quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Capitalistas levantam a voz - Grupo Lide reúne parte do PIB para discutir desenvolvimento e investimento ambiental

Carlos José Marques
Publicado pela IstoÉ Dinheiro de 31/10/07


Encontro Latino - Brasileiros e argentinos que estiveram no Meeting têm ao menos uma preocupação comum no que diz respeito à evolução do bloco Mercosul: a escalada autoritária do governo venezuelano de Hugo Chávez

Enquanto o governo chama empresários para angariar apoio, o Grupo Lide, de Doria, reúne parte do PIB para discutir desenvolvimento e investimento ambiental

João Doria Jr., o diligente fundador do Lide – Grupo de Líderes Empresariais – e ex-presidente da Embratur, sempre fez retiros anuais com executivos de grandes companhias no fim do inverno andino, início da primavera no hemisfério, muito preocupado em desenvolver trabalhos com essa turma em cenários encantadores. Nas últimas duas edições a escolha, em sintonia com a mudança de estação, recaiu sobre alguns dos lugares mais frios do continente. Ao pé da Cordilheira, Bariloche e Mendoza se alternaram, do ano passado para cá, na recepção ao “Meeting Internacional” de Doria – que costuma colocar no mesmo espaço, para confronto de idéias e busca de saídas político-econômicas, alguns dos principais presidentes e CEOs de empresas do País, senadores, deputados e especialistas.

O clima às vezes severo na área externa e o ambiente acolhedor dentro das convenções criaram de uns tempos para cá a atmosfera perfeita para manter as pessoas concentradas no que acontece nas salas de debates e encontros informais. Mas a reunião de 2007, a última que Doria montou há pouco mais de duas semanas, foi mais intensa e alimentou provavelmente mais expectativas do que qualquer outra, para surpresa talvez até do organizador. A receita de movimentos de alcance nacional – como o “Cansei”, que se apresentou como apolítico, mas teve um poder de mobilização capaz de incomodar até membros do governo com suas bandeiras contra a apatia geral – deu o tom. Doria, cujos fóruns, rodadas de negociação e protestos silenciosos por mudanças têm despertado a atenção de um número cada vez maior de interessados (neste 12º “Meeting” foram 332 participantes, que ficaram confinados em entendimentos por quatro dias), está com certeza trazendo uma agitação diferente à arena de discussões.


ENCONTRO LATINO Brasileiros e argentinos que estiveram no Meeting têm ao menos uma preocupação comum no que diz respeito à evolução do bloco Mercosul: a escalada autoritária do governo venezuelano de Hugo Chávez

Para se contrapor à força do Lide de Doria, há quem diga que estaria surgindo nas entranhas dos partidos da base de apoio ao governo uma espécie de “concílio de empresários aliados” com o mesmo intuito de difundir propostas e sacudir opiniões – mas, naturalmente, na direção oposta à do Lide. Pelo sim, pelo não, o presidente Lula em pessoa fez um gesto nesta direção, na semana passada, chamando quase 100 empresários do time dos maiores para fomentar alternativas rumo ao crescimento. Falou em despertar o “espírito animal” de cada um, em “acender uma faísca” no empresariado para o novo ciclo de investimentos do PAC e, claro, buscou apoio a suas bandeiras, como a aprovação da CPMF. Lula planeja manter em constante vigília esse concílio, recorrendo a ele quando necessário para se contrapor a movimentos de cobrança como os do Lide e mesmo os da Fiesp – que chegou a recolher dois milhões de assinaturas para barrar o imposto do cheque. Uma coisa é certa: a onda de iniciativas, oficiais ou não, no âmbito dos senhores da produção vem ajudando o País a fomentar o tão esperado desenvolvimento.

