segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Mais Cultura tem 2009 para dar resultado

Até agora, o Ministério da Cultura (MinC) investiu R$ 223 milhões, pouco mais da metade prevista para o primeiro ano do programa, 2008

O Programa Mais Cultura foi lançado em outubro de 2007 como uma grande esperança para o setor no País, afinal de contas o presidente Lula garantiu um investimento de R$ 4,7 bilhões até 2010 somente para a iniciativa. Desses, R$ 2,2 bilhões de recursos federais e o restante de verbas estaduais e municipais. Até agora, o Ministério da Cultura (MinC) investiu R$ 223 milhões, pouco mais da metade prevista para o primeiro ano do programa, 2008. A largada mais desacelerada tem gerado críticas ao Mais Cultura, que, na prática, teve uma repercussão tímida nesse tempo. Seguindo o conselho do presidente Lula, no discurso do lançamento do programa, a reportagem Jornal do Commercio resolveu cobrar um balanço da iniciativa de quem está perto, ou melhor, à frente da gestão do dinheiro público nessa ação, em Brasília: a pernambucana Silvana Meireles, secretária de Articulação Institucional do MinC e coordenadora executiva do programa desde setembro passado. Leia a entrevista a seguir.

Jornal do Commercio - Quando o Mais Cultura foi lançado, o então ministro Gilberto Gil definiu o programa como o “Fome Zero do espírito”, porque foi criado para atingir áreas com menor acesso à cultura do País. De que forma o programa tem servido na prática, desde então, de alimento para a alma dos brasileiros?

Silvana Meireles- O programa está estabelecido em três grandes linhas: Cultura e Cidadania, Cidade Cultural, e Cultura e Renda. Isto é, está pensando a cidadania e o acesso, mas pensando também nas cidades que precisam de infra-estrutura cultural e na necessidade de tirar da informalidade os trabalhadores da cultura, investindo na formação de jovens. De lá para cá, diferentes ações foram desenvolvidas, nos três eixos. A questão do acesso foi a que mais avançou, sobretudo com os Pontos de Cultura, no intuito de incentivar projetos da própria sociedade. O Cultura Viva já existia, mas passou a ser incorporado e ampliado pelo Mais Cultura. Nessa linha, a grande questão foi a relação do Estado com a cultura e a sociedade. Ao invés de o Estado dizer o que deve ser feito, a sociedade apresenta a sua proposta e o governo fica encarregado de implementar. O Estado fomenta, incentivando, portanto, o protagonismo e a autonomia.

JC - De certa forma, a Lei Rouanet também já recebe projetos da sociedade.

Silvana - Recebe, mas são só projetos. Um Ponto de Leitura não é um projeto, já existe e vai ser potencializado pelo ministério. É um fomento a uma atividade já desenvolvida. Tanto que os Pontos de Cultura precisam ter no mínimo dois anos de atividade. Diferente do projeto com começo, meio e fim fomentado via Lei Rouanet. A segunda diferença é que a maioria dos proponentes do Mais Cultura está fora da Lei Rouanet, que é uma autorização para captação de recursos com isenção fiscal, uma negociação do proponente com as empresas. E aí os critérios de avaliação são muito diferentes dos critérios do Mais Cultura. Na lei, são os de mercado e os patrocinadores apóiam grandes eventos. Em relação aos Pontos de Cultura, é dinheiro do Fundo Nacional de Cultura. A partir do Mais Cultura, os recursos foram descentralizados, através dos pontos, para 23 Estados e cinco municípios. Foi um salto. Tínhamos 800 Pontos de Cultura e agora são mais de 2 mil.

JC - Dos R$ 223 milhões gastos pelo Mais Cultura em 2008, R$ 111,2 milhões foram investidos somente em Pontos de Cultura. São de fato a prioridade do programa?

Silvana - Não, é uma das prioridades. Ao lado deles, tem os Pontos de Leitura, como o caso da palafita-livroteca Os Guardiões no Bode (Recife) e outras similares, selecionados com edital nacional. Foram selecionadas em 2008 517 iniciativas, de pessoas físicas e jurídicas. Nessa mesma linha de fomento, tem também os Pontinhos de Cultura, espaços de brincar, iniciativas para a infância. Foram aprovados cerca de 200 no País. A ideia é fomentar iniciativas da sociedade civil. O MinC está implementando ainda 661 bibliotecas, através do Mais Cultura, que vão receber o kit, com acervo, mobiliário, telecentro e software de catalogação. Isso envolve negociação com os prefeitos. É um acordo com o gestor do município, que fica responsável pelo espaço e sua manutenção. Outra questão é a modernização das bibliotecas. Em 2008, foram modernizadas 410.

JC - O objetivo do MinC é zerar o número de municípios sem bibliotecas. Mas a pesquisa do IBGE (Suplemento de Cultura da Munic 2006), base para a elaboração do Mais Cultura, constatou que 89,1% dos municípios brasileiros já possuem pelo menos uma. Não seria um número alto, se comparado ao de museus, por exemplo, que só existem em pouco mais de 20% dos municípios do País?

Silvana - Entendemos que o livro e a leitura são fundamentais à cidadania. Precisamos formar um país de leitores, ampliar esse universo. Livro e leitura são estruturantes. E aí a prioridade é zerar o número de municípios sem bibliotecas e modernizar as que existem.

JC - Mas não há o risco de os brasileiros, mesmo assim, não se atraírem pela leitura?

