segunda-feira, 14 de julho de 2008

Anunciantes e agências enfrentam fogo cerrado

Leifert Gilberto, presidente do Conar: "Quando governo, escola, família e justiça não cumprem o seu papel, alguém tem que ser responsabilizado"
Foto Gustavo Lourenção/ Valor


O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) nunca trabalhou tanto. Só neste primeiro semestre foram 223 processos instaurados pelo órgão, um recorde para o período, em 28 anos de história do Conar. Na entidade estão reunidos publicitários, anunciantes, representantes da mídia e também da sociedade civil, que monitoram campanhas em todo o país e julgam casos que geraram - ou podem gerar - reclamações do público.

A propaganda de bebidas alcoólicas é a que mais tem motivado horas extras no órgão: nos primeiros seis meses foram 86 processos analisados, que superam com folga os 52 instaurados em todo o ano de 2007 contra o setor. Este ano, o próprio Conar aumentou as restrições à propaganda de bebida, dois meses antes da entrada em vigor nova "Lei Seca", em junho.

O medo do mercado publicitário é que aconteça com as cervejas o mesmo que ocorreu com os cigarros: a proibição total na mídia. Reunidas, as marcas de bebidas alcoólicas formam o quarto maior setor anunciante, depois de varejo, serviços financeiros e higiene e beleza, tendo injetado cerca de meio bilhão de reais nos veículos de comunicação no ano passado, de acordo com a pesquisa Inter-Meios. Se depender dos órgãos federais e do poder legislativo, porém, não são só as campanhas de álcool que estão sob risco.

Segundo Gilberto Leifert, presidente do Conar, existem cerca de 200 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de regulamentar a atividade publicitária. "O ambiente regulatório está cada vez mais hostil", afirma Leifert, que também é diretor de relações com o mercado da Rede Globo. Daí o interesse do Conar em aumentar as restrições à propaganda dos setores mais sensíveis - bebidas, alimentos e medicamentos -, antes que o governo, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou de algum parlamentar, encarregue-se disso. Câmara e Senado discutem hoje as mais diferentes propostas, desde a obrigatoriedade de constar no rótulo do óleo de cozinha uma advertência de como se descarta o produto até a proibição de propaganda ao telefone, enquanto se aguarda atendimento.

Uma das iniciativas mais polêmicas é o substitutivo do projeto de lei (PL) 5921/2001, que proíbe qualquer propaganda de produtos para crianças. O texto foi aprovado no último dia 9 na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, depois de sete anos de discussão, e agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça. "Queremos proteger a formação da criança e do adolescente, seguindo o que já é aplicado em vários outros países", diz a deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), relatora do projeto. "Uma campanha que insiste para que a criança tenha um produto incompatível com o orçamento da sua família, por exemplo, gera frustração e dificulta o relacionamento em casa".

Na opinião de Dalton Pastore, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), é um erro assumir como modelo no Brasil determinações vigentes no exterior. "Nossa realidade é única, cada país deve decidir por si o que é ou não politicamente correto na comunicação", diz Pastore. Para ele, a publicidade brasileira já mostrou ser competente o suficiente para se auto-regular. "Se o Conar decide pela suspensão de uma campanha, os veículos acatam em menos de 24 horas, não precisamos de censura".

Não por acaso, a liberdade de expressão comercial será a principal tônica do IV Congresso Brasileiro de Publicidade, que começa hoje em São Paulo. A Abap, organizadora do evento, convidou o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, e a ex-repórter do jornal "The New York Times", Judith Miller - presa em 2005 por não ter revelado sua fonte à Justiça americana - para tratar do tema liberdade.

Se depender da Anvisa, no entanto, discursos inflamados não vão garantir a independência publicitária. Ela deve divulgar esta semana o resultado da consulta pública sobre a propaganda de alimentos. Ao todo, foram 676 contribuições, que serão consolidadas e encaminhas para audiência pública. O resultado será apreciado pela diretoria , que irá elaborar uma resolução. Campanhas para crianças estão entre as principais preocupações da Anvisa.

"Não se deve usar personagem de desenho infantil na propaganda de alimentos ou refrigerantes", diz Maria José Delgado Fagundes, gerente de monitoramento de propaganda da Anvisa. "A criança com até oito anos está em processo de formação cognitiva e não sabe separar o comercial do desenho".

A discussão sobre propaganda de comida ficou apimentada no final de junho, quando uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) indicou que as campanhas de alimentos sugerem opções nocivas ao consumidor. O estudo acompanhou 20 horas diárias da programação de canais de TV abertos e fechados, entre 2006 e 2007. Do total de peças publicitárias, 72% estavam relacionadas a opções com altos teores de gordura, açúcar e sal. Nos canais para o público infantil, a pesquisa identificou que 50% das propagandas eram de alimentos.

Segundo Maria José, a população precisa receber informação para se preservar de possíveis riscos à saúde. "Em setores como alimentos, bebidas e medicamentos, a mensagem não pode ter só conotação comercial, precisa trazer informação de saúde pública", diz.

Nas campanhas de medicamentos, Maria José vê avanços. "As peças têm mais informação hoje do que em 2000, quando a propaganda começou a ser regulada, mas ainda não são eficientes ao esclarecer, por exemplo, qual a principal contra-indicação de um produto", diz. A nova resolução da agência para remédios deve ser publicada até o final do ano e inclui um anexo para produtos isentos de prescrição. Aqueles que possuem cânfora, por exemplo, devem informar que não são indicados para crianças com menos de dois anos.

Quanto à propaganda de bebidas, a Anvisa já tem uma resolução pronta, mas aguarda que seja votado no Congresso o projeto de lei que diminui de 13 para 0,5 grau Gay Lussac a classificação do que é considerado bebida alcoólica na propaganda. "Hoje, pela lei 9294/96, cerveja não é produto alcoólico e pode ser anunciada durante o dia", lembra. Para ela, as restrições nada têm a ver com cerceamento da liberdade de expressão. "Nós estamos falando de uma atividade puramente comercial".

Para Leifert, do Conar, a propaganda se tornou vidraça porque é muito mais fácil restringir a comunicação do que atuar de forma estruturada sobre problemas graves - como alcoolismo, obesidade e auto-medicação. "Quando governo, escola, família e justiça não cumprem o seu papel, alguém tem que ser responsabilizado".


Daniele Madureira, de São Paulo
Valor Online, 14/07/08


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