segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Não dá para desligar a globalização, diz Clinton

Ex-presidente americano Bill Clinton diz a EXAME que é preciso aumentar a interdependência entre nações ricas e emergentes neste momento de crise e reconhecer que um sistema econômico global só sobreviverá com uma rede social também em escala mundial

Vistos em retrospectiva, os dois mandatos do ex-presidente americano Bill Clinton - entre 1993 e 2001 - foram uma época de ouro para a globalização. Foram anos que serviram como uma espécie de alicerce para o surgimento de novos gigantes do mundo emergente, especialmente os países do Bric. Foi durante sua gestão que se concluiu a última grande negociação comercial em âmbito global, com a assinatura da Rodada Uruguai do Gatt, em 1994, seguida da criação da Organização Mundial do Comércio, em 1995. A maior abertura pavimentou um dos períodos de maior crescimento econômico de que se tem notícia, que, à diferença do passado, não se restringiu ao grupo de nações desenvolvidas, mas beneficiou também milhões de pessoas de países pobres.

Uma vez fora da Casa Branca, o ex-presidente montou a Clinton Foundation, uma organização não-governamental com sede nos Estados Unidos e mais de 800 funcionários e voluntários espalhados pelo mundo. Nas palavras do próprio Clinton, o objetivo da fundação é fazer com que tanto países desenvolvidos quanto emergentes enfrentem os desafios impostos pela globalização - uma tarefa que se tornou ainda mais crucial após a eclosão da crise financeira mundial. Nesta entrevista, concedida durante uma das campanhas presidenciais mais eletrizantes da história dos Estados Unidos, Clinton se diz confiante no futuro dos países emergentes, em especial do Brasil.
EXAME - Após um período de forte avanço da globalização, vemos hoje, com a crise financeira, uma crescente ameaça protecionista. A globalização está em perigo?
Bill Clinton - A globalização não é uma coisa que se pode ligar e desligar - ela está aí. Temos de trabalhar a partir do ponto em que estamos. Claro que não podemos esperar que as pessoas abracem o conceito de globalização enquanto não sentirem diretamente seus benefícios. A globalização precisa trabalhar para as pessoas. Nos anos 90, no auge do livre comércio, quase 90% do PIB americano era gerado internamente. Assim como vendemos e compramos produtos e serviços, precisamos trabalhar juntos para assegurar a construção de economias sustentáveis dentro de cada país. Essa necessidade é mais premente nas nações em desenvolvimento, que podem ser mais vulneráveis aos efeitos negativos da globalização. Dessa forma, as economias emergentes podem tirar o máximo de vantagem do comércio internacional e da entrada de investimentos estrangeiros.

O que exatamente é preciso fazer para melhorar a globalização?
Precisamos reconhecer que não podemos ter um sistema econômico global sem construir um sistema social global. Se trabalharmos juntos em outros temas, como mudança climática e Aids, vamos tornar mais nítidos os benefícios da globalização. Minha fundação está trabalhando para causar impactos concretos e mensuráveis nessas áreas, sempre em parceria com governos e comunidades da América Latina e de todo o mundo.

Apesar da crise, o senhor acha que a globalização ainda conseguirá conquistar corações e mentes da classe média e dos mais pobres?
A interdependência global nas áreas das comunicações, nas viagens, no comércio e nos fluxos financeiros faz parte da vida do século 21. Ela pode ser positiva e negativa. Quando era presidente, cerca de 30% dos novos empregos nos Estados Unidos vieram da expansão do comércio. Esses empregos pagavam, em média, 30% mais que os gerados por companhias não ligadas ao comércio. Quando o tsunami atingiu o Sudeste Asiático, em 2005, o poder da tecnologia contribuiu para uma torrente sem paralelo de ajuda financeira enviada por cidadãos comuns dos Estados Unidos e de várias partes a pessoas do outro lado do mundo que eles nunca haviam encontrado e jamais encontrarão. Por outro lado, a interdependência negativa se manifesta numa extrema desigualdade, em instabilidade política e social e na taxa exorbitante de aquecimento global. Para conquistar o apoio da maioria em escala mundial, precisamos fortalecer os elementos positivos de interdependência e reduzir os negativos, com esforços combinados de governos, setor privado e sociedade civil.