Silvana - Sim. Mas como a gente está pensando o estímulo? Através da Rede Biblioteca Viva, que tem objetivo de integrar bibliotecas estaduais, municipais, Pontos de Leitura, escolas. Unir tudo numa rede. Atrelado a isso, tem a formação de mediadores, dos agentes de leitura. São eles que vão contribuir para o estímulo. A ideia é que sejam jovens selecionados e tal qual um agentes de saúde, possam trabalhar diretamente com as famílias de sua comunidade. Nos baseamos numa experiência bem-sucedida do Governo do Ceará. Afora isso, a pesquisa Retratos da Leitura, divulgada em 2008, apontou que os leitores brasileiros geralmente têm bibliotecas próximas às suas moradas e tiveram influência da mãe. São dois pontos que se destacam como estímulo para a formação. Existe ainda outra ação que ainda não aconteceu, a dos Livros Populares, para incentivar o acesso ao livro. O preço é ainda muito caro. A ideia ainda está sendo desenvolvida, vamos ver parcerias com editoras, um edital. Pensamos também em estimular a leitura de revistas que já existam, para fazer o leitor ir à biblioteca ler a edição do mês.

JC - Em artigo publicado no mês passado, no site Cultura e mercado, Leonardo Brant atacou a eficácia do Mais Cultura, cujos propósitos seriam muito vagos e corriam o risco de transferir para os municípios e Estados o dever federal, sobretudo com o Cultura Viva. Como responde a essa crítica?

Silvana - É evidente que temos metas muito ousadas, quantitativas. No ano passado, o aporte orçamentário nos obrigou a reduzir as metas para 2008. Algumas ações estão estruturadas, mas há outras mais novas. O País tem uma dimensão continental. Leva tempo até as coisas acontecerem. Quanto à parceria com Estados e municípios, penso que tem havido um erro de interpretação de Leonardo Brant. Ao fazermos a descentralização, a intenção não é transferir a responsabilidade para Estados e municípios, mas construir na prática o Sistema Nacional de Cultura, com divisões de responsabilidades e competências. O Estado e o município são os que estão mais próximos da sociedade, podem ajudar a implantar o programa mais rapidamente, acompanhando de perto. Acompanhar 2 mil Pontos de Cultura não é uma tarefa que deva ser feita pelo MinC sozinho, mas por quem está com o cidadão. Evidente como o sistema está em construção, essa divisão é algo que vai ser aprimorado. Afora isso, ao descentralizar, você está incorporando a cultura local e reforçando a economia local. Descentralizando, amplia-se o número de cada uma das ações, porque o Estado e o município entram com recurso. Para cada R$ 1 que os governos estaduais e municipais colocam, o MinC bota R$ 2. A gente amplia essa meta.

JC - Onde foi gasto o restante da verba do programa em 2008, de R$ 114,8 milhões, tirando a dos Pontos de Cultura?

Silvana - Em Pontos de Leitura, Pontinhos de Cultura, modernização e implantação de bibliotecas, conteúdos para TV. Está previsto para março um programa novo na TV Brasil, o Tô sabendo, que vai articular escolas de três Estados (RJ, BA e PA) num game de conhecimento. Esse recurso foi utilizado ainda no edital FIC TV/ Mais Cultura para a produção de três minisséries feitas por e para jovens de 15 a 29 anos, das classes C, D e E. Também foi gasto com o Cine Mais Cultura, em pequenas salas de exibição, com o Promoart (Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural) e uma parte em microprojetos culturais.

JC - O que seriam esses microprojetos?

Silvana - São incentivos a pequenos projetos, com recursos entre 1 e 30 salários mínimos, para proponentes que não têm acesso a qualquer lei de incentivo à cultura e precisam comprar um instrumento, uma roupa, fazer uma pequena exposição, publicar um pequeno livro. É um edital descentralizado e vai abrir com foco, neste primeiro semestre, nos Estados do Nordeste, no Norte de Minas e no Espírito Santo.

JC - Além dessas ações, como outros dados da pesquisa do IBGE estão sendo revertidos?

Sulvana - Quando pegamos o dado de que 90% dos municípios não possuem qualquer equipamento cultural, mostramos a importância de criar no País uma infra-estrutura cultural, e isso tem pautado a locação de recursos no Mais Cultura. Tem sido positivo, inclusive no Congresso. Os deputados têm feito emendas à cultura, o que é uma ajuda, porque sofremos cortes em 2008.

JC - Por quê? Qual foi o maior entrave?

Silvana - A disponibilidade orçamentária do governo mesmo. Houve um outro agravante também. Perdemos R$ 120 milhões, porque uma liminar derrubou medidas provisórias que fossem votadas via crédito suplementar. E esses R$ 120 milhões estavam incluídos na medida provisória de crédito suplementar de 2007.

JC - Este é o último ano antes das eleições presidenciais. É definitivo para o Mais Cultura mostrar a que veio. Quais são as perspectivas para os próximos meses?

Silvana - Este é o ano que o Mais Cultura precisa de fato estar na rua, em todo território nacional. Como várias coisas são fruto de edital, os resultados de 2008 vão ficar mais visíveis em 2009. As bibliotecas vão receber os kits. Os pontinhos, R$ 18 mil cada um. O Plano Nacional de Cultura está sendo enviado ao Congresso agora em fevereiro. O ano de 2008 foi de lançamento dos editais e agora estamos na conclusão das ações.


Olívia Mindêlo
Jornal do Commercio, 19/01/09


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