Cobranças
O Lide, de sua parte, proclama estar em busca da construção de uma sociedade mais “ética, desenvolvida e consciente”. Vem usando os encontros para este fim. E, talvez traquejados na arte de cobrar respostas, os empresários participantes do Meeting de Mendoza foram mais aguerridos nesta edição, a ponto de um deles chegar a inquirir de pé o ex-presidente José Sarney – convidado como palestrante – sobre o “affair” Renan Calheiros no Congresso. O clima esquentou. Imagine Sarney, sentado à cabeceira de uma grande mesa de debatedores, que acomodava também dois embaixadores brasileiros, o governador do Amazonas, Eduardo Braga, além de autoridades argentinas, sendo instigado por um representante do PIB a opinar sobre o futuro do seu amigo, o presidente licenciado do Congresso. Experimentado no jogo parlamentar, Sarney não se fez de rogado. Em vez de uma resposta conservadora, protocolar, saiu a destacar o valor da amizade e o porquê do seu apoio a Renan. Percebeu sonoros murmúrios de protesto. A temperatura subiu. Lá fora fazia perto de 11 graus, mas naquela platéia do fórum o calor das indagações só aumentava: a militarização da Venezuela, o crescente autoritarismo de Hugo Chávez e as relações de Lula com o líder venezuelano estiveram no capítulo seguinte das perguntas. Sarney mal teve tempo de respirar. Sobre a Venezuela tem, e mostrou aos empresários, uma posição clara e cristalina. Diz que o governo Chávez está deixando de lado os valores democráticos, principalmente pela falta de alternância no poder e pela onda de constituintes convocadas para reforçar o seu autoritarismo, cassando direitos sociais.

Ficava no ar uma questão: o que os empresários estariam buscando sobre a Venezuela? Tudo. Vários deles estão com um pé ali, vendendo produtos ou com instalações próprias naquele mercado. Um mercado que Chávez está modificando com regras inusitadas, como a dos cinco tipos de propriedade privada – desde a parcialmente privada até aquela que pode ser confiscada. Titãs nacionais como Usiminas, Braskem, Odebrecht e Petrobras apostaram muito na Venezuela e correm o risco, num efeito cascata sobre parceiros, de perder tudo com a política belicosa do líder venezuelano. O comércio bilateral entre os dois países já monta em US$ 4 bilhões, mas os petrodólares dali podem virar uma bomba-relógio. Na sua fala, Sarney fez uma revelação inquietante a respeito: assegurou que a Venezuela já investiu pelo menos US$ 4 bilhões na era Chávez em armamento pesado e que seus planos militares podem afetar toda a região. Na conclusão, surpreendeu: é contra a adesão da Venezuela ao Mercosul na base do tal “socialismo bolivariano” e vai trabalhar para o Congresso Nacional barrar o pedido de Lula neste sentido. Foi com essas palavras que ouviu, pela primeira vez, aplausos mais fortes daquela platéia.

Qual o segredo?
Em determinado momento, o mediador Doria estabeleceu outra vertente de temas – a do desenvolvimento das relações comerciais no Mercosul. Afinal, foi para isso que Sarney esteve ali, fazendo a sua exposição. Sarney tentou durante pouco mais de 45 minutos mostrar o quanto o Brasil havia perdido de tempo na corrida do desenvolvimento e como ele e seu amigo Raul Alfonsin, que presidia a Argentina à mesma época, tinham gerado o embrião do modelo de relações comerciais e políticas em bloco que desembocaria no Mercosul – nos moldes do mercado comum europeu. Sarney diz que fez a transição do atraso, com a restauração das liberdades políticas e da busca de uma alternativa econômica, mas mesmo assim sofreu pesadas queixas. Tinha de pronto um argumento aos contestadores da época: “Levamos décadas no militarismo que estagnou a região por uns 40 anos, e agora querem tudo de uma hora para outra, crescimento já, emprego já, melhorias sociais já?”

Hoje o senador, à sua maneira, administra um equilíbrio delicado no plenário, ocupando um papel ativo de negociador. Deve influir decisivamente na escolha do sucessor de Renan e tem seu próprio nome lembrado para a cadeira – embora, como todo bom político, descarte a hipótese com veemência. Não admira que no atual estágio da carreira encare as críticas com solene tranqüilidade, venham elas de colegas parlamentares ou de empresários. Em raras ocasiões saiu de sua sala no Congresso para ir confabular com representantes do PIB, mas dessa vez resolveu seguir a Mendoza – contrariando conselhos de aliados – para recolher impressões da iniciativa privada. Deve ter saído surpreso com o atual estágio de engajamento dos senhores do capital.

Os principais executivos do Meeting de Mendoza tiveram olhos também para outras estrelas do debate. O governador da Província de Mendoza, Julio Cobos – que está prestes a virar vice-presidente da Argentina na chapa encabeçada pela líder das pesquisas, Cristina Kirchner –, ganhou com a pergunta de um espectador a chance de se levantar como mais uma voz de resistência aos avanços bélicos do modelo chavista. Não o fez. Preferiu sair pela via diplomática da importância da integração. Não foi mais lembrado para comentários.