Os Estados Unidos enfrentam hoje sua mais grave crise econômica e financeira em décadas, talvez o principal desafio do novo presidente americano. Qual é a saída para a crise?
As causas da crise econômica americana são muitas. Incluem os altos preços da energia, os altos custos e a diminuição da cobertura do sistema de saúde, a perspectiva de um colapso do setor imobiliário, um mercado de cartões de crédito altamente desregulado e alavancado, o fracasso da criação de empregos e cortes de impostos para os grupos de interesse mais ricos e mais poderosos. Espero que a economia possa se recuperar com um conjunto amplo de políticas que restaurem a oportunidade para todos. É preciso enfrentar a crise hipotecária, tornar o sistema de saúde mais acessível e barato, equilibrar nosso orçamento e criar mais empregos, sem se esquecer de dar uma resposta à questão da mudança climática.

Na sua opinião, quais os principais desafios que o mundo enfrentará nos próximos dez anos?
Vários desafios importantes se colocarão para nós e nossos filhos. O primeiro é a persistente e crescente desigualdade de oportunidades, de acesso à educação e à assistência médica, presente em todas as regiões do mundo. Na América Latina, os 10% mais ricos ganham 48% da renda total, enquanto os 10% mais pobres recebem 1,6% da renda total. Outro desafio é o problema crescente da mudança climática e do esgotamento dos recursos naturais. Se o aquecimento global continuar, enfrentaremos conseqüências catastróficas para toda a humanidade - tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos. Precisamos encontrar maneiras mais sustentáveis de viver e produzir. Também sofremos por causa de um crescente sentimento de insegurança no mundo moderno em razão do terror, de crises globais de saúde e conflitos baseados em religiões e ideologias. Esses problemas persistirão até que reconheçamos que nossas diferenças são bem menos importantes. Persistirão até que a gente se dê conta de que os princípios básicos são comuns a todos os seres humanos. Todos temos aspirações e obrigações para com nossos filhos e netos. É assim nos Estados Unidos, é assim no Brasil, é assim em todos os lugares.

O senhor tem acompanhado o desenvolvimento do Brasil nas duas últimas décadas. O peso do Brasil no mundo mudou?
Sim. O Brasil está tendo um crescimento positivo graças a políticas econômicas sensatas, pessoas talentosas e um compromisso com a independência energética, em boa parte por meio de energia limpa. Conseqüentemente, o Brasil está em posição de desempenhar um papel crescente nos mercados mundiais e nas várias esferas de debates entre as principais nações do mundo. Um dos desafios que enfrentamos é que a diferença de renda entre ricos e pobres na América Latina é a maior do mundo e mudou pouco desde os anos 90. Isso apesar de toda a expansão econômica registrada nos últimos anos. É difícil falar de criação de emprego e crescimento macroeconômico quando crianças estão desnutridas, não conseguem ir bem na escola, e pessoas vão para o trabalho doentes. Essa relação entre fatores sociais e econômicos é compreendida em todo o mundo em desenvolvimento, inscrita nos programas governamentais e não-governamentais mais efetivos, captada eloqüentemente nas Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, e é o foco da abordagem de minha fundação em seu trabalho mundial. O Brasil pode representar um papel ainda mais relevante no tratamento dessas questões, como já está fazendo em suas iniciativas inovadoras em educação e tratamento da Aids. Também acho muito importante que o Brasil proteja melhor suas florestas tropicais.

As companhias brasileiras estão se abrindo cada vez mais para o mundo. Que tipo de conselho o senhor daria aos executivos e empresários brasileiros para aproveitar essa oportunidade?
Meu conselho é concentrar no que pode ser feito para diversificar a economia e, ao mesmo tempo, construir um ambiente de sustentabilidade. Além de aumentar o comércio e os investimentos, isso significa educação, saúde e infra-estrutura. Sem se esquecer, claro, de capacitar as pessoas para que elas saiam da pobreza e conquistem uma prosperidade sustentável. Embora construir escolas e hospitais seja importante, as empresas que operam no mundo em desenvolvimento estão começando a perceber que é necessária uma abordagem mais sistemática e sustentável de questões como saúde, nutrição, água e saneamento e educação. Os executivos que participam das iniciativas de minha fundação percebem que trabalhar nesses desafios não ajuda apenas sua reputação, ajuda também seus resultados financeiros e cria o cenário para a geração de empregos e a diversificação das experiências de vida. Recentemente, minha fundação começou a trabalhar justamente nisso - mostrar que as empresas podem se dar bem fazendo o bem. Estamos promovendo parcerias com a indústria de recursos naturais, os governos, as comunidades locais, o setor privado e outras ONGs para fortalecer os fatores que permitem o desenvolvimento econômico sustentável, e demonstram, em última instância, que as empresas estão em posição única para melhorar não só seus resultados financeiros mas a vida de milhões de pessoas.


André Lahóz
Portal Exame, 12/01/09


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