domingo, 11 de abril de 2010

Cultura antilucro limita atuação de empresas sociais no Brasil, dizem especialistas

A percepção por parte de muitos empreendedores sociais brasileiros de que lucro e impacto social são incompatíveis é um dos principais entraves ao desenvolvimento de empresas ou negócios sociais no país.


Foi o que afirmaram consultores e especialistas na manhã de hoje no painel "Unindo o Dividido: Evolução dos Negócios Sociais no Brasil", parte da conferência SVC/SE (Social Venture Capital/Social Enterprise Conference), principal evento voltado a discutir os desafios das empresas sociais e dos canais de investimento nesse setor na América Latina e que termina amanhã em Miami.

"Os empreendedores sociais no Brasil são primordialmente voltados ao social e resistentes ao lucro, resultado de uma cultura que os impede de aceitar que [essa margem] não é ruim quando retorna à população como oportunidade de desenvolvimento", ressalta a consultora de estratégias para negócios sociais Vivianne Naigeborin, que trabalha com organizações como Artemisia, parceira da Folha no Prêmio Empreendedor Social de Futuro, Vox Capital e Instituto Ação Empresarial pela Cidadania.

Como consequências disso, afirma Naigeborin, os líderes sociais apresentam dificuldades ao tomar decisões práticas sobre o negócio e dificultam o entendimento de sua atuação e cultura para a iniciativa privada como um todo.

Para o economista Luiz Ros, gerente de OM (Oportunidades para a Maioria) do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), muitos empreendedores sociais não querem crescer, num contexto em que é essencial ganhar escala para alcançar milhões de pessoas. "É preciso identificar os verdadeiros empreendedores para uma transformação social efetiva."

Ainda que não queiram crescer, acrescenta Naigeborin, ex-diretora internacional da Ashoka, os empreendedores sociais têm o importante papel de se tornarem laboratórios de inovação de forma que, por meio de alianças, consigam resolver os problemas contra os quais lutam. "Está surgindo no Brasil, contudo, uma nova geração de jovens empreendedores sociais orientados para os negócios, com excelente bagagem acadêmica e que não querem fazer parte das empresas ditas tradicionais. São eles que mudarão o cenário atual das empresas sociais brasileiras."

Desafios
De acordo com os especialistas, não faltam indicadores positivos para o desenvolvimento das empresas sociais no Brasil, como a queda sistemática da desigualdade social ao longo dos últimos 20 anos, o crescimento da classe média, que passou de 12 milhões em 2002 para 20 milhões atualmente, o aumento da capacidade de compra do brasileiro, o declínio significativo da taxa de fertilidade -hoje menor do que a da França-, a melhora modesta na educação e a significativa na criação de empregos formais.

Mas, na avaliação do economista Haroldo da Gama Torres, sócio do Plano CDE, especializado em políticas sociais e estudos de mercado focados à população de baixa renda, a despeito desses indicadores, o modelo de negócios sociais não cresce na proporção esperada no Brasil, ao contrário do que já ocorre em países como o México.

Segundo Torres, quatro fatores influenciam para esse desempenho negativo: o foco das empresas grandes na classe média, com pouca atenção às classes D e E, o ambiente regulatório adverso aos negócios sociais, a falta de interesse do governo em apoiar esse tipo de iniciativa -mais preocupado com programas sociais tradicionais- e a quase ausência de casos de sucesso que sirvam de referência para esse modelo de negócios.

"O ambiente é muito hostil às empresas sociais, o que faz com que suas chances de crescer se tornem menores do que o ideal", salienta.

Outros empecilhos ao desenvolvimento dessas organizações são a falta de indicadores confiáveis que atestem seu impacto social de forma sólida e significativa aos investidores e a ausência de mecanismos de financiamento, como os por meio de capital de risco, por falta de entendimento desse tipo de negócio, afirma Naigeborin.

"Quando crescem, muitas organizações se veem obrigadas a se dividirem em duas, uma sem fins lucrativos, que cuida de treinamento, por exemplo, e outra com fins lucrativos, voltada à parte comercial, pois não sabem como compatibilizar lucro e impacto social. Isso não é eficiente, na medida em que dobra os custos. O desafio é superar esse formato, já que os negócios sociais têm o papel crucial de ajudar o governo e as demais empresas a alcançarem as classes mais baixas."

Ros, do BID, defende que é necessário construir um ecossistema propício, trabalhando com plataformas sociais públicas, como o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), já que os desafios dos negócios sociais são similares aos de outras micro e pequenas empresas -com o diferencial de acarretarem imensa transformação para a sociedade.

"Temos de convencer as pessoas [governo e iniciativa privada] de que os negócios sociais podem gerar serviços de qualidade a um custo inferior ao dos programas sociais governamentais. É preciso que haja mais conversa e parcerias entre os setores público e privado, tal como aconteceu no programa Minha Vida, Minha Casa, a fim de que as pessoas deixem der ver as empresas como um mal", conclui Torres.

LEIA MAIS sobre a Social Venture Capital/Social Enterprise Conference e sobre o Terceiro Setor em www.folha.com.br/empreendedorsocial


Cássio Aoqui
Folha de S.Paulo, 18/03/10


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