quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Tudo acontece na internet, até os bons momentos

Blackshaw: Autenticidade e transparência são valores que toda empresa deve ostentar nesta era digital
"Satisfied Customers Tell 3 Friends, Angry Customers Tell 3,000" - Pete Blackshaw. 208 págs. Bantam. US$ 21,95


O consumidor consciente de seus direitos, hoje habitante muito ativo de um mundo sempre mais digital, tem poderes de manifestação e ação que podem derrubar a reputação de uma empresa. Mas também há nesse universo um lado de interação afirmativa, de encontro das aspirações e exigências do consumidor e dos objetivos da empresa, convergência de que resultam diferentes graus de credibilidade. É esse o campo de observação do comandante dos serviços estratégicos da Nielsen Online, Pete Blackshaw, em seu best-seller "Satisfied Customers Tell 3 Friends, Angry Customers Tell 3.000". Ele conversou com o Valor sobre o que muda para empresas e clientes nos tempos do atendimento telefônico, do YouTube e dos sites dedicados ao compartilhamento de experiências entre consumidores.

Valor: Uma empresa pode aumentar sua credibilidade a partir do uso de blogs e websites?
Pete Blackshaw: Certamente. Essas ferramentas não são, é claro, a solução definitiva, mas podem ajudar a criar uma nova relação, mais aberta, entre vendedores e consumidores. A chamada "Web 2.0" oferece a consumidores e clientes novas maneiras de se conectarem e interagir com as mais diversas empresas. Ao mesmo tempo, as empresas não têm outra saída a não ser aumentar sua autenticidade e transparência no relacionamento com os consumidores. Autenticidade e transparência são os dois valores fundamentais para alcançar essa credibilidade de que tanto falo em meu livro.

Valor: Como sua vivência o levou a escrever o livro?
Blackshaw: Tivemos, eu e minha mulher, uma experiência terrível com uma companhia aérea, em 1998. Os funcionários eram despreparados, e nossas expectativas foram gerenciadas de uma maneira tenebrosa. Ali percebemos que os consumidores precisavam de um website que os colocaria em um outro patamar na relação com as empresas, funcionando como um espaço de negociação, mas também de reclamação, de queixas. Foi assim que nasceu o planetfeedback.com, idéia que inspirou o modelo de negócios no qual estou envolvido na Nielsen. Nos últimos dez anos, analisei milhares de cartas de consumidores e centenas de comentários feitos em blogs e websites. De certa forma, o livro nasceu naturalmente de todas essas experiências. Também percebi que me tornei um consumidor mais esperto e mais informado. Tenho um faro muito mais apurado para detectar as fraquezas e os pontos altos das empresas, especialmente quando se trata de serviços de auxílio ao consumidor.

Valor: O sr. passou por São Paulo recentemente [Blackshaw foi um dos palestrantes no Congresso Nacional de Relações Empresa-Cliente, realizado no princípio de setembro]. Acredita que seu livro se aplica também à realidade de um mercado como o brasileiro, menos centrado no mundo digital do que o americano?
Blackshaw: Percebi, durante aqueles dias, uma profunda semelhança entre as realidades dos dois países. Aliás, acho que no Brasil há uma impaciência ainda maior com o serviço prestado aos consumidores, evidenciado pelos esforços do Poder Legislativo em assegurar que consumidores não fiquem perdidos no limbo da espera eterna dos atendimentos telefônicos das empresas. Essa é uma enorme conquista para os consumidores. Também pude entrar em contato com casos específicos [de empresas que usam a internet para relacionamento com clientes]. De modo geral, o Brasil está atrasado em relação aos Estados Unidos no desenvolvimento da comunidade digital e no que batizei de CGM (ou Mídia Gerada por Consumidores, na sigla em inglês). Mas há muito mais ações no setor, que se transforma muito mais rapidamente do que eu esperava.

Valor: O consumidor digital é de fato mais rigoroso e cauteloso do que o cliente do mundo real?
Blackshaw: Estamos chegando a um ponto em que todo consumidor é "digital". Se você usa um celular, já se encaixa nesse rótulo. Em todos os lugares por onde andei, em São Paulo e no Rio, pude perceber que a indústria de celulares no Brasil vive um "boom", e que isso se deve, em parte, à possibilidade de conexão com a internet oferecida pelos novos aparelhos. Os consumidores digitais mais ativos prestam mais atenção e são mais propensos a criar conteúdo, positivo ou negativo, sobre produtos e empresas. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, as mães digitais estão se tornando uma força poderosíssima no universo do consumo. Elas lideram o movimento boca-a-boca que leva a decisões mais inteligentes. Estão fazendo um "broadcast" eletrônico de suas experiências, com grande sucesso. E isso, imagino, se reflete no comportamento das empresas. As empresas estão ficando mais engajadas. Blogs, wikis, RSS, "feedback loops", vídeos online dedicados aos consumidores se multiplicam de forma impressionante. Acabei de moderar uma mesa em Nova York sobre mídia social no mundo do empreendimento e fiquei pasmo com o progresso feito na área por marcas como Sony, Sun Microssystems e até a Procter & Gamble, onde criei, nos anos 1990, o primeiro grupo de marketing online da empresa. Essas empresas têm o mesmo padrão: seu sucesso se deu ao prestarem bastante atenção nas preferências do consumidor.

Valor: O sr. é um fã da série Mad Men, um dos grandes sucessos do ano na televisão americana, que retrata a vida dos gênios da propaganda nos anos 1960. O que o sr. acha que mudou, do ponto de vista do consumidor, em quase meio século no mundo do marketing de produtos?
Blackshaw: Os consumidores têm muito mais poder hoje do que nos anos 1960. Hoje, os consumidores são, de fato, os marqueteiros mais poderosos do mercado. A mídia que cresce mais rápido é justamente a dedicada à criação de informação pelos próprios consumidores, e a web é a grande propulsora desse movimento. Não estou sugerindo aqui que os consumidores da época retratada por Mad Men [referência à Madison Avenue, em Manhattan, onde se concentravam as principais agências de publicidade dos Estados Unidos, e também um trocadilho com a palavra em inglês para "louco"] eram totalmente passivos. Mas as ferramentas do mundo online, nossa capacidade maior de conexão uns com os outros, colocaram a relação consumidor-empresa em outro patamar.


Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
Valor Online, 02/10/08


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