quarta-feira, 28 de abril de 2010

Destruição criativa

Aileen Ionescu-Somers, pesquisadora do IMD, fala da necessária cooperação entre governos, empresas e ONGs para construir novos modelos econômicos e políticos

Popularizado pelo economista Schumpeter, o conceito de destruição criativa tem sido aplicado, mais recentemente, por empresas, ONGs e governos para combater as mudanças climáticas. Não por outra razão tornou-se um dos focos de estudo do Internacional Institute for Management Development (IMD), que apresentou 11 casos de inovação em um encontro organizado pela WWF na Conferência do Clima, em Copenhague, em dezembro de 2009.

À frente do projeto, a pesquisadora Aileen Ionescu-Somers, vice-diretora do Centro de Gestão de Sustentabilidade Corporativa do IMD, não tem dúvida sobre os benefícios da cooperação interssetorial “Acredito que juntas, entre ONGs e empresas podem atingir resultados melhores do que os imaginados”, ressalta a especialista.

Aileen não está fazendo mera suposição. Ela defende seu ponto de vista com base em experiências concretas, e já documentadas, como o projeto Climate Savers (Defensores do clima), criado pela WWF em 1998. Essa iniciativa tem permitido a união de forças de companhias em torno de um compromisso para uma redução mais ambiciosa das emissões globais de gases de efeito estufa.

A cooperação entre as empresas vem—segundo ela -- proporcionando abordagens inusitadas como, por exemplo, a de uma companhia farmacêutica que foi buscar parceiros em outros setores para reduzir suas emissões. Desse arranjo, resultou um modelo de negócio inovador que conferiu escala comercial á produção de energias renováveis na Dinamarca.

Propostas interessantes também têm surgido a partir do diálogo entre empresas e governos, como mostra outro caso identificado pelo IMD. Aileen relata a experiência da Tetrapack que, ao negociar o local de uma nova planta em Hohhot, na China, exigiu como contrapartida do governo local o fornecimento de energia renovável. A empresa também criou um mecanismo de transparência (dispondo-se a pagar um preço extra pela energia adquirida) para assegurar que o governo investisse na capacidade adicional de geração a partir de fontes renováveis. “Há companhias trabalhando no lado da demanda da equação. O setor privado desempenha um papel importante, encorajando os governos a fazerem mais do que eles fariam por eles mesmos”, ressalta Alieen.

Em entrevista a Ideia Socioambiental, a pesquisadora relatou essas e outras experiências e apontou tendências no cenário pós-CoP 15. Confira a seguir.


Visão curta, horizonte estreito
Quando analisamos a atuação de governos e dos responsáveis pelas políticas públicas relacionadas à sustentabilidade, uma das maiores dificuldades é o pensamento de curto prazo. Os governamentes são eleitos por causa dessas perspectivas de curto prazo. O que mais importa à maioria do eleitorado é a sua sobrevivência e a manutenção de seus meios de ganhar a vida. A crise, que afeta a maior parte dos países ao redor do globo, reforça ainda mais esse tipo de pensamento.


Carbono: fator de competitividade
Estabelecer meios eficazes de incluir as externalidades nos cálculos econômicos ainda é um grande desafio. As mudanças climáticas dão uma boa medida da complexidade dessa tarefa. O ar é propriedade de todos. No entanto, faltam ferramentas e também vontade política para colocar o preço do carbono na equação. E as perspectivas para a taxação das emissões de gases de efeito estufa não são as melhores. As economias europeias, por exemplo, já enfrentam problemas de concorrência em relação aos países asiáticos. Muitas atividades fabris foram transferidas para a China e Índia. Se começarmos a colocar em prática mais impostos e, se isso não acontecer em uma base internacional, teremos um sério problema de competitividade.

Acredito que o passo seguinte à COP 15 é transformar essa negociação em uma série, a fim de destrinchar o problema para a construção de consensos caso a caso. É preciso buscar a flexibilidade onde ela é possível. É a única alternativa no cenário pós-Copenhague. A partir de uma interação entre Ongs e empresas pode se atingir resultados melhores do que os imaginados.

Defensores do Clima, um bom exemplo

Muitas empresas esperavam que a negociação na COP-15 fornecesse o ferramental para fazer avançar o tema do aquecimento global sem comprometimento da competitividade. Em um evento organizado pelo IMD, em abril de 2009, onde companhias de diferentes setores foram ouvidas, concluímos que elas não caminhariam até que vissem condições e uma estrutura mais compreensível a partir de Copenhague. O IMD também ouviu Ongs como o WWF que, já no ano passado, perceberam que as empresas estavam demasiadamente preocupadas com o cenário pós-Copenhague. As ONGs começaram a pensar em como pressionar as indústrias a agirem mais rapidamente e fora do escopo de Copenhague.

