sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Leandro Valiati: Economia da Cultura, um desafio para o Brasil


A Economia da Cultura é um tema que demorou a pegar no País. Um dos motivos que podem explicar esse atraso, segundo Leandro Valiati, é o próprio conservadorismo dos economistas brasileiros. Apesar de ainda caminhar a passos lentos, este ramo da economia tem tudo para ser um dos que mais evoluirão nos próximos anos em território nacional.

Valiati, que é graduado em Economia, mestre em Planejamento Urbano e doutorando em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ajudou a criar e a implementar o curso de pós-graduação em Economia da Cultura na mesma universidade. Hoje, além de lecionar na área, ele tem se ocupado em desenvolver indicadores de avaliação sócio-econômica de projetos sociais e culturais.

Durante a entrevista que concedeu ao blog Acesso, Valiati explica a importância da Economia da Cultura para o desenvolvimento de ações mais sustentáveis no cenário cultural brasileiro. De acordo com o economista, este é o momento para o Ministério da Cultura “articular iniciativas e recursos para um grande mapeamento de impacto e da cadeia produtiva da cultura nacional”. Confira estas e outras informações esclarecedoras sobre o assunto na entrevista a seguir.

Blog Acesso – Por que você acha que a Economia da Cultura é uma área que demorou a ser valorizada e reconhecida no Brasil?
Leandro Valiati – Foram dois motivos fundamentais: por um lado, os economistas e a ciência econômica são conservadores, o que implica em dificuldades para reconhecer um novo campo de estudo; por outro lado, a cultura é elemento de difícil apreensão, o que determina uma grande dificuldade em se posicionar disciplinarmente para estudá-la. Na prática, antes de formalizar a Economia da Cultura, é necessário perguntar: o que é Economia da Cultura? E, antes disso, o que é Economia?

BA – Mas "o que é Economia?" os economistas já devem se perguntar faz tempo, não?
LV – A vida inteira e toda a eternidade. E incorporar um novo elemento a ser objeto da aplicação do instrumental teórico da economia faz repensar toda a ciência econômica. Isso é bem legal, é autoconhecimento. Traduzindo: a economia, nos manuais, é a ciência que estuda a melhor alocação de recursos escassos em um ambiente de necessidades ilimitadas, mas, para mim esse conceito é reducionista. A Economia estuda o bem-estar e isso é muito amplo. Logo, definindo a Economia como a ciência que estuda o bem-estar (individual) e os caminhos para atingi-lo, construímos espaço para entender a Economia da Cultura não só como o estudo e organização da produção de bens culturais e seus efeitos multiplicadores (emprego e renda) como também o estudo da formação de valor individual e social (matéria prima do bem-estar) e nisso entra formação de hábitos de consumo, valores identitários, valor cultural, bens públicos, etc. É aí que, na minha opinião, começa a verdadeira Economia da Cultura.

BA – Então a questão da formação do valor individual e social, do bem-estar, apesar de você ter relacionado aqui à "verdadeira Economia da Cultura", na verdade vale para qualquer área da economia?
LV – Ótima pergunta. A Economia é uma ciência bastante dividida. Na abordagem ortodoxa, estuda-se a economia positiva, que leva em conta "as coisas como elas são", ou seja, com o arranjo de distribuição estabelecido, qual a melhor maneira de produzir. Nesse sentido, o espaço para pensar em coisas para além dos efeitos multiplicadores é muito pequeno. De outro modo, na leitura heterodoxa, que vê as coisas "como elas poderiam ser", há espaço para incorporar outros elementos do tipo: como melhor distribuir o produto? Quais os valores que existem para além da demanda de mercado? Como alcançar desenvolvimento, o qual, em alguns casos, pode estar inclusive descolado do crescimento? Nesse sentido, gosto muito do que Amartya Sen, Prêmio Nobel de economia, defende sobre capacitações sociais: para ele, desenvolvimento econômico significa bens disponíveis, pessoas (agentes) capacitados a discernir e escolher entre os bens disponíveis e renda para isso. Ou seja, que venha a Ivete Sangalo e o teatrão para elite, mas que também tenhamos Gerswhin em aulas escolas primárias e cinemas em bairros de periferia.

