sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O marco legal do cooperativismo

Mauro Scheer Luís*
Publicado pelo
Valor Online em 16/11/07

Muito se discute sobre a flexibilização da legislação trabalhista. No meio da discussão, temos o seguinte embate público: de um lado, os firmes e no mais das vezes irredutíveis defensores dos direitos adquiridos dos trabalhadores, sobretudo aqueles obtidos desde a época do governo de Getúlio Vargas. Estamos falando de direitos como férias, décimo-terceiro salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), entre outros. Do outro lado, estão os defensores da flexibilização como forma de criação de novos postos de trabalho.

A flexibilização, entretanto, não pode ser entendida como a supressão de direitos já conquistados pelos trabalhadores. A compreensão deve ser ampla, e neste aspecto, é mais factível discutirmos a flexibilização das relações de trabalho, e não apenas da legislação já existente. Novas formas de trabalho devem ser criadas e melhoradas, de forma a satisfazer não só as necessidades dos trabalhadores, mas também a realidade do mercado atual. É com pesar que o brasileiro recebe notícias como as que hoje estão sendo divulgadas pela mídia, de que o Brasil perde bilhões em exportações em função da falta de competitividade em relação à China. Com efeito, em países como a China, a mão-de-obra, além de precarizada (em alguns casos ela é escrava ou semi-escrava), não sofre a incidência dos onerosos encargos trabalhistas e previdenciários que por aqui existem.

O cooperativismo do trabalho, por exemplo, é uma relação de trabalho que vem crescendo cada vez mais na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil. Em nosso país, contudo, em parte pelo desconhecimento de empresários, governantes e até de advogados e magistrados, e em parte pela ação fraudulenta de algumas cooperativas, o ramo "trabalho" do cooperativismo é crucificado e condenado de forma constante. De fato muitas cooperativas de trabalho atuam de forma fraudulenta, evidenciando a precarização da mão-de-obra e a instituição de verdadeiros "donos" de cooperativas, figuras que jamais poderiam existir dentro do sistema cooperativista.

Entretanto, são muitos os benefícios da associação de um trabalhador a uma cooperativa de trabalho que atue de forma congruente como o sistema cooperativista. O objetivo da cooperativa de trabalho não é locar nem intermediar mão-de-obra. Temos muitos exemplos positivos que podem ser citados. Na cidade de São Paulo, por exemplo, existem dezenas de cooperativas de reciclagem de lixo, que ora agem como cooperativas de trabalho, ora como cooperativas de produção. São associações de profissionais autônomos que catam lixo reciclável nas ruas e fazem o trabalho de prensagem, preparação e venda do material a empresas que, posteriormente, usarão esse material na fabricação de novos produtos. O que chama a atenção, entretanto, é a remuneração mensal que esses cooperados recebem em decorrência do seu trabalho: cerca de 30% a 50% a mais do que catadores de lixo que não se agrupam para um objetivo comum. Além disso, estão segurados e protegidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de comprovarem de forma legal sua renda.

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Estamos muito próximos de definir o marco regulatório do cooperativismo de trabalho no país
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Por que as cooperativas são tão massacradas pela sociedade? É evidente que falta um marco regulatório. O parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que não há vínculo de emprego entre os cooperados, cooperativas e tomadores de serviço. Por outro lado, o artigo 9º do mesmo diploma legal sentencia que, havendo manobras do empresário que objetivem fraudar a relação de emprego (ou seja, tentar transformar uma relação de emprego em algo que ela não é), o juiz pode decretar a nulidade do ato fraudulento, fazendo prevalecer a relação de emprego.

Estamos muito próximos de definir o marco regulatório. Trata-se do Projeto de Lei nº 7.009, de 2006, de iniciativa do Poder Executivo, e atualmente relatado pelo deputado Tarcísio Zimmermann. Ao citado projeto foram apensados outros, com o mesmo objetivo. Embora esse projeto, sem dúvida alguma, desvirtue alguns princípios cooperativistas em vigência na Europa e nos Estados Unidos - locais onde o número de cooperativas é extremamente grande -, o projeto, se aprovado, regulamentaria uma série de situações, tais como a questão dos direitos fundamentais, como jornada de trabalho, piso salarial, normas de saúde e segurança do trabalho, entre outras, estabelecendo melhores condições de trabalho.

Todavia, não bastará a aprovação de um projeto de lei para que as cooperativas passem a trabalhar de forma mais organizada e com maior respaldo legal. Será essencial a organização destas instituições e a formação de centros de treinamento, para a conscientização do cooperado e da população em geral sobre os princípios cooperativistas. Em outras palavras, é preciso que os trabalhadores "sejam" cooperados, e não apenas "estejam" cooperados por força do número crescente de falta de postos de trabalho. A diferença entre esses dois tipos de cooperados reside justamente na compreensão do verdadeiro cooperativismo pelos trabalhadores: a união de pessoas com um objetivo comum. Resta saber se o marco regulatório será finalmente aprovado. Façam suas apostas.

*Mauro Scheer Luís é advogado atuante na área do cooperativismo e direito do trabalho e sócio do escritório Scheer e Dias Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


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