quarta-feira, 2 de abril de 2008

Brasilidade, reputação e sustentabilidade

Acredito que o gerenciamento de marca é mais importante do que os 4 P´s do marketing. Inclusive levando em consideração que esse é um conceito já muito antigo, formulado em 1960 por Jerome McCarthy. O conceito dos 4 P´s foi adequado para o Século XX, está baseado na economia do tangível. A economia do século XXI é cada vez mais focada nos intangíveis e neste contexto tudo aquilo que está associado a valores, conceito, identidade, reputação é o que dá o diferencial.

Produto, preço, promoção e ponto de venda são premissas, não servem mais como diferencial num contexto onde produtos e serviços ficam cada vez mais semelhantes. Se temos uma oferta muito grande de coisas onde produto, preço, promoção e ponto de venda são muito semelhantes, o desafio é: “como fazer com que o seu produto ou serviço seja escolhido ?” E é nessa escolha que está a chave de toda a questão da marca e do intangível. Você será escolhido pela capacidade de atrair, encantar e gerar identidade com o seu consumidor, com o seu cliente. Isso é feito através de valores e de comportamento. Você pode escolher produtos que tenham o preço muito maior do que outro, ou que sejam mais difíceis de encontrar, por exemplo: um sabonete da Natura, pelo tipo de conceito que ele te oferece. Por que tem um conceito de brasilidade, é feito a partir de ativos naturais originários e pesquisados no Brasil e com um tipo de produção calcada em valores e em sustentabilidade. Assim, você simpatiza com a marca e escolhe um sabonete de R$ 9,00 e não de R$ 0,90 como você encontra no supermercado.

Agora, mesmo a questão da marca já está ficando um pouco obsoleta, o conceito mais atual é o de reputação. Como toda a economia do intangível fica cada vez mais importante, e também pela questão da cópia (acesso fácil à informação, faz com que também seja fácil copiar) reforça o fato que os 4 P’s fiquem cada vez mais parecidos. Com isso a marca passa a ser também mais frágil, pode ser pirateada, copiada.

Qual é a coisa então que não se pode piratear, nem copiar e que é só tua? É a reputação. Considero que a reputação de uma empresa é como a sua marca em processo: são os valores da empresa aplicados. Como essa marca atua internamente, para com os seus funcionários? Por que não se pode ter um discurso externo e uma prática interna diferente. Como essa marca atua na comunidade na qual está presente? E como ela atua no mundo em geral?

Reputação é a única coisa que pode te dar garantias de longevidade, e este é hoje um grande desafio enfrentado pelas empresas. Reputação garante a sua atratividade e responde aquela pergunta: como atrair o consumidor? Se minha reputação é boa, eu consigo atrair. E minha reputação é boa se os meus valores e a práticas a eles atreladas forem condizentes.

A longevidade depende também da sustentabilidade: O planeta estará bem? Estaremos vivos? Teremos recursos suficientes para todos? Teremos uma distribuição eqüitativa de renda que permita bem estar e gere uma estabilidade tanto econômica quanto em termos de segurança (essa é uma condição de saúde para o mercado).

E finalmente, para a marca e a reputação, o fundamental é a coerência, um dos grandes indicadores de futuro. Hoje não adianta mais, como acontecia no passado, você comunicar algo e não ser aquilo que comunica. É preciso ter uma coerência entre aquilo que propõe e aquilo que pratica.

Em relação às empresas nacionais, levando em conta o fato que o desafio é ter a escolha do consumidor, atributos e valores são importantíssimos. Por exemplo, falamos muito da ameaça da China, mas os atributos associados a ela são extremamente negativos: pensamos em má qualidade, em cópia, trabalho semi-escravo poluição. Quando falamos em Brasil, temos uma série de atributos extremamente atrativos a ele associados. A marca Brasil está associada à alegria, solidariedade, sensualidade, cor, calor, inovação, juventude. Atributos com alto poder de atração e pouco explorados por nós. Existem muitos casos de empresas européias e estadunidenses que constroem toda a sua marca, toda a sua comunicação, em cima desses atributos. Eles perceberam a riqueza que esses atributos oferecem. Nós ainda não.

Como resultado de colonização, ditadura, economia fechada e logo após o deslumbramento neo-liberal, tendemos ainda a ficar fascinados com o que vem de fora, e não damos valor àquilo que nos é próprio.É uma tendência dos países em desenvolvimento: em vez de assumir nossas próprias características, queremos mostrar “o quanto somos civilizados”, mostrando o quanto somos “americanos” ou “europeus”. O que precisamos é trabalhar mais em cima da nossa brasilidade, e construir as marcas a partir desses atributos e valores. Mas, transformá-los em inovação nos produtos e serviços depende de políticas de longo prazo, investimento em pesquisa e desenvolvimento e melhora da educação. Isso ainda é difícil com a falta de continuidade e profissionalismo nos nossos governos ( melhorou, mas está longe de estar bom...)

