sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Auto-regulação prevalece na Europa

Assis Moreira
Publicado pelo
Valor Online em 24/08/07

Angela Mills, diretora executiva do European Publishers Council, gastou muito tempo para convencer o Parlamento e a Comissão Européia a não impor regras de conduta para jornalistas financeiros, na elaboração da Diretriz sobre Irregularidades de Mercado - que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quer adotar no Brasil.

Ela nota que o texto final de 2003 introduziu um conjunto de regras aos quais os jornalistas devem estar "conscientes", mas criou salvaguarda para "a maioria das atividades jornalísticas". Boa parte dos governos delegou a implementação das exigências a imprensa pelo meio de auto-regulamentação. Assim, os repórteres seguem seus próprios códigos de conduta "equivalentes" a diretiva.

No entanto, o balanço de Mills é incisivo. Ela considera que o texto europeu representa "uma nova e indesejável intrusão na liberdade editorial na União Européia".

Muito depende da atitude dos governos e sua interpretação da diretiva. Exemplifica com um caso recente na República Checa, que está sendo contestado na justiça, pela qual as autoridades pediram a condenação de um órgão de imprensa que "fez um simples erro" de informação financeira.

Nesse cenário, ela vê o persistente "perigo" de a autoridade regulamentadora e os governos exigirem conformidades tão severas sobre publicações envolvendo os mercados financeiros, que leve jornalistas a se auto-censurarem pelo temor de violar a regulamentação.

Adotada pela UE em janeiro de 2003, a Diretriz sobre Abuso de Mercado tem como alvo o uso de informação privilegiada e manipulação de mercado. Proíbe a toda pessoa que detém uma informação privilegiada de usá-la, de comunicá-la a outra pessoa fora de seu ambiente de trabalho e de recomendar aquisição ou venda do papel. Depois de muita pressão, a Comissão Européia aceitou diferenciar a situação de jornalistas, desde que eles revelem qualquer conflito de interesse a seus editores que poderia deliberadamente levar a manipular o mercado para ganhos pessoais. Jornalistas agindo ilegalmente não têm nenhum privilégio especial.

Os governos tiveram quatro anos para implementar a diretiva em suas leis nacionais. Angela Mills estima que os casos de abuso de mercado e "insiders" por jornalistas tem sido muito poucos e "tratados corretamente". Mas o recente caso na República Checa alimenta temor entre certos jornalistas de que a diretiva pode asfixiá-los, dependendo de como é interpretada.

O EPC acompanha agora a discussão desencadeada pela CVM no Brasil. A entidade foi criada em 1991 precisamente para avaliar o impacto de uma proposta de legislações européias para a imprensa. Reúne presidentes e principais executivos das maiores empresas de comunicações da Europa, incluindo jornais, revistas, televisão, rádio e internet.

Para Mills, é fundamental que a imprensa no Brasil evite regulamentação sem necessidade. "Se um regime contra abuso de mercado for implementado, que salvaguardas sejam explicitadas, incluindo a liberdade de expressão. E o governo deve delegar a gestão da auto-regulamentação, incluindo a maneira como os órgãos de imprensa tratam de conflitos de interesse." Ela acha que conseguiu isso no texto europeu também graças a aliança informal entre proprietários de órgãos de imprensa e jornalistas durante os debates na Europa. "Gastei boa parte de meu tempo com os jornalistas que cobriam essa diretiva em Bruxelas", conta.

Para ela, alguns pontos tem que ficar claros: primeiro, que a imprensa financeira não ganha dinheiro do leitor que faz suas aplicações lendo os artigos, diferentemente das firmas de investimentos. Leitor não é "cliente". Assim, não há as mesmas motivações para abuso de mercado entre jornalistas, como haveria para firmas de investimentos que desejam expandir seus negócios, diz ela.

Além disso, deve ser levado em conta que a imprensa financeira opera com prazos muito curtos, às vezes em tempo real, sem tempo suficiente para conduzir o mesmo nível de verificação que um analista de investimento.

Outro ponto "vital" é que toda informação relevante deve alcançar o mercado o mais rápido possível. Do contrário, aí sim, condições para abuso de mercado e manipulação serão criadas. "Por causa disso, os reguladores devem ter muito cuidado para não interferir no livre fluxo de informação impondo exigências com restrições impraticáveis ou desproporcionais", afirma. "Se eles fizerem isso, vão de fato produzir conseqüências negativas, contrárias ao que pretendem estabelecer."

A representante do EPC nota também que "a mídia é crescentemente on-line e global, e os mercados financeiros também são globais. É muito importante que o regulamentador nacional não impeça intencionalmente a disponibilidade de toda informação financeira relevante de dentro ou fora do país, para não deixar o investidor brasileiro em desvantagem competitiva".


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