segunda-feira, 16 de junho de 2008

Celular é o novo aliado na organização de protestos

"Praça de Mayo 20h. Caçarolaço. A favor do campo, contra a corrupção kirchnerista. Passe adiante - Argentina precisa de você". Milhares de pessoas em Buenos Aires receberam essa mensagem em seus celulares em 25 de março, por volta de 19 horas. Foi logo depois de um discurso da presidente Cristina Kirchner em que ela criticou duramente uma greve dos agricultores que havia começado uma semana antes - e até hoje não terminou.

Apenas três horas após o discurso, a emblemática Praça de Mayo, que fica em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, estava lotada de gente batendo panelas, carregando bandeiras, cantando palavras de ordem em manifestação de apoio ao campo, contra o governo. Eles dividiam o espaço com centenas de opositores, a favor do governo e contra o campo, que também se mobilizaram com a rapidez de um relâmpago.

Rafael Escalante, 22 anos, formado em ciência política pela Universidade de Buenos Aires, foi um dos que receberam a mensagem de convocação ao caçarolaço, quando saía do trabalho. "Recebi mensagens no celular e fui à manifestação na Praça de Maio, mas não por causa das mensagens, fui porque estava na rua e vi todo mundo indo para lá", conta Rafael.

O historiador Ignacio Bracht, de 52 anos, disse que recebeu cerca de cinco mensagens para o protesto daquela noite e continuou recebendo para manifestações posteriores, em outros locais e datas, a maioria a favor dos agricultores. Bracht admite ter pouca afinidade com a tecnologia e que decididamente não está no grupo de aficcionados que passam horas na frente de um computador. Mas desde que descobriu a mensagem de texto no celular tem sido seu meio favorito de comunicação. "É um meio eficiente para difundir uma idéia ou mobilização."

Não precisa muito para os argentinos armarem uma manifestação pública. Passeatas interrompendo as ruas fazem parte da paisagem de Buenos Aires e todos os dias há pelo menos um protesto. Há dias em que são vários, simultâneos, em diversos pontos da cidade, tornando o trânsito um caos.

A novidade é que de um ano e meio para cá eles estão se mobilizando cada vez mais rápido graças à ajuda da tecnologia com mensagens de texto, correios eletrônicos, blogs e o próprio celular. A Argentina é o país com o maior índice de acesso à telefonia celular da América do Sul. Estatísticas da Comissão Nacional de Comunicações e da União Internacional de Telecomunicações indicam que há quase um celular por pessoa na Argentina contra 0,83 nos EUA e no Brasil.

Javier Jayo, secretário especial da Confederação Agrária Argentina (CRA), confirma que o celular é um dos instrumentos que os agricultores em greve têm usado para chamar seus colegas nas fazendas vizinhas. De pontos remotos em meio às extensas lavouras de soja, milho e girassol, eles se comunicam e saem juntos às estradas que margeiam as fazendas. "Nós (da CRA) não os convocamos, a maioria são auto-convocados que se mobilizam e vão para as estradas protestar", disse Jayo ao Valor.

Os meios eletrônicos também têm ajudado a mobilizar os funcionários do Indec, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos, diz a socióloga Carolina Ocar, pesquisadora da área de estudos populacionais. Delegada do ATE, um dos dois principais sindicatos de funcionários públicos do país, Carolina faz parte de uma comissão que se encarrega de organizar os movimentos coletivos do sindicato.

Há quase um ano e meio, o Indec sofreu uma intervenção do governo Kirchner, com a demissão de toda a diretoria e deslocamento de parte dos funcionários para outros ministérios. O sindicato denuncia que os índices (principalmente o de inflação) estão sendo manipulados pela nova diretoria para parecerem melhores do que são.

Em protesto contra a intervenção, os funcionários organizados pelo ATE fazem semanalmente um "abraço" ao prédio do órgão no centro de Buenos Aires. Além disso, promovem reuniões em universidades e nas portas dos ministérios, do Congresso Nacional e até de supermercados. A divulgação dos eventos usa instrumentos tradicionais como panfletos e adesivos em papel. Mas cada vez mais se usa a técnica de "subir" panfletos a diferentes blogs e sites na internet. As mensagens de texto e correios eletrônicos chegam não só a todos os cerca de 1.400 funcionários (a maioria filiada a outro sindicato) mas também para uma lista de 1.600 contatos que incluem organizações sociais e políticas, jornalistas, centros estudantis e outros sindicatos, diz Carolina.

Existem razões históricas para que os argentinos sejam tão mobilizados e protestadores, diz a socióloga do Indec. "Tivemos forte influência dos imigrantes italianos e espanhóis que vieram para cá nos séculos XIX e XX - a maioria deles anarquistas, socialistas e comunistas em seus países de origem", explica Carolina, frisando que esta é uma característica da capital, que não se repete no interior.

Mas a propensão ao protesto se acentuou muito depois da crise de 2002, diz a cientista política Gabriela Da Mata, professora na Universidade de San Martín. "Em geral, as mobilizações desde 2003 são respostas a políticas do governo e do Estado. Nos anos 90, os protestos denunciavam e/ou expressavam a ausência do Estado em dimensões básicas da vida social." Gabriela minimiza o poder de mobilização dos meios eletrônicos. "Os meios eletrônicos têm contribuído para a organização de protestos. Mas não são indispensáveis na gestação de uma mobilização", afirma.


Janes Rocha
Valor Online, 16/06/08


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br