terça-feira, 6 de maio de 2008

Delegados do Orçamento Participativo viram cabos eleitorais no Recife

O Orçamento Participativo (OP), que nasceu em Porto Alegre com Olívio Dutra, difundiu-se em São Paulo na gestão Marta Suplicy e ganhou uma versão digital em Belo Horizonte, alcançou no Recife sua maior expressão atual, fundamentando a candidatura do sucessor do prefeito João Paulo (PT).

Há sete anos no comando do programa responsável pela maioria das obras feitas na periferia da cidade, João da Costa, hoje secretário de planejamento participativo do Recife, foi escolhido pelo atual prefeito para a disputa municipal.

À revelia dos maiores caciques petistas de Pernambuco, João Paulo aposta na força do Orçamento Participativo para fazer seu sucessor. Cerca de 12% do orçamento municipal - ou R$ 300 milhões - passaram pelas mãos de João da Costa desde 2001, dando origem a 3.600 obras. Quase um terço do 1,5 milhão de habitantes da cidade já participou das votações, o que faz do programa recifense o maior do país em termos de mobilização.

Por outro lado, o candidato petista terá de vencer a pouca experiência na disputa por cargos majoritários em uma eleição com figuras políticas bastante conhecidas dos recifenses, como o ex-governador Mendonça Filho (DEM) e o deputado federal Cadoca (PSC).

Líder estudantil na juventude, desde o fim dos anos 80 João da Costa atua nos bastidores das eleições, como assessor para campanhas e programas de governo do prefeito João Paulo. A única experiência como candidato foi em 2006, quando se elegeu deputado estadual por Pernambuco, cargo do qual se licenciou para continuar à frente da secretaria municipal.

Mobilizando o exército de delegados do Orçamento Participativo na campanha, João da Costa foi o terceiro deputado mais votado no Estado. Uma estratégia que agora ele pretende repetir, com a ajuda dos 2.400 delegados do OP, que farão a campanha do candidato nas periferias. "Aquilo foi um teste para minha candidatura a prefeito", explica.

O uso do programa para fins eleitorais já desperta reações. "Nos primeiros anos, o Orçamento Participativo foi muito bom porque deixou os movimentos sociais definirem o que queriam para suas regiões. Mas ele se perdeu um pouco ao longo desses últimos sete anos ao se misturar com a política. Com isso, parece que se armou toda uma estrutura para evitar a contestação", afirma Evódia Lima Alves de Souza, coordenadora da Articulação Comunitária da Caxangá, que congrega 30 entidades. Depois de ser eleita quatro vezes delegado do programa, Evódia decidiu se afastar da gestão do Orçamento Participativo.

No Ibura, outro bairro do Recife, a líder comunitária Heunar Santos também optou por não mais participar do programa desde o começo de 2007, depois de ver João da Costa se eleger deputado estadual. "Com a estrutura que ele tinha, ele podia ser presidente. O Orçamento Participativo ficou vinculado ao uso político. Eu não uso interesses eleitorais em minha comunidade", diz Heunar.

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Capital pernambucana é hoje a maior vitrine do instrumento de gestão petista que nasceu em Porto Alegre

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Com a aproximação da votação, o secretário de Planejamento Participativo João Costa tem intensificado suas visitas aos bairros para apresentar sua candidatura aos líderes comunitários em reuniões fechadas. Nesses encontros, ele afirma que a continuação do Orçamento Participativo depende da sua eleição.

Para o sociólogo Rudá Ricci, diretor da organização não-governamental Instituto Cultiva, voltada para a implementação de práticas democráticas participativas, o Orçamento Participativo no Recife realmente se transformou numa poderosa ferramenta. "Não tenho dúvidas de que o programa criou uma estrutura de poder. Porém não se pode dizer que há clientelismo. Se houvesse, João da Costa lideraria desde o começo as pesquisas."

Para o sociólogo Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do orçamento participativo, não é possível afirmar que apenas os programas não resistam ao fim dos mandatos. "No entanto, uma das grandes vulnerabilidades do Orçamento Participativo é a sua dependência do sistema político. Mesmo experiências importantes sofrem dessa dependência e o ideal seria institucionalizá-lo com uma forma de democratização do orçamento independente de quem está ocupando a administração municipal."

Com uma popularidade mais concentrada nos redutos do Orçamento Participativo, os líderes do PT - principalmente o ex-ministro Humberto Costa - resistiram em lançá-lo candidato. Agora, mesmo tendo cedido à indicação do prefeito, o apoio total deles à campanha ainda não está totalmente definido. "Podemos dizer que isso está mais ou menos encaminhado", avalia o secretário. Nem mesmo o vice de João Paulo concordou com a candidatura. Luciano Siqueira (PCdoB) resolveu se lançar na disputa. No âmbito estadual, o apoio do governador Eduardo Campos (PSB) ainda está sendo costurado.

João da Costa sabe que pela frente terá de se tornar mais conhecido da população para ganhar votos. "Agora estou na linha de frente. Meu jeito é mais racional e exige-se do candidato que ele tenha mais sentimento, expressão. Será um teste para mim até no aspecto pessoal", diz o candidato de 47 anos.

Para isso, João da Costa está se aproximando ainda mais do outro João, o popular prefeito, que dança frevo e torna suas experiências espirituais - incluindo a levitação - públicas. Camisetas de cabos eleitorais já estampam o dizer "João é João". Faixas afirmam que "em 2008, a grande obra não pode parar".

Nas visitas que faz à periferia da cidade, o secretário circula como velho conhecido da população. Foram as obras do Orçamento Participativo que arrumaram as encostas dos morros, acabando com as recorrentes mortes a cada estação de chuva na cidade.

Mas não é assim em todo o Recife. Num restaurante no bairro de Casa Forte, de classe média alta, poucos demonstravam conhecê-lo. O próprio candidato também parece esquecer que participa de uma eleição. À saída, prestes a entrar no carro, lembra-se de que havia esquecido de se despedir dos garçons. Voltou. "Depois podem dizer que o candidato é mal-educado", disse, ainda pouco habituado à rotina política.

Para tornar seu candidato mais conhecido, João Paulo também tem andado com ele pela cidade a tiracolo. No aniversário da cidade, dia 12 de março, anunciou R$ 100 milhões de investimento ao lado de João da Costa. Quando o também candidato a prefeito Mendonça Filho foi a seu gabinete pedir informações sobre a cidade, João Paulo recepcionou-o com João da Costa. E quem estava na cadeira de governante era o prefeiturável petista.

Carolina Mandl
Valor Online, 06/05/08


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