segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Governo paga salários mais elevados que setor privado

Sergio Lamucci
Publicado pelo
Valor Online em 28/01/08

Nelson Marconi, da FGV, que considera incorreta a prática de salários maiores no setor público: "O Estado está gastando mais recursos do que deveria"
Foto Marisa Cauduro/Valor


Ser funcionário público tem um grande atrativo além da estabilidade e da perspectiva de uma aposentadoria mais gorda: quem trabalha para o governo ganha mais do que na iniciativa privada. Segundo o professor Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006 mostram que os servidores públicos são mais bem remunerados que os trabalhadores do setor privado nas três esferas de governo, nos três níveis de escolaridade, com exceção dos funcionários municipais com curso superior.

A diferença é maior no caso de funcionários públicos da União com ensino médio, que ganham, em média, 71,8% a mais do que empregados da iniciativa privada com o mesmo nível de escolaridade. Entre os servidores federais com curso superior, a diferença de salário atinge 69,2%. Marconi destaca que o setor privado paga mais do que o setor público nas funções de alta gerência, mas diz que é complicado calcular a diferença de remuneração nesses cargos. "É difícil identificá-los na PNAD e a escolha envolve certa dose de arbitrariedade", afirma ele, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Os números calculados por Marconi mostram que as menores diferenças estão no nível municipal. Funcionários de prefeitura com nível médio ganham, em média, 8,5% a mais do que os trabalhadores com a mesma escolaridade da iniciativa privada. Quem tem nível superior e é servidor municipal recebe 13,9% a menos do que alguém com formação equivalente no setor privado. Marconi explica que os diferenciais de salários se referem sempre a comparações entre pessoas com as mesmas características, como faixa etária e sexo.

Autor de uma tese sobre o assunto, Marconi não vê com bons olhos o fato de os funcionários públicos terem, em média, salários bem acima dos trabalhadores da iniciativa privada. "Acho que a remuneração no setor público deve ser justa: a pessoa deve ganhar um salário compatível com suas atribuições, seu conhecimento, experiência, escolaridade e responsabilidade. Um parâmetro bastante razoável para determiná-los é o que o setor privado paga, pois é um segmento mais dinâmico", diz ele. "Assim, não entendo que a prática de salários superiores no setor público seja razoável. O Estado está, nesse caso, gastando mais recursos do que deveria."

Para o consultor econômico do Senado Marcos Mendes, a escalada da carga tributária desde meados dos anos 90 ajuda a explicar a remuneração elevada dos funcionários públicos. "Aumentou a disponibilidade de recursos nas mãos do poder público", afirma ele. Mendes nota que o próprio processo de redemocratização levou o país a caminhar nessa direção. "Quando os governos precisam de votos para se manter no poder, eles têm que responder às demandas de determinados interesses organizados da sociedade, e os funcionários públicos são um dos grupos mais organizados", diz ele. Mendes lembra ainda que, por contar com autonomia orçamentária, o Legislativo e o Judiciário costumam jogar para cima a média do salário do funcionalismo.

O economista Raul Velloso sempre destaca que isso dá origem a uma corrida por isonomia por parte dos funcionários do Executivo, que passam a pleitear equiparação salarial com os servidores dos outros poderes.

Mendes diz ainda que a possibilidade de os funcionários públicos promoverem greves, sem nem ao menos terem descontados os dias parados, também ajuda a empurrar os salários para cima. Isso dá um poder de pressão muito forte, especialmente para categorias organizadas e importantes, como a Polícia Federal e a Receita Federal. Nesse cenário, há muito espaço para distorções. Segundo ele, um funcionário de nível médio da Polícia Federal pode ganhar mais do que um médico do Sistema Único de Saúde (SUS).

Assim como Marconi, Mendes não vê com bons olhos a diferença salarial pró-funcionário público. O mais indicado seria que a remuneração andasse em linha com a do setor privado. Ele avalia ainda que, recentemente, houve uma demonização equivocada das terceirizações no atual governo. Para Mendes, não é porque houve alguns problema localizados, como os que ocorreram com médicos peritos terceirizados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que toda a estratégia deve ser desmontada. No caso dos médicos peritos do INSS, há indícios fortes de que a terceirização levou a fraudes que elevaram acentuadamente a concessão do auxílio-doença.

"Não há por que o setor público ter na folha de pagamento secretárias e pessoas que tiram xerox, por exemplo. Esse tipo de função deve ser terceirizada, e o governo ter uma política de pessoal que privilegie as carreiras típicas de Estado (como juízes, fiscais da Receita e diplomatas)", afirma ele.

Marconi destaca ainda outro ponto que considera fundamental: "O prêmio que o setor público pratica torna-se ainda maior se considerarmos a questão da estabilidade e da aposentadoria, que, na prática ainda não mudou, para os servidores públicos. Isso torna a vantagem pecuniária no setor público maior ainda e o diferencial, injustificável."


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