segunda-feira, 5 de maio de 2008

Fica faltando o progresso ético

Elogios são sempre bons de ouvir, mas nem sempre surpreendem. É o caso da constatação da agência de risco Standard & Poor's de que as instituições nacionais estão firmes e funcionam. Trata-se de fato sabido pela unanimidade dos brasileiros que atentam para questões como essa. Sabem também quanto isso conta para a confiança no sistema político, apesar de suas diversas peças à espera de reformas que reduzam os aspectos ainda disfuncionais da ordem democrática consolidada. Não menos evidente é o papel da estabilidade institucional ao longo dos períodos Fernando Henrique e Lula para a expectativa de que as políticas governamentais produzam os efeitos duradouros para o interesse comum imaginados por seus autores. Assim não fosse, o País talvez não teria a festejar - muito além da promoção que acaba de receber - os ganhos econômicos e sociais dos anos recentes, que configuram um avanço com alcance e velocidade sem paralelo na história do Brasil democrático.

O que parece ter sido removido desse cenário alentador é a esperança da sociedade na aptidão das instituições - e no empenho dos governantes - para dar origem e garantir o desenvolvimento sustentável de políticas igualmente robustas de moralidade pública. Entenda-se por isso o engajamento direto dos condutores da Administração para baixar gradativamente a patamares civilizados os índices de corrupção - como se queira caracterizá-la - no âmbito da área estatal. Na realidade, o que se vê é um abismo entre a chamada vontade política visando ao progresso econômico e social e aquela sem a qual não se alcançará nada parecido com isso em matéria da integridade dos agentes públicos. Já entrou para a história a lucidez do presidente Lula em manter as diretrizes macroeconômicas responsáveis pelo ciclo de bonança de que o Brasil desfruta - à falta delas nem mesmo o impulso sumamente favorável da conjuntura internacional teria gerado as conseqüências que estão aí -, bem como a determinação com que o governo leva a cabo as suas amplas políticas de transferência de renda.

Comparem-se essas conquistas com o notório retrocesso destes anos no campo da ética política e administrativa, e o resultado só pode ser o desalento. Diga-se desde logo que seria um despropósito responsabilizar diretamente o presidente da República, qualquer que fosse, pela escalada de maracutaias que praticamente transformaram o noticiário nacional da imprensa em páginas policiais - embora se possa no mínimo presumir a sua cumplicidade com os escândalos políticos do gênero do dossiê confeccionado em pleno Palácio do Planalto. A responsabilidade pessoal do chefe de governo é outra, além, naturalmente, de cobrar e acompanhar medidas vigorosas de defesa do dinheiro público. Trata-se do exercício, por palavras e atitudes, do papel pedagógico inseparável da sua liderança. E nesse sentido o desempenho de Lula é o oposto do que deveria ser.

Quando ele proclama o seu respeito pelo ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que cobrava mensalinho do dono de um restaurante, ou diz que nada abalará a sua amizade com o ex-titular do Senado Renan Calheiros, ligado a um lobista que lhe pagava contas pessoais, a sua mensagem é uma ode ao deboche impune. Agora mesmo, desdenhando do princípio de que os homens públicos não apenas precisam ser honestos, mas parecer honestos, ele se solidarizou com o governador do Ceará, Cid Gomes, exposto na mídia por ter levado a sogra numa viagem ao exterior, a bordo de um jatinho alugado por R$ 388,5 mil do bolso do contribuinte. É certo que o aluguel de aviões se paga pelo percurso e não pelo número de passageiros. Mas a carona dada à sogra é só o tempero da história. Em companhia dela, da esposa, de um secretário e de um assessor, também com as respectivas, Gomes passou 10 dias entre Madri, Londres, Edimburgo, Dublin e Berlim, em visitas a feiras e eventos, com a finalidade de 'buscar investimentos para o Ceará'.

Dias antes de receber a absolvição do presidente, o governador se desculpara 'pelo constrangimento' causado aos cearenses. Mas não explicou por que não viajaram todos em aviões de carreira, por uma fração do preço pago. Na visão ética que Lula transmite aos brasileiros, isso deve ser detalhe.

Notas e Informações
Estado de São Paulo, 05/05/08


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