Créditos de carbono
Melhor projeção no encontro alcançou o governador do Amazonas, Eduardo Braga – como tem sido uma constante nas suas passagens por eventos do tipo. O grande esforço de Braga tem tido como objetivo atrair e aglutinar novos financiadores para os seus projetos do “Fundo de Proteção Ambiental”, com cotas de crédito de carbono, e o “Bolsa Floresta” – um bem pensado mecanismo de inserção social que estimula populações de baixa renda do Estado a aderir, via pagamento de incentivo, aos programas de sustentabilidade e preservação do meio ambiente. A bandeira “uma floresta em pé vale mais que a derrubada” tem atraído muitos adeptos. Ali mesmo no Meeting, vários empresários se interessaram pela iniciativa e empenharam promessas de recursos. Nos cálculos de Braga, pelo menos 17 milhões de hectares quadrados já estão preservados com os programas em andamento – o equivalente ao território inteiro da Inglaterra – e num efeito cascata essa área protegida, que cresce dia a dia, pode vir a gerar até US$ 30 bilhões em dividendos ao Brasil nos próximos cinco anos. “A mata amazônica é uma bomba biótica da atmosfera . Cada árvore no Amazonas chega a evaporar 300 litros de água por dia e eis o sentido positivo dessa bomba biótica.” Para conseguir o grande prêmio dos créditos de carbono, o governador Braga tem corrido atrás de todo e qualquer apoio, principalmente da comunidade internacional. Ele acredita que iniciativas como a modelada para o seu Estado alcançarão o pico de demanda em pouco tempo. Daí sua corrida para superar desafios como a baixa informação a respeito. Empresários nacionais e estrangeiros seguem bastante receptivos. Eles sabem que o engajamento em causas verdes virou palavra de ordem no mundo capitalista.

No ambiente do Lide o tema é discutido à profusão. A ONG de Doria não tem se furtado a assumir um papel de destaque nesse campo. Assim como, com a mesma preocupação, tem encampado causas sociais e criou até um braço de operações, batizado de EDH – Empresários pelo Desenvolvimento Humano –, só para tratar do assunto. Com quatro anos de funcionamento e 452 empresas filiadas, que representam quase 48% do PIB, o Lide vem fazendo barulho. Alimenta uma nova geração do empresariado, mais consciente e exigente, e apoderou-se de causas que estavam órfãs de defensores. Pode-se dizer que o Lide está conseguindo dobrar o entusiasmo dos empresários para tais temas, com respostas concretas.

Virada de qualidade
No Meeting essa conscientização social e ambiental é um dos objetivos, tal como a procura por histórias de sucesso que enriqueçam a experiência do grupo. Nas terras de Mendoza nada é mais representativo de iniciativas bem-sucedidas do que o trabalho das vinícolas. Três delas foram abertas para empresários do Meeting: a do mestre Nicolás Catena, a do gigante produtor Norton e a Terrazas, controlada pelo grupo francês Chandon. No caso de Catena, sua história delimita a virada de qualidade dos vinhos argentinos. No início dos anos 90 as demandas por vinhos de primeira linha estavam por colidir com os sonhos dinásticos da família Catena, que havia se instalado na Argentina ainda no início do século. Nicolás, que sucedeu o pai como responsável pela vinícola e seguia como terceira geração de produtores da família, decidiu fazer novas experimentações no plantio da uva. Afastou da cabeça a velha idéia de que as geadas podiam arrasar com tudo e colocou o plano em campo. O ímpeto dele não murchou mesmo quando caminhou em concorrência direta com os chilenos, que também se projetavam no cenário mundial. Hoje, na inusitada pirâmide inspirada na civilização inca que abriga sua vinícola, Nicolás e seu filho Ernesto contemplam o resultado. O “case” da Vinícola Catena, cujos vinhos são cotados entre os melhores do mundo, é o espelho do empreendedorismo ousado e bem-sucedido que os filiados do Lide perseguem. Ali Catena mostrou mais uma lição aos aguerridos convivas do Meeting de Doria: que a excelência é um bem conquistado à base de muita luta e persistência.


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br