Outra coisa complicada é que a marca depende da coerência e esta depende da atitude da empresa. Como o que a empresa faz é o que cria a sua marca, responsabilidade social empresarial é estratégica e não sei até que ponto as empresas brasileiras estão conscientes disso. As empresas que são de ponta e inovadoras já constroem o seu diferencial, o seu atributo de marca em função disso. No caso da SER, vemos uma passagem do foco na questão ambiental para a inclusão do enfoque cultural pois é ele que vai dar esse diferencial de brasilidade que pode garantir a longevidade e o poder de atração das marcas. É preciso partir do reconhecimento, valorização e utilização da cultura local para construir, alimentar e diferenciar a sua marca. E isso associado à sustentabilidade: todos os processos (de produção,venda e etc) devem ser adequados a uma visão de século XXI, voltadas para comércio justo,orgânicos, não poluentes etc.

E finalmente, a questão da corrupção. O Brasil tem todos esses atributos fabulosos e o que nos falta para transformar esses atributos em riqueza é credibilidade. Só vamos nos estruturar melhor como economia quando trabalharmos de forma mais articulada, nos organizando em clusters e outras formas de cooperação, mas isso depende de confiança. E nós temos uma baixa taxa de confiança que vem da corrupção - que é disseminada e não uma coisa exclusiva do governo. Basta ver que, quando pedimos um recibo no táxi, a resposta é invariavelmente “de qual valor?”. Credibilidade é outro dos alicerces para construir as nossas marcas.

O Brasil oferece oportunidades pelo enorme potencial que possui através de sua cultura, desta brasilidade que pode virar atributo e diferencial. Além do mais, podemos crescer indo direto para o futuro. As empresas que se organizam agora não precisam repetir os erros do século XX: querer crescer demais; desenvolver modelos que não sustentáveis nem éticos; trabalhar com uma base só industrial ou de commodities e deixar de lado o intangível , o cultural, que é a grande galinha dos ovos de ouro do futuro. Se pensarmos que a economia da experiência é a que mais cresce no mundo, e ela está ligada a turismo, entretenimento, cultura - que são riquezas fabulosas no Brasil - vemos todo o potencial que existe.

Nesse sentindo, o papel da comunicação é fundamental. Primeiro, por que a comunicação na verdade é aquilo que constrói a própria história da humanidade: o que caracteriza o ser humano é o fato de que ele se comunica e assim constrói cultura. O papel do comunicador não é desenvolver um material bonitinho, não é atender a demandas, craindo apenas produtos de comunicação. O papel do comunicador é criar processos de comunicação, ser o amalgama que une tudo, que conecta as partes e promove o fluxos tanto internos quanto externos. O papel da comunicação é cada vez mais central e estratégico nas tomadas de decisão de uma empresa.

Por isso, o profissional e a empresa de comunicação precisam cada vez mais ser pró ativos e criativos, e não apenas reativos. Ela precisa propor ao cliente, por que existem coisas que a comunicação pode fazer por ele que ele próprio desconhece. A comunicação precisa trabalhar com uma visão de mix, atender uma série de coisas simultaneamente, trabalhando com publicidade, e promoção sim, mas também marketing cultural, responsabilidade social empresarial, tudo aquilo que está ligado com aquelas questões essenciais dos atributos, valores e da coerência. E ,finalmente, mais um motivo pelo qual ela precisa ser pró ativa é para apontar caminhos de futuro. Por que o futuro chega cada vez mais rápido. Antes o futuro levava séculos para chegar, depois talvez 100 anos, 50 e agora chega em 5 anos. Esse futuro é cada vez mais focado no intangível, que é a própria matéria prima da comunicação, então ela tem o dever e a oportunidade de mostrar para seus clientes todas as oportunidades que o intangível oferece. Essa é uma questão ainda muito nova, o papel dos intangíveis dentro das empresas e como são avaliados : gestão de conhecimento, rede de relações, reputação, governança, inovação, design, parcerias- tecnológicas e comerciais, criatividade.(Envolverde/Mercado Ético)



Lala Deheinzelin, palestrante e assessora para empresas, governos e a ONU. Fez parte do primeiro grupo de experts que se reuniu neste mês na Espanha para lançar as bases de atuação com a Convenção da Diversidade Cultural.
Publicado pela Envolverde em 31/03/08

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