BA – A Economia da Cultura então vem para que a cultura seja mais democrática?
LV – Talvez.

BA – Depende da forma como ela é usada e aplicada?
LV – São duas etapas: a primeira é a da eficiência. Os recursos públicos são muito escassos, portanto é urgente repensar os sistemas de incentivo à cultura em termos do resultado ineficiente que eles têm apresentado. Além disso, temos que criar instrumentos de gestão tais como indicadores para que possamos compreender a realidade sobre a qual operamos no setor cultural (e social também). Passada essa etapa, chegamos à da distribuição, na qual, utilizando os instrumentos criados na primeira etapa, é possível distribuir socialmente o produto "cultura" de forma, ampla e democrática. Enfim, a economia tem instrumentos para isso.

BA – Até o Ministério da Cultura demorou a usar a economia para planejar e criar ações e programas. Não é estranho detectar que o órgão máximo da Cultura no País trabalhava até pouco tempo sem saber dados básicos como o número de brasileiros que vai ao cinema regularmente?
LV – Além de estranho é preocupante que ainda hoje não tenhamos dados consolidados e nenhuma iniciativa integrada nesse sentido. Existe o Suplemento de Cultura feito em parceria com o IBGE, mas é algo isolado que olha fundamentalmente para a infra-estrutura. Acho que seria fundamental o Minc articular iniciativas e recursos para um grande mapeamento de impacto e da cadeia produtiva da cultura nacional. Isso atrairia investidores externos e internos, públicos e privados, e daria instrumentos efetivos para uma atuação cirúrgica dos instrumentos de gestão pública. Esse é o caminho para a sustentabilidade do setor, o que seria revertido em bens culturais disponíveis, o que é bem-estar.

BA – E como isso deve ser feito?
LV – Penso que para um estudo desse tipo ser viabilizado é necessário um amplo debate com as universidades, setor privado e público atuante na cultura, realizadores, para que o método seja apropriado e os resultados factíveis. Não vejo isso ocorrendo, apesar de toda a boa intenção do ministério. Nesse sentido, participei de dois projetos que acho relevantes para ilustrar.

BA – Quais são?
LV – Um deles, com o governo de Pernambuco, foi para criar um indicador de efetividade da política cultural do Estado. Pesquisamos todos os ciclos anuais de eventos como o carnaval e a Paixão de Cristo, por exemplo, a fim de mapear os dados de impacto sócio-econômico dos mesmos, além de criar um indicador qualitativo e quantitativo para avaliar os resultados de cada ação específica, compreendendo assim os dados de emprego e renda, mas com o pano de fundo de compreender os aspectos qualitativos associados à sustentabilidade.
O outro projeto, que veio antes do de Pernambuco, foi para criar um índice para seleção e acompanhamento de projetos da secretaria de justiça e segurança social do Rio Grande do Sul. O fato inovador nesses dois projetos é que eles geraram um instrumento de gestão que permite (se alimentado em termos de dados), por exemplo, que daqui a vinte anos se tenha uma análise da evolução das variáveis levadas em conta para perceber se o programa superou dificuldades identificadas e se os investimentos foram feitos adequadamente onde deveriam.
A partir disso, concluímos que duas coisas são importantes. A primeira é conhecer a realidade e os resultados principalmente em um mundo onde o filantrocapitalismo está aí como valor. Não é admissível que não saibamos os resultados de um investimento (público ou privado) social ou cultural. A segunda volta à questão da necessidade de integração dos esforços: essas duas iniciativas, por exemplo, que são modernas e inovadoras em âmbito mundial, muito provavelmente não são conhecidas pelo ministério ou pelo terceiro setor. É possível que outras iniciativas estejam isoladas por aí. Precisamos formar massa crítica e isso se faz integrando ações.

BA – Será que só mesmo com o tempo a nascente Economia da Cultura do Brasil vai começar a mostrar, por meio de resultados, como ela é fundamental para que todos os brasileiros tenham acesso à cultura?
LV – Olha, acho que já é tempo de transformarmos o pensamento existente sobre o tema em tecnologias, tais como as dos instrumentos de gestão por indicadores sociais e culturais de que tratamos. Já é hora do próximo passo, dado o avanço que já existe no país sobre o tema.


Blog Acesso, 14/10/09


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br