Havia, portanto, uma grande e difícil demanda. Assim surgiu o projeto Climate Savers (Defensores do Clima), da WWF, uma parceria entre empresas para promover a inovação em busca de soluções para as mudanças climáticas. Ao documentar exemplos de inovação, queremos mostrar que os negócios podem fazer a diferença e conduzir diferentes mercados a padrões mais sustentáveis, criando condições e reduzindo os riscos, por exemplo, para investimentos em energias renováveis. Há uma série de mudanças possíveis de serem feitas sem necessariamente quebrar os bancos, obrigando-os a assumir riscos muito altos. Com novos modelos de transações, esses investimentos se tornarão mais freqüentes.

Tetrapack e um modelo viável
Já há muitas empresas trabalhando no lado da demanda da equação. A Tetrapack, por exemplo, atua junto ao governo chinês e a uma empresa local para gerar energia renovável no país. E ela o faz de forma muito cautelosa, observando desde o design do projeto até a origem do fornecimento de energia que deve ser adicionada ao sistema. A empresa paga um preço extra pela energia adquirida, mas em contrapartida exige que o governo chinês e a fornecedora local assegurem a capacidade adicional de geração de energia de fonte renovável. As corporações podem desempenhar um papel importante, encorajando os governos a fazerem mais do que eles fariam por eles mesmos. É muito importante haver esse diálogo entre indústria e governo porque se um processo de desenvolvimento de uma regulação for mal conduzido pode inibir ao invés de incentivar boas práticas.

Ação interssetorial cria mercado novo
A Novo Nordisk é outro exemplo interessante. Essa farmacêutica passou a comprar energia da The Dong, companhia que investe em energias renováveis. Além de assegurar o suprimento da Novo Nordisk, a aproximação também permitiu a criação de um novo modelo de negócio que a The Dong pode utilizar com outros parceiros. Juntas, as empresas desenvolveram uma base comercial confiável para expandir o mercado escandinavo de energias renováveis. Esse arranjo inovador baseia-se na busca de oportunidades de reduzir o consumo de energia no processo produtivo, investindo o recurso economizado na compra de energia renovável complementar.

Vácuo de informações dificulta consumo consciente
Os consumidores estão muito confusos diante da enorme variedade de critérios a considerar no ato do consumo responsável. Quando olham para os produtos à venda, têm a expectativa de que eles já consideraram critérios sociais e ambientais. Mas há uma lacuna de informações. Em pesquisa que realizamos com empresas, descobrimos que é justamente essa falta de dados, em áreas como marketing e vendas, junto com a resistência em mudar o jeito de pensar, que vem emperrando a incorporação de questões sociais e ambientais nas estratégias das empresa.

E isso vale tanto para as pequenas e médias, quanto para as grandes. Tome o exemplo da indústria de alimentos e bebidas. Há uma desconexão entre o que pensam o setor de marketing e vendas e o que pensa o restante da companhia em relação a compras sustentáveis. Como conseqüência disso, na maioria das vezes, o preço dos produtos e processos não reflete os custos ambientais e sociais ao longo de toda a cadeia.

Vício de mercado, vício de carbono
Criar um mercado no qual o carbono tenha um preço pode estimular as pessoas a tomar atitudes mais conscientes. Apesar disso, no entanto, os esquemas de Cap and Trade, em algum estágio, estimulam menos a redução de emissões e mais a formação de novos mercados. Existe um grande esforço de marketing em torno dessa atividade, além de pessoas ganhando muito dinheiro nas operações de compra e venda de certificados de emissões. Acho essa situação é um pouco perigosa. Meu receio é que o incentivo financeiro, e não a preocupação em reduzir emissões, seja o maior atrativo para empresas entrarem nesse mercado.

CoP-15. O que vem agora?

Algumas empresas acordaram para o fato de que as mudanças climáticas já estão na agenda dos negócios e continuarão por um longo tempo. Haverá companhias sob pressão. Todo negócio dependente de água já sofre os impactos das mudanças climáticas. O fornecimento de matérias-primas e as atividades agrícolas também vêm sendo comprometidos.

Assim, a indústria de alimentos e bebidas enfrentará uma série de desafios relacionados à sustentabilidade. Esse setor começou a rever sua cadeia produtiva, mas segue distante de outros que já perceberam o impacto do aquecimento global na disponibilidade de recursos naturais essenciais à sua atividade. Apesar da ausência de um acordo efetivo em Copenhague, a pressão sobre os negócios aumentará em termos do que estão fazendo para reverter as mudanças climáticas. Por isso, as empresas devem se unir aos demais setores, uma vez que esse é um problema comum que afetará a todos, sem exceção.

Idéia Sustentável, 27/04/10


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