quarta-feira, 8 de julho de 2009

Crescem no país manifestações de democracia participativa

População aprende caminhos para tirar maus políticos dos cargos

A legislação brasileira oferece mecanismos para inibir a má aplicação de recursos públicos, mas, em geral, eles ainda são pouco conhecidos e utilizados. Depois de anos impedida e desencorajada do exercício da participação pública, a população está reaprendendo que pode e deve conhecer quanto se arrecada e onde é aplicado cada centavo gerado pelo trabalho de todos.

Além disso, está descobrindo que pode pedir, por iniciativa própria, o afastamento de maus políticos. Januária e Itajubá, em Minas Gerais, Ribeirão Bonito e Holambra, em São Paulo, são exemplos de cidades onde a população resolveu ficar de olho na atuação dos governantes e desvendar os caminhos legais para cobrar a transparência que é direito de todos.

Januária afastou seis prefeitos por má gestão e corrupção, em cinco anos, por meio de denúncias levadas à Câmara dos Vereadores e acompanhadas de perto por moradores que acabaram por fundar a Associação Amigos de Januária (Asajan). Sua ação se inspirou em movimento similar em Ribeirão Bonito, onde a população também se organizou, fundando a Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo). Esta, a partir de sua experiência, publicou a cartilha O Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil, na qual ensina como identificar e agir contra a improbidade administrativa.

Atuar por meio de associações ajuda a rastrear os atos públicos, pois reúne mais pessoas para acompanhar as publicações oficiais e as sessões na câmara de vereadores local, que deve fiscalizar os atos do Executivo, baseada na Lei Orgânica Municipal (LOM). Contudo, não raro a própria câmara se desvia de suas funções, ficando mesmo a cargo da população intervir na defesa do bem público.

Este foi o caso de Itajubá, onde a organização Transparência Itajubá nasceu da indignação da população com a decisão dos vereadores de alugar dez salas em um prédio ao valor de mais de R$ 1 milhão por ano. Sua atuação conseguiu arquivar o projeto e até reduzir o salário dos políticos da cidade. O poder da ampla divulgação tem sido difundido pela Transparência Brasil, que apóia a formação de unidades locais, como a daquela cidade mineira.

Esta também é a linha de atuação do Movimento Nossa São Paulo, que formou grupos de trabalho para acompanhar a gestão da cidade, mapeando as necessidades de cada uma das 31 subprefeituras e criando indicadores para uma análise mais precisa.

Acesso às informações
A lei brasileira obriga a tornar público todo ato, decreto e gasto de verbas nos âmbitos federal, estaduais e municipais*. Mesmo assim, os que querem acompanhar estas informações ainda enfrentam dificuldades na prática. A começar pelo volume de dados envolvidos, pela forma como são veiculados e pelo tipo de linguagem utilizada, muitas vezes, de difícil entendimento.

Fazer esse acompanhamento desde as menores células, os municípios, pode tornar esta tarefa mais viável. No entanto, não menos trabalhosa. Holambra, um município jovem (criado em 1993), tem uma Lei Orgânica com 276 artigos e um Plano Diretor com mais de 120 páginas. Os que se aventuraram a lê-lo, descobriram determinações como “área fadada a desaparecer”, como se uma parte do município pudesse deixar de existir. Nem mesmo os vereadores – neste caso ainda na gestão passada – sabiam explicar qual a intenção dessa definição no Anexo VI. Verificando pelas coordenadas geográficas, os moradores descobriram que se tratava de uma área verde, segundo o zoneamento definido na origem da cidade. Em algum momento, esse planejamento foi alterado, considerando que o verde dali desapareceria, sem nem mesmo indicar no que ele se transformaria.

A partir da leitura da LOM, os moradores tornaram-se mais preparados para acompanhar os trabalhos do Legislativo e do Executivo na cidade. Assim, detectaram rapidamente irregularidades na gestão que assumiu em janeiro de 2009, entre as quais a contratação de um escritório de advocacia para assessoria jurídica sem licitação alguma. Este contrato foi cancelado por ordem judicial. Contudo, a mobilização segue com auxílio do Ministério Público local, já que a Câmara de Vereadores se dividiu entre cinco vereadores defendendo a apreciação imediata das demais denúncias e quatro negando-se a fazê-lo. Como entre eles está o próprio presidente da Câmara, este optou por arquivá-las, desconsiderando os pedidos contrários.

Apoio mútuo
As iniciativas pela democracia participativa se organizaram em redes para facilitar a divulgação de informações e fortalecer o apoio jurídico, que é fundamental para sua atuação. Elas recomendam, por exemplo, que toda cidade acione os promotores de justiça de suas comarcas, a fim de fazer as prefeituras cumprirem as disposições da Lei 9.755/98, do artigo 16 da Lei 8.666/93 e a Instrução Normativa nº. 28/99, do Tribunal de Contas da União.

Entre outras coisas, essas normas estabelecem que as prefeituras devam publicar em seus sites na internet a relação de todas as compras efetuadas mensalmente, indicando todos os detalhes, como descrição dos itens, quantidade, preços unitários, CNPJ dos fornecedores etc. Além disso, o movimento lembra que qualquer cidadão, nos termos do artigo 5º., inciso 33, da Constituição Federal, pode requerer a lista de pagamentos da prefeitura e esta deve afixar diariamente a lista de pagamentos realizados.

Mais uma vez, unir-se em associações facilita todo o trabalho e evita exposição pessoal. “Eu admiro o que estão fazendo. Mas, em cidade pequena fica difícil a gente cobrar sem ser perseguido depois. Só pode se engajar quem não tem um negócio próprio”, declarou um morador de Holambra, que pediu para não ser identificado, expressando o medo que há anos impede o avanço de uma real democracia no país.

Neuza Árbocz (Envolverde), Edição de Benjamin S. Gonçalves
Ethos, 07/07/09


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