terça-feira, 6 de maio de 2008

A nova moda do subúrbio do Rio

A bancária Thaís quer roupa que está moda e um preço que caiba no seu bolso
Foto Silvia Costanti/Valor RJ


Em meio ao burburinho do calçadão de comércio de Madureira, entre a quadra da escola de samba Império Serrano, pastelarias, farmácias, supermercados e pequenas lojas de roupas usadas pelos jovens nos bailes funk, a bancária Thaís Helena Dutra faz mais uma compra em uma loja de moda que foge do padrão popular ou dos grandes magazines. "Quase todas as minhas roupas são daqui. São roupas que estão na moda, por um preço que dá para pagar", diz Thaís, de 22 anos, conhecida entre as vendedoras da Mercatto, marca de moda feminina voltada para a classe C cujas vendas crescem na faixa de 30% ao ano, desde 2002.

Berço das escolas de samba Portela e Império Serrano, Madureira também agrega o maior centro de comércio do subúrbio carioca - reúne um calçadão, um shopping center e um mercado popular - e reflete as mudanças no consumo de moda da classe C, hoje mais populosa, com mais acesso a crédito e dinheiro disponível para gastar.

Se antes era apenas o preço baixo quem mandava, agora o estilo e a qualidade dos produtos e do serviço na hora de vender passam a contar para esta faixa da população.

"Na década de 80, Madureira só tinha grandes lojas populares ou de pequenos comerciantes que não tinham a menor preocupação com o estilo. Isso vem mudando", diz a pesquisadora de consumo do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Senai e da PUC-Rio Aline Monçores. O consumidor da classe C, diz ela, está mais informado e com nível maior de escolaridade. E, por isso, mais exigente.

Desse quadro, deriva a fórmula da Mercatto. A marca, com 25 lojas espalhadas pela região metropolitana do Rio, oferece o mesmo tipo de roupa encontrada nas lojas voltadas para as classes A e B, mas a preços mais baixos. Marco Cohen, sócio da rede, diz que para atrair a clientela usa rostos famosos da TV como garotas-propaganda - entre eles os de Juliana Paes, Vera Fischer, Angélica, Taís Araújo e Luma de Oliveira -, embora reconheça que o grande diferencial é mesmo o preço. "Fabricamos tudo em muito volume", diz Cohen, que prevê crescimento de 35% no faturamento deste ano.

Thaís, por exemplo, só comprava roupas em grandes redes de varejo antes de descobrir a Mercatto. A bancária aposentada Sônia Agostinho também passou a comprar em lojas especializadas em moda com preços em conta. Sônia, casada com um bancário e mãe de dois adolescentes, diz que as condições financeiras da família melhoraram nos últimos anos. "Estamos consumindo mais roupa e estamos comprando mais eletrodomésticos e gastando mais em diversão, em cinema e restaurante", disse Sônia.

Próximo do calçadão, na Armazém 66, loja recém-inaugurada no Madureira Shopping, a gerente Andressa do Nascimento Silva, conta que conquista clientes com atendimento personalizado e uma espécie de consultoria de moda. "A cliente entra querendo comprar uma peça. A gente faz a produção e mostra como ela pode usar aquela roupa com outras peças e com os acessórios. Temos um público muito fiel", diz. A Armazém 66, de moda jovem feminina, fez uma aposta no subúrbio e tem outras três lojas em Madureira, Bangu e Realengo.

Para concorrer com a movimentação das redes menores de vestuário, os grandes magazines têm investido mais na qualidade de olho nesse grupo de consumidores, cuja tendência é crescer nos próximos anos.

A rede Riachuelo, com uma filial no shopping Madureira entre as 93 lojas distribuídas no país, percebeu o que estava acontecendo e hoje tem um departamento de pesquisa e criação. A loja de Madureira produz o maior faturamento entre as quatro que a rede possui no Rio.

O gerente-geral da rede, Flávio Amadeu, diz que a sensibilidade desse consumidor para a moda aumentou, mas observa que o preço mais baixo é sempre levado em conta. "Investimos em formar coleções 'antenadas' com as tendências de moda. Nas lojas, agregamos mais serviços e fazemos com que a experiência da compra seja prazerosa. Cuidamos mais do atendimento."

Boa parte do crescimento de 7,1% do faturamento em 2007 da Riachuelo, diz Amadeu, deveu-se ao crédito facilitado por meio de um cartão próprio que permite o parcelamento em até cinco vezes sem juros ou em até oito vezes com juros. Usado por 65% de seus compradores, o cartão fechou 2007 com o nada modesto número de 13,2 milhões de usuários - 1,8 milhão a mais em relação ao ano anterior.

O preço, embora importante na decisão da compra dessa faixa da população, tem espaço para ficar um pouco maior dependendo de outros fatores como matéria-prima e acabamento, na avaliação da pesquisadora Aline Monçores. "Há cinco anos, uma camiseta de malha custava R$ 10, R$ 12. Hoje, uma camiseta dessa está mais trabalhada e tem um preço maior, em torno de R$ 30, mas não é nada que inviabilize a compra", explica ela.

No Madureira Shopping há uma particularidade além da presença das lojas de departamentos, como Renner, Leader e Lojas Americanas. Distante cerca de 20 quilômetros da praia, o shopping detém a maior concentração de lojas de artigos de surfe em comparação a outros shoppings da cidade.

Marcas de produtos para surfistas que ficaram famosas nos anos 80, como a Cristal Graffiti, permaneceram com lojas abertas às custas do estilo das roupas usadas nos bailes funks do subúrbio. "Aqui não tem surfista. É uma marca antiga, mas que tem preço bom e que não sai de moda", diz Rodrigo Pereira, gerente da Cristal Graffiti de Madureira.

Particularidades à parte, a superintendente da Brascan Shoppings, que administra o Madureira Shopping, Liliane Dutra, aposta que o ciclo virtuoso de crescimento da classe C dure até 2010. "O varejo já percebeu isso e vê que a classe C não quer mais o que é popular", disse.

Ana Paula Grabois
Valor Online, 06/05/08


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br