terça-feira, 18 de novembro de 2008

Governo edita MP e cria confusão no terceiro setor

O governo federal deixou os setores ligados à assistência social no Brasil em polvorosa, na semana passada. Ao publicar a Medida Provisória n.º 446 no Diário Oficial da União, dia 10 de novembro, mudou as regras para a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), documento que isenta de impostos 5.630 organizações registradas em todo o país – a um custo de R$ 4,4 bilhões por ano.

A medida foi considerada polêmica em dois pontos principiais. No primeiro, a suposta “anistia” a entidades na renovação do certificado. Pela MP, todas as organizações que deram entrada na documentação, incluindo aquelas que estavam em suspeição para renová-la, tiveram deferimento automático de seus pedidos.

Outra discussão fundamental foi a responsabilidade de outorgar o documento, que deixa de ser do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), e passa a ser dos ministérios da Educação (MEC), Saúde (MS)e Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Eles darão a chancela de acordo com as especificidades de trabalho de cada entidade.

Grupos de defesa e ataque à MP foram os destaques da última semana. De um lado, especialistas alegam que a medida pode trazer mais transparência e profissionalismo à certificação. De outro, representantes dessas entidades dizem que a ação do governo é inconstitucional e trará mais burocracia ao setor.

No entanto, independentemente da entidade, o que se pode constatar nos discursos, seja nos movimentos sociais, seja no setor público, é que ainda existe um grande ponto de interrogação sobre como as novas regras serão implantadas. Nem mesmo os ministérios possuem qualquer regulamentação para fazer a certificação, segunda apontaram as secretarias de comunicação deles.

Outro ponto grave se dá na forma que a as mudanças chegam ao setor. “O grave não é a proposta em si, mas a maneira como o governo federal está conduzindo esse processo. Primeiro ele manda um projeto de lei ao Congresso e no mesmo dia põe a Polícia Federal no CNAS, com um discurso que generaliza para todo o setor a acusação de pilantropia”, afirma o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti (veja matéria sobre o caso).

Segundo o secretário-geral, mesmo assim, o GIFE se organizou para participar do debate democrático do PL no parlamento. No entanto, ao ver que a discussão seria demorada (“como costumam ser os processos democráticos de construção de políticas públicas”), o governo baixou a medida provisória, sem a possibilidade de participação da sociedade civil. “Enfim, é claro que é necessário aprimorar a legislação sobre entidades beneficentes, mas a maneira como isso está sendo feito é, no mínimo, pouco democrática”, critica.

O que é Cebas?
Para entender o tema é preciso saber porque o Cebas é importante. O certificado garante às entidades imunidades tributárias e, em contrapartida, elas devem oferecer à população a continuidade de serviços públicos de saúde, educação e assistência social que a estrutura governamental não consegue oferecer.

Essas entidades - geralmente hospitais, universidades e casas de assistência social - ficam livres da contribuição previdenciária patronal, equivalente a 20% da folha de pagamento, e das contribuições CSLL (sobre o lucro líquido), PIS e Cofins (9,25% sobre o faturamento).

“Mas isso não quer dizer que esse dinheiro vá direto para o bolso dessas entidades, como alguns querem fazer crer. Para conseguir o Cebas é preciso comprovar que existe um atendimento no mesmo valor isentado no imposto”, afirma o advogado Eduardo Szazi, especialista em legislação do terceiro setor.

Anistia
Questionada sobre porque as mudanças foram levadas adiante por um MP e não pelo Projeto de Lei nº 3021/2008, em trâmite no Congresso Nacional, a secretária nacional de Assistência Social do MDS, Arlete Sampaio, respondeu que não há estrutura para julgar rapidamente o substancial estoque de processos administrativos. Daí a tal anistia.

Para se ter uma idéia, só no conselho, são 8.515 casos sem decisão, envolvendo mais de R$ 4 bilhões em tributos. Se a Receita Federal tivesse que cobrar dívidas das entidades que perdessem o Cebas, 1.274 casos teriam de ser julgados até o final de 2008 pelo CNAS. Outros mil recursos aguardam julgamento na Previdência, sendo que, desses, 380 também terão cobrança de tributos inviabilizada sem decisão até 31 de dezembro. “Era preciso zerar o jogo”, afirmou.

A reação foi imediata. Na edição do dia 13 de novembro, o jornal O Estado de São Paulo, em editorial intitulado “Pilantrópicas Perdoadas”, classificou a medida como um “verdadeiro trem da alegria para as entidades filantrópicas”. No mesmo dia, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN) advertiu o governo que ia trabalhar para impedir a tramitação da MP, se não fosse modificada a concessão automática.

No entanto, para especialistas sobre o tema, a preocupação com a “tal anistia” tem sido exagerada. “Não vejo isso como uma anistia ampla geral e irrestrita em matéria tributária, pois a Receita Federal pode, ainda, fiscalizar os últimos cinco anos da vida de cada entidade e lavrar autos de infração caso se verifique o descumprimento das condições legais para a fruição do beneficio tributário”, argumenta Eduardo Szazi.

Segundo ele, isso já existia com o certificado renovado regularmente e não muda com a renovação automática. “Não há, pois, anistia fiscal, como alguns apressadamente sustentaram. O anzol não foi percebido pelos peixes”, afirma.

Já o especialista em Direito Assistencial Filantrópico, Sergio Monello, apesar de creditar a MP como inconstitucional, também defende que a discussão foi longe demais. “Essas renovações de concessão não foram para entidades criminosas. Muitas delas estavam em processo de revisão da documentação por alguma tecnicalidade simples”, acredita.

