. Isto, em parte, origina-se no fato de que muitos indivíduos acumulam suas fortunas cedo na vida e, por isto, desejam ser participantes mais ativos na alocação desses mesmos recursos. Não há dúvida nenhuma de que aqui a gratificação pessoal é um fator importante desde que se reconheça que há outros modelos legítimos de organização filantrópica, caso contrário, perde-se a objetividade.

Finalmente, existe a crítica de perpetuidade motivada política e ideologicamente. Vindo predominantemente da direita, o ímpeto aqui é que as fundações de estratégia constantemente criam e apóiam projetos demonstrativos, eventualmente implementados a nível governamental para ser ampliados; portanto contribuindo para o crescimento de governos grandes; trata-se de um anátema para o conservadorismo.

Apesar de que modelos de projetos demonstrativos a serem adotados por governos quase que desapareceram, estamos ouvindo esta linguagem uma vez mais; porém, agora, com a administração Obama no comando. Quando os conservadores sentiram, e com certa razão, que a maioria das fundações de estratégias era de centro-esquerda, foi fácil procurar fundos de perpetuidade de vida para essas fundações.

Agora, quando existe um significativo número de doações em fundações conservadoras, a procura por provisões de perpetuidade é mais complicada.

Novos modelos de investimento social de origem privada continuarão surgindo. Eles não só ampliarão o leque de temas, como também desafiarão os já existentes, incluindo, aí, os de perpetuidade. O que vem ganhando mais espaço e ênfase é a noção de que não é apenas como as doações são feitas, mas também a forma que os espólios estão sendo investidos, visto que cada vez mais se sujeitam aos escrutínios do público.

No mínimo, não se pode mais negar o bem que faz o lado do investidor para as beneficências, mas essa é outra história!


Barry Gaberman
Especialista em movimentos sociais globais, e foi presidente da Ford Foundation.
Envolverde, 27/10/09
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