Divisão Ministerial
Para os representantes do setor, a discussão não se resume a decidir sobre quem deve certificar, mas como esse processo burocratizará o sistema. De acordo com a representante da Rede Brasileira do Terceiro Setor (Rebrates), Marília de Castro, a divisão por área será cruel para as organizações, principalmente para as menores, com pouco amparo jurídico.

Marília conta que, se uma entidade trabalha conjuntamente em educação e assistência social, por exemplo, deverá se cadastrar, com CNPJ diferente, tanto no MEC, como no MDS. “Vamos ver organizações com atividades suspensas. Elas vão comer na mão dos ministros e deverão seguir as políticas governo se quiserem manter o Cebas”, critica.

Fazendo coro a Marília, Flavia Oliveira, da Confederação Brasileira de Fundações (Cebraf), concorda com sua conclusão e vai além: “haverá uma imposição às entidades. Se o MEC disser que as organizações de educação devem dar bolsa de estudos, o que acontece com os trabalhos comunitários que a entidade realiza? Não serão contados?”, contesta.

Questionados sobre como passará a funcionar na prática, os ministérios ainda vão editar a regulamentação para emitir a certificação.”Por isso, não há detalhes sobre o tema”, diz nota enviada a imprensa.

No entanto, há quem defenda a divisão. Para o advogado Eduardo Szazi, a idéia é salutar em três pontos:
a. aparenta ser mais capaz de desafogar a análise, dividindo-a;
b. atribui a análise de mérito ao ministério temático da área, contribuindo para uma avaliação mais precisa e alinhada com a política pública da área; e
c. representa uma atualização do modelo original, que concentrava no CNAS e no Ministério da Previdência Social uma atribuição que a evolução da estrutura governamental tornou obsoleta.

“Afinal, qual a lógica de pedir ao Ministro da Previdência que aprecie um recurso de uma entidade de Saúde versando sobre uma contribuição arrecadada por órgão do Ministério da Fazenda?”, acredita.

A idéia de Szazi é que sejam criados três conselhos temáticos em nível federal: Educação, Saúde e Assistência Social. “Como a atividade da entidade beneficente compreende iniciativas que não são consideradas estritamente assistência social, pois são de saúde e educação, parecia-me esdrúxulo atribuir a um conselho a análise de assunto afeto a outras áreas.”

Frente Brasileira
Três dias depois de publicada a publicada Medida Provisória 446 , representantes de cerca de 100 entidades de todo o Brasil, se reuniram em São Paulo para criar A Frente Brasileira do Terceiro Setor. O objetivo da iniciativa é promover ações visando o desenvolvimento, a defesa e o fortalecimento do segmento.

Ficou decidido no lançamento da frente que a primeira medida do grupo será a adoção de ações frente à MP. Segundo o presidente do SINEPE/RS, Osvino Toillier, o grupo irá propor emendas à Câmara dos Deputados, a fim de tornar viável a MP para as instituições de ensino. “Da forma como foi proposta torna-se inviável. O ponto mais grave é que ela não contempla a imunidade restringindo-se apenas à isenção”, ressalta o presidente.

Tramitação
Após sua publicação, a medida provisória deverá ser apreciada por uma comissão mista, composta por deputados e senadores (até o dia 23/11/2008). Emitido um parecer, segue à apreciação, primeiramente, do plenário da Câmara dos Deputados (de 24/11/2008 a 07/12/2008) e, em seguida, do Senado Federal (de 08/12/2008 a 21/12/2008). Se modificada na última casa legislativa, retorna para análise da primeira (de 22/12/2008 a 03/02/2009).

Se não for apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, a medida provisória entrará em regime de urgência, trancando a pauta da casa legislativa em que estiver e impedindo a deliberação de qualquer outra matéria. Esta situação ocorrerá em 04/02/2009, uma vez que os prazos de uma medida provisória são suspensos durante o recesso parlamentar.

Uma medida provisória tem prazo de vigência de 60 dias (até 18/02/2009), prorrogável uma única vez pelo menos período (até 19/04/2009). Se, decorrido este período, não for aprovada, a medida provisória perde sua eficácia, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes

Segurança Jurídica
As novas modificações trazidas pela MP levantam também uma questão sobre a insegurança jurídica para a atuação no terceiro setor brasileiro. Um dos consensos nas discussões sobre o tema é o Brasil possui uma legislação para setor fragmentada, contraditória e conflituosa. A situação torna-se ainda mais negativa quando analisada a conturbada relação entre sociedade civil organizada e governo, que trabalha, muitas vezes, de forma ambivalente, ora concedendo imunidades e isenções, ora cancelando-as de forma arbitrária.

No entanto, a existência de um ambiente regulatório moderno, claro e estável é fator fundamental para promover a expansão e qualificação da atuação das organizações da sociedade civil em qualquer país. Com base nessa premissa, o GIFE desenvolve, desde o início de 2003, uma iniciativa destinada a contribuir para o aperfeiçoamento da legislação brasileira do terceiro setor: o Programa Marco Legal e Políticas Públicas.

Um dos produtos desse trabalho é o ainda inédito Visão GIFE do Marco Legal do Terceiro Setor, documento que estabelece os cinco temas que o grupo identifica como prioritários: (1) transparência e controle social (accountability), (2) liberdade de organização e funcionamento para as organizações da sociedade civil, (3) imunidades e isenções tributárias, (4) incentivos fiscais para iniciativas de interesse público e (5) segurança jurídica, na qualidade de tema transversal.

Na publicação, que será lançada em 2009, o leitor encontra uma descrição concisa de como a legislação brasileira aborda a matéria, identifica e analisa os principais entraves e oportunidades e traz um conjunto de propostas concretas de aperfeiçoamento do respectivo ambiente regulatório, incluindo medidas legislativas, administrativas e/ou de auto-regulação.


Rodrigo Zavala
redeGIFE Online, 17/11/08


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